(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas CINEMA

Brasil vai ao Festival de Annecy com longa sobre a ditadura militar

'Meu tio Jos�', do diretor baiano Ducca Rios, aborda a repress�o pelos olhos de um garoto cujo tio militante � assassinado


14/06/2021 04:00 - atualizado 14/06/2021 06:59

Em sua infância, o diretor Ducca Rios conviveu durante dois anos com seu tio José Sebastião de Moura, apontado como um dos sequestradores do embaixador Charles Elbrick, após sua volta do exílio
Em sua inf�ncia, o diretor Ducca Rios conviveu durante dois anos com seu tio Jos� Sebasti�o de Moura, apontado como um dos sequestradores do embaixador Charles Elbrick, ap�s sua volta do ex�lio (foto: Origem Produtora de Conte�do/Divulga��o)

Politicamente inquieta desde a sua funda��o, com o filme charge “O Kaiser” (1917), a anima��o brasileira destacou-se mundo afora com ataques ao imperialismo (“Meow”), � viol�ncia contra a mulher (“Carne”) e � homofobia (“V�nus - Fil�, a fadinha l�sbica”), mas nunca havia falado da ditadura militar de maneira t�o frontal, contundente e comovente como o faz em “Meu tio Jos�”.

Egressa da Bahia, a reconstitui��o das lutas de Jos� Sebasti�o de Moura – membro do grupo de esquerda Dissid�ncia da Guanabara, cujo nome � sempre citado entre os respons�veis pelo sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick, em 1969 – vai concorrer na se��o Contrechamp do Festival de Annecy , na Fran�a. 

Desta segunda-feira (14/06) at� s�bado (19/06), a Europa vai abrir as portas de seu maior festival de filmes animados – ali�s, o maior do mundo, a ser realizado parcialmente on-line, parcialmente presencial – para os relatos que o cineasta Ducca Rios, sobrinho de Jos�, colheu dos anos de chumbo.

O Brasil est� representado nessa mesma mostra ainda pela produ��o paulista “Bob Cuspe – N�s n�o gostamos de gente'', de Cesar Cabral. O teor combativo do filme de Ducca atraiu o astro Wagner Moura para emprestar a voz a Jos�, morto no in�cio dos anos 1980, em um crime com evid�ncias fortes de motiva��o pol�tica, at� hoje n�o solucionado.

O ator Wagner Moura empresta sua voz para o personagem do tio José
O ator Wagner Moura empresta sua voz para o personagem do tio Jos� (foto: Origem Produtora de Conte�do/Divulga��o)

SIL�NCIO

"O meu tio Jos� era uma pessoa muito calada", lembra Ducca, p�s-graduado em computa��o gr�fica pela Unifacs da Bahia e mestre em pol�ticas sociais pela Universidade Cat�lica do Salvador. "Pelo que diziam os adultos da casa, na �poca, ele ficou assim, calado, ap�s tudo o que sofreu, sobretudo no tempo em que viveu de forma clandestina e longe da fam�lia, o que deve ter tido um efeito avassalador na sua confian�a nos outros”, diz. 

“No entanto, ao chegar em nossa casa, aos poucos ele foi se aproximando de n�s – de mim e do meu irm�o Pedro – e criamos uma rela��o muito bacana. Meu tio era como um her�i para mim, mas n�o ainda porque ele havia lutado contra os ditadores. Eu primeiro o admirei como mergulhador e pescador. E, � l�gico, por causa do seu talento no desenho e na pintura. Jos� era um artista, como seu pai, Homero, meu av�... e como eu tamb�m."

Animado em 2D, contando ainda com as vozes de Lorena Comparato, Tonico Pereira, Jackson Costa, Evelin Butchegger e Bertrand Duarte, “Meu tio Jos�” � uma s�mula das saudades de Ducca. No filme, o menino que ele foi se chama Adonias e ganha a voz de Cau� Levi. 

O conflito principal se d� a partir de uma reda��o que Adonias tem de escrever na escola, no mesmo dia em que seu tio sofre o atentado, em 1983, sendo depois levado ao hospital em estado grave. Da� em diante, Adonias tem de lidar com a tristeza de sua fam�lia, com as desaven�as na escola e com a ang�stia de ter de cumprir a tarefa pedida pela professora.

Realizado com R$ 1,5 milhão, filme usa a técnica 2D
Realizado com R$ 1,5 milh�o, filme usa a t�cnica 2D (foto: Origem Produtora de Conte�do/Divulga��o)

CONV�VIO

"Tivemos dois bel�ssimos anos de alegre conv�vio entre todos. O Jos� me ensinou a nadar no mar. Com ele, meu irm�o Pedro come�ou a mostrar seus talentos no futebol e tamb�m aprendemos a fazer pipas”, diz Ducca. 

Ele conta ainda que, “em paralelo, havia um clima de esperan�a. Meus pais estavam felizes com os sinais de reabertura do pa�s para a democracia, e minha av� estava simplesmente encantada com o retorno de seu amado filho – que, ap�s o sequestro de Elbrick, ficou quase uma d�cada em ex�lio. Quando ele morreu, tudo o que era felicidade se transformou em sofrimento, e assim aprendi o que � uma ditadura militar".

