
Ao responder ao articulista ind�gena Denilson Baniwa, que lhe perguntou qual seria o campeonato que Salles pretende financiar, ao querer abrir campos de futebol na floresta amaz�nica e em outras florestas, Krenak assinalou: “O campeonato do fim do mundo. Esse campeonato do fim do mundo, quando voc� � muito bem-sucedido nele, voc� acrescenta mais meio grau na temperatura do planeta. A� torra todo mundo”, disse, discordando da apresentadora do programa Vera Magalh�es, que classificara Salles como “articulado”, um ministro de muitas conex�es importantes. “Uma pessoa articulada n�o � a mesma coisa que uma pessoa subserviente. Esse sujeito � med�ocre, � subserviente, ele est� ali para executar um plano danoso para a soberania ambiental do Brasil”, afirmou.
A participa��o de Ailton Krenak no programa da TV Cultura obteve grande repercuss�o e fez o nome do escritor figurar entre os assuntos mais comentados nas redes sociais. Para Krenak, Salles est� a servi�o de corpora��es interessadas em prejudicar o Brasil. “Est� a servi�o de corpora��es que querem colocar o Brasil na lona”, afirmou, salientando que no �nicio do s�culo 21, o pa�s era presen�a obrigat�ria em confer�ncias do clima, considerado refer�ncia do ambientalismo no mundo. “Ent�o voc� bota um ministro do Meio Ambiente para detonar com tudo o que esse pa�s conseguiu conquistar no campo da gest�o ambiental, para transformar numa sucata. � um grande desservi�o que esse sujeito est� fazendo”, destacou.
Indagado pelo jornalista Le�o Serva se a gest�o da Funda��o Nacional do �ndio (Funai), a exemplo do que fora considerada na ditadura militar, voltou a ser transformada no governo Bolsonaro numa “funer�ria nacional do �ndio”, Ailton Krenak sustentou serem os �ndios um problema administrativo para a Rep�blica brasileira. “Quando a Inglaterra e a Fran�a estavam dividindo a �frica, criaram ag�ncias coloniais com esse formato para fazer o que o bureau de assuntos ind�genas nos Estados Unidos faz at� hoje. � a Funai americana”, sustentou.
“Esses estados coloniais n�o conseguiram se desenvolver com capacidade pr�pria e ficam reproduzindo esses modelos, esses cacoetes. Ent�o o estado brasileiro, desde que o Marechal Rondon, criou o servi�o de prote��o ao �ndio. Ficou implicado com essa quest�o de ter de dar conta em rela��o �quilo que a Rep�blica brasileira faz com os �ndios. Ela vai matar, vai esfolar? Vai alugar como m�o de obra barata para os vizinhos?”, indagou ele. “Somos um problema administrativo para o estado brasileiro. Ent�o ele administra com essa coisa que � a Funai”, afirmou, considerando que se houvesse capacidade cr�tica interna, o Itamaraty tinha criado um programa com embaixadores falando v�rias l�nguas para tratar com os povos origin�rios.
As tentativas do governo Bolsonaro de cooptar lideran�as ind�genas por meio de promessas de prosperidade envolvendo a explora��o de suas terras foi apontada por Ailton Krenak como uma pr�tica colonial, destinada ao fracasso.
“Em 1.600, 1700, os povos ind�genas que viviam na Costa Atl�ntica foram mais cooptados pelo poder colonial do que assistimos hoje. Se voc� olhar a bacia do Prata no longo per�odo em que as miss�es jesu�ticas se estabeleceram, as miss�es de S�o Miguel, Santo ngelo e Santo Ant�nio aquela implanta��o daqueles centros de governo demandaram mais alian�as e mais convoca��es do pensamento e da colabora��o dos povos origin�rios do que qualquer outro per�odo posterior da hist�ria”, disse, acrescentando que nem por isso, aquelas miss�es se constitu�ram num centro de difus�o do pensamento subalterno ind�gena em rela��o a Espanha e a Portugal. “Pelo contr�rio o povo guarani largou aquelas estruturas para tr�s e seguiu a sua vida dentro das florestas, inclusive saindo das fronteiras internas daquelas miss�es jesu�ticas”, afirmou.
Reconhecendo ter recorrido a um exemplo hist�rico mais antigo, Krenak considerou que tamb�m durante a ditadura, o ent�o presidente, o general Ernesto Geisel, usava a imagem dos �ndios. “Gostava de fazer festa no Mato Grosso do Sul com os �ndios segurando a bandeira do Brasil, enquanto a ditadura dizia ame-o ou deixe-o. Nem por isso no resto das d�cadas 70 e 80 os �ndios aderiram a qualquer sistema de governo”, afirmou.
