
“V�” pode ser a abrevia��o que faz refer�ncia � serenidade de uma figura mais madura que sabe bem de onde veio, mas tamb�m a afirma��o de quem est� decidido a ir. O t�tulo amarra os conceitos que o rapper e produtor mineiro Abu levou para esse que � seu primeiro �lbum, disponibilizado nesta semana nas plataformas digitais.
Com sete faixas e lan�ado pela Xifuta Records, selo criado pelo pr�prio cantor, “V�” � fruto de anos dedicados �s rimas e �s experimenta��es sonoras. Guilherme Abu-Jamra, que assumiu a parte mais facilmente pronunci�vel do sobrenome como nome art�stico e apelido, conta que o envolvimento com o rap vem desde a inf�ncia, como ouvinte.
A rela��o se potencializou com o impulso do Sarau Vira Lata, projeto dedicado � poesia de rua inaugurado em Belo Horizonte em 2011. “No Sarau, eu me envolvi como produtor, ajudava a organizar, e aquilo acabou sendo uma escola e um incentivo para come�ar a escrever, colocar no papel e verbalizar para outras pessoas. Ainda que fosse um evento de poesia, vinha ali a m�trica do rap, da rima, e l� sempre teve muita gente do rap envolvida”, relata o artista, que acaba de completar 30 anos.
Inserido na grande articula��o colaborativa caracter�stica da cena do hip-hop na capital mineira, Abu come�ou a compor as pr�prias rimas e lan�ar algumas colabora��es. Nesse processo ele destaca as parcerias com os rappers e beatmakers locais, como � o cao de Cizco e Fuma�a.
MATURIDADE
Contudo, ele destaca que um disco pr�prio come�ou a nascer quando estendeu sua criatividade para a produ��o dos beats, a base mel�dica do rap. “De uns quatro anos para c�, me interessei mais em produzir os instrumentais e comecei a entender qual era a minha linguagem . Fui selecionando, construindo uma atmosfera. � um processo, at� chegar onde queria, entendendo que tinha maturidade suficiente para um trabalho com a minha linguagem no rap”, diz. A produ��o teve tamb�m forte influ�ncia de uma pesquisa acad�mica feita pelo pr�prio compositor.Mestre em antropologia social pela Universidade Federal de Santa Catarina, sua disserta��o, desenvolvida entre 2018 e 2020, abordou “m�sica, performance, e processos de globaliza��o em rela��o ao rap e � produ��o musical do MC”.
“A pesquisa tinha a ver n�o s� com a letra que as pessoas escrevem, mas com a mensagem, no sentido mais amplo de construir o universo no qual o ouvinte entra. � como se fosse um cen�rio de um filme, tem essa coisa da m�sica imag�tica. O �lbum surge quando eu chego nessa imagem que eu queria construir com os beats de um cen�rio mais simples, mais minimalista, mais org�nico”, afirma.
Nas sete m�sicas, predomina essa ambienta��o sonora suavizante a que Abu se refere. Apesar dos experimentalismos, a melodia encontra um tom mais harmonioso, que no rap vem sendo chamado de “lo-fi”. A ela se somam rimas sobre temas mais amenos.
“Tentei passar essa atmosfera calma, de forma que a voz n�o ficasse t�o � frente do instrumental, � uma coisa mais fluida, com a voz compondo, sem ser o destaque”, explica.
POSSIBILIDADES
Esse estilo � uma amostra das diversas possibilidades que o rap pode oferecer. “O rap � uma m�sica contempor�nea, v�rios de seus pioneiros est�o vivos. O Afrika Bambaataa j� veio a BH v�rias vezes, pudemos ter contato”, cita Abu.“� um processo que est� acontecendo e tem algo meio antropof�gico, pela quest�o dos samples (reutiliza��o de parte de uma grava��o de outro artista). Tem essa natureza de se fundir com outras coisas. Temos visto o rap tomar v�rias formas no Brasil e � interessante pensar nessas possibilidades.”
Ele ainda refor�a que, embora o hip-hop tenha hoje grande proje��o midi�tica, fora desses holofotes existe “muita gente experimentando e criando novas linguagens”. Diante da diversidade do cen�rio, o rapper cita os pontos que seu trabalho tem em comum com o que h� de mais marcante no amplo universo do rap. “Tem gente que faz um experimental mais acidental, mais ‘noise’. No meu caso, tem essa sensa��o mais mel�dica, que dialoga com outros g�neros musicais, como jazz, bossa nova, de forma mais harmoniosa, mais tranquila”, diz ele.
“Mas apesar de v�rias pessoas trabalharem em linhas diferentes, uma influ�ncia que rola � encontrar uma linguagem em que cada um se sinta � vontade para construir a pr�pria atmosfera”, observa.
“Eu tive muito contato com o Djonga, ele tem outra linguagem, trata de outras coisas nas m�sicas dele, mas � aut�ntico. O importante � entender a sua autenticidade, porque cada um � aut�ntico de uma forma. O estilo pode variar, mas ou � aut�ntico ou n�o �.”
DI�LOGO
“V�”, que traz essa dupla possibilidade de significados, tem nas m�sicas quest�es que permearam a mente de Abu nos �ltimos anos. “Eu at� tenho uma brincadeira com pessoas mais pr�ximas de falar sobre o ‘estilo vov�’, que � um modo de se vestir, de dan�ar, com o qual me identifico. Algo sobre ser um cara mais antigo num corpo mais novo. E dialoga com a ideia de uma figura mais serena, mas tamb�m com a afirma��o de ‘vou!”.Ele explica ainda que essa � uma met�fora sobre uma contradi��o na qual se viu em 2019. “No momento de vida que eu atravessava, em paralelo a esse momento pol�tico do Brasil. Eu pensava que era preciso respirar e pensar a respeito de onde estava indo, porque fazer as coisas sem pensar estava fazendo aflorar coisas com as quais n�o concordo. Ent�o � sobre isso: pensar sem perder o �mpeto”, esclarece.
No �lbum, Abu foi respons�vel ainda pelas produ��es instrumentais, grava��o, pr� e p�s-produ��o, finaliza��o e mixagem. Apesar de concentrar em si mesmo quase todo o trabalho, ele teve a companhia de nomes conhecidos do rap nacional em algumas faixas.
Cizco entra nos vocais de “Bandeira”, primeiro single do �lbum. “Cama de pregos”, cujas rimas falam sobre a saudade dos amigos que v�o buscar a vida em outras terras e que ganhou um clipe recentemente, tem participa��es do rapper mineiro Oreia e do m�sico Rafael Fantini. O cantor e instrumentista franc�s KriBla aparece em “Garoa fina" e o cantor Mat�ria Prima repete a parceria j� feita anteriormente na faixa-t�tulo "V�".
“V�”
• 7 faixas
• Xifuta Records
• Dispon�vel no Spotify, Deezer, Apple Music, Tidal, Amazon Music, YouTube e outras plataformas digitais