Libelos contra o totalitarismo e reflex�es biogr�ficas sobre opress�es de governo v�o rechear Annecy de cabo a rabo neste 2021, incluindo o dinamarqu�s “Fuga (Flee)”, de Jonas Poher Rasmussen, que abriu o � Tudo Verdade, em abril passado, narrando a di�spora de um homossexual afeg�o.

Um dos t�tulos mais esperados do evento franc�s � “My sunny Maad”, da tcheca Michaela Pavl�tov� (que arrebatou f�s no Brasil via Anima Mundi, com curtas como “Reci, reci, reci” e “Tram”), sobre a filosofia dos talib�s e suas sequelas em pr�ticas governamentais. 

Tamb�m � esperado um explosivo teor de cr�tica do animador germano-espanhol Santiago Lopez Jover em sua com�dia “Snotty boy”, sobre liberdade de express�o numa Europa conservadora.

LIRISMO

Mas a abordagem de Ducca – pontuada por um lirismo singular e uma dire��o de arte depurada – traz uma carga tr�gica de brasilidade que a fic��o raras vezes dedicou ao que se passou no pa�s de 1964 a 1985.

"Temos uma produ��o constante sobre essa tem�tica, com filmes como ‘Pra frente, Brasil’, ‘Manh� cinzenta’ e ‘O ano em que meus pais sa�ram de f�rias’ – que � at� uma refer�ncia para a nossa anima��o – e s�ries como ‘Anos rebeldes’ e ‘Magn�fica 70’”, cita o diretor. 

“Wagner Moura, que est� em nosso filme no papel do Jos� Sebasti�o, estreou como diretor com ‘Marighella’. Mas, apesar de tudo, parece que ainda � pouco, pois parte das pessoas – ainda que pequena em rela��o ao n�mero total de brasileiros – aparenta n�o saber muito sobre a enorme crueldade que fez parte do regime que afligiu o Brasil durante tantos anos. Se realmente soubessem, n�o estariam se manifestando a favor de AI-5 e de outras ideias esdr�xulas", diz Ducca.

Estreante em longas, ele j� dirigiu s�ries de anima��o para canais como Disney Jr. e ZooMoo. Rodou seu longa com R$ 1,5 milh�o. "Como foi um filme de baix�ssimo or�amento, trabalhamos por tr�s anos em sua produ��o e escolhemos uma t�cnica que pudesse nos dar a economia."

Esse valor � o equivalente ao que se gasta em Hollywood para animar cerca de 10 segundos de um longa como “Soul”, da Pixar. Mas quem v� as solu��es gr�ficas de Ducca na tela n�o se prende em valores de produ��o (embora estejam l�, bem empregados) e, sim, em inven��o e poesia.

“‘Meu tio Jos�’ � um dos casos de capta��o de recursos locais, j� que foi aprovado em chamada p�blica de arranjos regionais, num edital realizado em parceria entre a Secretaria de Cultura da Bahia e o Fundo Setorial do Audiovisual. O curioso � que foi um edital direcionado a longas de fic��o, onde concorreram filmes em live-action e o ‘Meu tio Jos�’ era a �nica anima��o”, conta Maria Luiza Barros, produtora executiva do filme, que ser� lan�ado aqui at� o fim do ano pela distribuidora Tucum�n. 

"Destaco a vis�o da comiss�o de sele��o, que, entre v�rios filmes em live-action, teve a ousadia e vis�o de selecionar uma anima��o, o que a sele��o do filme por Annecy demonstra ter sido uma decis�o relevante. Simbolicamente, ela traz um retorno de imagem importante para a produ��o baiana."

Contando com vers�es de sucessos de Chico Buarque em sua trilha sonora (como “Roda viva”, “Constru��o”, “Deus lhe pague”, “O que ser�” e “Apesar de voc�”), “Meu tio Jos�” mostrar� uma Bahia urbana, do in�cio dos anos 1980, a Annecy. 

"A anima��o, de forma geral, cresceu muito no Brasil ao longo dos �ltimos 15 anos, na esteira da bem-sucedida pol�tica constru�da no per�odo em que t�nhamos um Minist�rio da Cultura comandado por Gilberto Gil e, em seguida, Juca Ferreira", diz Ducca.

"A Bahia tamb�m apresenta resultados muito positivos em n�mero de est�dios, de filmes e de s�ries realizados na linguagem da anima��o, o que � resultado de uma a��o muito importante do governo baiano. A anima��o na Bahia existe desde a d�cada de 1970, com pioneiros como Jorge Nascimento e Chico Liberato. Chico produziu o quarto longa-metragem em anima��o realizado no Brasil, ‘Boi Aru�’. Existem tamb�m outros exemplos de sucesso, como o filme em stop motion ‘�run �iy�’, que rodou o mundo em festivais, e uma produ��o intensa de s�ries oriundas de diversos est�dios baianos e de artistas como Ca� Cruz Alves, que tem uma est�tica bastante despojada e muito interessante."

No Festival de Annecy, “Meu tio Jos�” ser� exibido nesta segunda (14/06), ter�a (15/06) e quarta (16/06). (Ag�ncia Estado) 


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)