“Essa propaganda tem muito a ver com os emblemas, as marcas. Agora a marca que quer explorar a imagem dos �ndios � essa marca do garimpo, do agroneg�cio, o agro � pop, todo esse besteirol capitalista. Mas o povo ind�gena vai passar por isso”, disse. Segundo Krenak, em 2018, diante da elei��o de Bolsonaro, respondeu �queles que lhe perguntaram como os �ndios sobreviveriam a um presidente que “pesa os negros por arrouba” e que n�o iria demarcar “nenhum mil�metro de terra: “Eu disse olha, o povo ind�gena j� enfrenta essa brutalidade toda h� 500 anos. Estou preocupado � como os brasileiros n�o ind�genas v�o sobreviver a esse sujeito”.
Pandemia e trag�dias ambientais de Brumadinho e de Mariana
“Estamos dentro desse quadro de sobreposi��o de trag�dias, vivendo uma suspens�o, uma suspens�o dos sentidos. A pandemia e a s�rie de eventos ambientais com consequ�ncias desencadeando eventos clim�ticos, nos desafia a pensar o que estamos fazendo com nossa experi�ncia de comer, andar, se deslocar, viver na terra. � um desafio enorme, as pessoas est�o muito chocadas com o cotidiano: cada dia um susto com o cotidiano, al�m das pessoas que perderam os seus afetos nesta pandemia, o que deixa a nossa vasta comunidade de humanos em estado de choque.
A quest�o ind�gena e a Constitui��o de 1988
“A nossa Constitui��o tem um cap�tulo destinado aos direitos dos �ndios. Mas o consenso n�o houve para al�m daquele momento (...) E nunca houve consenso. Quatro anos depois de promulgada a Constitui��o, pelo Rio Grande do Sul, Nelson Jobim, que depois foi ministro da Justi�a, fez uma primeira resolu��o encaminhando o marco temporal que estabelece que os povos ind�genas que j� tinham os seus direitos reconhecidos at� a Constitui��o de 1988 ficavam reconhecidos. E aqueles que n�o tinham sido reconhecidos at� aquela data, n�o ser�o da� para frente. Que � o que o marco temporal estabelece: essa tentativa de golpe em rela��o aos direitos institu�dos alguns anos antes. Ent�o n�o durou sequer uma d�cada. N�o tem consenso. Em 1993 h� tinha gente querendo rasgar aquele cap�tulo dos �ndios. “
Carlos Drummond de Andrade, a minera��o e a m�quina de comer o mundo
“Essa recorrente imagem da obra de Carlos Drummond de Andrade, e quem compartilha com ele essa po�tica de viver nessas montanhas, assistir a uma manobra, a narrativa sobre a coloniza��o dessa regi�o do Brasil, instituiu desde sempre a busca do diamante, a busca do ouro, ele fez o ber�o dessa narrativa das Minas Gerais. E essa narrativa que mimetiza o corpo do rio e depois faz desaparecer o pr�prio rio, e s� sobra essa serpente de metal, ela est� presente nos primeiros movimentos de abrir estradas na crista das serras, vindo de Paraty, atravessando as alturas das serras, passando pela Rola Mo�a, subindo a serra do Espinha�o, indo bater em Diamantina ca�ando diamante, fazendo algumas passagens para outros lados do corpo da serra e descendo o Santo Ant�nio, o Piracicaba e formando este que � o rio Doce. O Vale que esse mesmo pensamento, essa mesma narrativa ampla, pesada, vai chamar de Vale do A�o. A floresta do rio Doce cede lugar ao Vale do A�o. O rio cede tamb�m lugar a alguma coisa que vai ser s� esse vale, uma superespecializa��o, no sentido capitalista dessa m�quina de comer mundo. O Drummond � onipresente, porque passou quase o s�culo 20 todo testemunhando essa invas�o. Evocando os outros estragos hist�ricos que essa atividade de fu�ar a terra e de tirar de dentro dela, aquilo que dorme em m�gico equil�brio c�smico, mas que quando traz para fora vira doen�a, vira veneno. Drummond e meu amigo David Kopenawa denunciam a mesma coisa: os homens deveriam deixar dormir no fundo da terra isso que constitui o del�rio de pessoas daqui de fora, o ouro, o min�rio, essa f�ria de trazer para fora essa trag�dia sanit�ria que estamos vivendo no mundo hoje, aos olhos do xam� com a morte de milh�es de pessoas. Isso � de uma gravidade t�o absurda que n�o daria para a gente limitar o coment�rio a um contexto do capitalismo regional, local, em nosso pa�s, mas pensar esse capitalismo como m�quina devoradora de mundo, e seguindo ainda a parelha de pensamento do Drummond e do xam� Yanomami, o mundo mercadoria n�o sossega, assim como esse trem que passa incansavelmente levando as montanhas embora. O que me fez pensar que aquela afirma��o antiga, que se Maom� n�o vai � montanha, a montanha vai para Maom�. Talvez tenham levado nossas montanhas para outro lugar.”