
“I don’t believe in an interventionist God/ But I know, darling, that you do” (“N�o acredito em um Deus intervencionista/ Mas eu sei, querida, que voc� acredita”), canta o australiano Nick Cave, em um dos momentos mais pungentes do primeiro epis�dio de “Onde est� meu cora��o”. A trilha sonora, elegantemente dolorida e que inclui ainda Nina Simone, Depeche Mode, Novos Baianos e Monsueto (“Mora na filosofia” como tema de abertura), � um dos trunfos da s�rie produzida pelo Globoplay. Com o primeiro dos 10 epis�dios a ser exibido nesta segunda-feira (3/5) na “Tela quente”, da Rede Globo, a s�rie estrelada por Let�cia Colin traz um tema pouco abordado na produ��o audiovisual brasileira, a depend�ncia qu�mica, em nova cria��o da dupla de roteiristas que assina algumas das s�ries nacionais mais impactantes dos �ltimos anos: George Moura e Sergio Goldenberg.
Os dois se conheceram fazendo o “Linha direta”, com dramatiza��es de hist�rias policiais, entre 1999 e 2007. Receberam pr�mios (entre eles, o Emmy internacional) por outro docudrama, “Por toda minha vida”, e trabalharam a quatro m�os nas s�ries “Amores roubados” (2014), “Onde nascem os fortes” (2018) e no remake da novela “O rebu” (2014). “� uma parceria estabelecida com base em dois princ�pios: afinidade e confian�a”, define o pernambucano Moura, radicado no Rio de Janeiro. “E a gente ficou amigo depois de descobrir essas e outras afinidades: a forma��o, os filhos...”, complementa o carioca Goldenberg, estabelecendo uma diferen�a: “George � mais expansivo, eu sou mais ‘pra dentro’...”. “Na largada, a gente fala tudo o que pensa, mesmo as ideias ruins. A interlocu��o solit�ria da escrita passa a ser verbalizada”, destaca Moura.
Na nova s�rie, que ficar� dispon�vel na �ntegra no Globoplay a partir desta ter�a (4/5), eles voltam a investir no protagonismo feminino, como ocorreu em “Onde nascem os fortes”. “A gente � fascinado pela for�a das mulheres. Quem faz fic��o tem que ouvir o outro. E o outro feminino � bem mais diversificado do que o masculino”, acredita Moura. Diferentemente dos trabalhos anteriores, comandados pelo mineiro Jos� Luiz Villamarim (agora diretor do n�cleo de dramaturgia da Globo), quem assina a dire��o art�stica desta vez � Lu�sa Lima. “Diante de um desafio t�o grande da primeira dire��o solo de uma s�rie, foi fundamental me cercar de parceiros competentes e talentosos, afinados comigo conceitualmente”, diz Lu�sa, que foi assistente de Villamarim (“A interlocu��o dele foi valiosa”). “Recebi um presente: uma hist�ria visceral, repleta de quest�es instigantes, dilemas que exp�em a vulnerabilidade e a for�a humanas. Foi muito intenso, estudei muito”, lembra a diretora, que ficou um ano envolvida com a s�rie, inteiramente gravada em S�o Paulo.
Interna��o compuls�ria

Para escrever o roteiro, Goldenberg conta que eles fizeram muitas pesquisas e leituras depois de uma cena real – a vis�o de um jovem com os olhos esbugalhados, andando a esmo na rua depois de uma balada – ter impulsionado a cria��o. “Era preciso tentar entender esse universo antes de tentar ficcionar”, afirma. Na fic��o, mesmo com di�logos que inadvertidamente evocam a pandemia (“Vai ter que intubar”, “Eu n�o vou perder essa garota”), n�o h� aproxima��o com s�ries que t�m m�dicos como protagonistas, a exemplo das norte-americanas “The good doctor”, “Grey’s anatomy” ou a brasileira “Sob press�o”. O drama, em “Onde est� meu cora��o”, n�o � hospitalar; � familiar – e � existencial. A tensa e vertiginosa sequ�ncia final do primeiro epis�dio mostra que os autores e a diretora decidiram percorrer outros caminhos. “O fato de ser um projeto para o streaming nos permitiu optar por uma narrativa mais vertical, que vai mais fundo na investiga��o do drama. Mas continua prevalecendo a ideia de comover o espectador”, diz Moura. “Afinal, n�s somos o p�blico tamb�m”, complementa Goldenberg.

“Onde est� meu cora��o”
S�rie dram�tica de George Moura e Sergio Goldenberg. Com Leticia Colin, F�bio Assun��o, Mariana Lima e Daniel de Oliveira. Dire��o art�stica de Lu�sa Lima.
Primeiro epis�dio com exibi��o nesta segunda-feira (3/5), na “Tela quente” da Rede Globo. Dez epis�dios dispon�veis no Globoplay a partir de ter�a-feira (4/5).
Pr�ximo projeto: Nelson Rodrigues
O pr�ximo projeto da dupla George Moura e Sergio Goldenberg � outra s�rie para a Globoplay, “Para�so perdido”, com 50 cap�tulos e livremente inspirada em quatro pe�as de Nelson Rodrigues: “A mulher sem pecado”. “Bonitinha, mas ordin�ria”, “Perdoa-me por me tra�res” e “Os sete gatinhos”. Os personagens dos quatro textos se misturam em uma trama �nica e contempor�nea. “� um melodrama, um folhetim com trag�dia e desejo como � marcante na obra do Nelson, que fazia um retrato da alma humana”, antecipa Moura, que tem forma��o em dramaturgia.
J� Sergio Goldenberg, que come�ou no cinema com o documentarista Eduardo Coutinho, prepara o segundo longa-metragem, “Um casal insepar�vel”. Depois do premiado “Bendito fruto” (2004), ele agora dirige uma com�dia rom�ntica com Nathalia Dill e Marcos Veras. “Gosto muito das com�dias rom�nticas, especialmente as inglesas. E � bem diferente das hist�rias que a gente tem feito na televis�o”, conta o diretor, que terminou as filmagens no Rio de Janeiro pouco antes do in�cio das restri��es determinadas pela pandemia no primeiro semestre de 2020.