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Estado de Minas M�SICA

Fundos de investimento cobi�am a obra de grandes nomes da MPB

Tend�ncia internacional chega ao Brasil, com negocia��es para a compra de cat�logo de artistas como Roberto Carlos e Caetano Veloso


15/06/2021 04:00 - atualizado 15/06/2021 07:24

A obra de Roberto Carlos é um dos alvos dos fundos de investimento, que oferecem aos artistas o pagamento antecipado do valor de uma projeção do que eles ganhariam com seus direitos autorais num tempo determinado fixado em contrato(foto: Vander Almeida/AFP)
A obra de Roberto Carlos � um dos alvos dos fundos de investimento, que oferecem aos artistas o pagamento antecipado do valor de uma proje��o do que eles ganhariam com seus direitos autorais num tempo determinado fixado em contrato (foto: Vander Almeida/AFP)

"Sim, j� fui procurado pela ind�stria fonogr�fica e por fundos de investimentos, destacando tr�s que est�o na lideran�a mundial desse processo. Assumo que estou conversando, mas nenhum compromisso com ningu�m, apesar das sinaliza��es de valores bastante atraentes"

Dodi Sirena, empres�rio de Roberto Carlos


Autores, herdeiros e empres�rios dos maiores compositores brasileiros est�o sendo procurados por investidores e fundos de investimentos interessados em adquirir suas obras ou parte delas. No mundo, o movimento n�o � novo e obedece � mesma l�gica que fez um dia Michael Jackson levar os direitos dos Beatles. Mas, no Brasil, a pr�tica em escala superdimensionada � in�dita e ainda assusta a classe musical.

Os fundos de investimentos especializados em cat�logos musicais j� operam no Brasil. Depois de experi�ncias internacionais recentes e milion�rias de aquisi��o de toda a obra de um artista ou parte dela feita por investidores e mesmo gravadoras, uma onda que fez Bob Dylan vender o controle de suas mais de 600 can��es para a Universal Music Group por um valor estimado em US$ 300 milh�es e Neil Young vender metade dos direitos de cerca de 1.180 can��es para o gigante Hipgnosis Songs Fund por uma quantia n�o divulgada, mas avaliada em muitos milh�es, artistas brasileiros est�o sendo procurados por uma gente que quer comprar seus cat�logos a pre�o de ouro.

Praticamente todos os grandes compositores ou seus agentes j� foram procurados. Roberto Carlos, Gil, Caetano, Rita Lee, Tom Jobim e Djavan est�o entre os mais cobi�ados. As cifras e os status das negocia��es correm com contratos de confidencialidade, mas a reportagem falou com artistas, empres�rios e investidores que confirmam o in�cio das conversas e o teor das propostas. A l�gica � simples: o fundo aborda o artista que possui um cat�logo com potencial atraente para investidores.

As canções de Rita Lee e Roberto de Carvalho são consideradas como um valioso
As can��es de Rita Lee e Roberto de Carvalho s�o consideradas como um valioso "ativo" pelos fundos de investimento (foto: Roberto de Carvalho/Divulga��o)

"Eu vejo como uma viabilidade, sim (a venda do cat�logo). Business � business. Mas estou tirando algumas conclus�es e observando as propostas"

Roberto de Carvalho, compositor e instrumentista


STREAMING 

Al�m da for�a econ�mica que as obras representam, um estudo de mercado aponta que os valores em direitos autorais no pa�s gerados por execu��es de m�sica em streaming, estimados hoje em R$ 2 bilh�es, ser�o o dobro em 2025. Ou seja, se uma obra � financeiramente atraente hoje, ela ser�, ao menos no mundo digital, duplamente rent�vel em apenas tr�s anos.

Sentados � mesa com os representantes dos compositores, os agentes fazem a proposta. Eles estudam os ganhos dos artistas por um per�odo espec�fico baseados em planilhas de execu��es em streaming, por exemplo, chegam a uma estimativa do que cada um ganharia pelos pr�ximos 10 anos – esse prazo pode variar em cada negocia��o – e se comprometem a pagar tal montante no ato. Ou seja: o artista ganha agora o que, segundo os c�lculos apresentados pelos empres�rios, s� receberia em uma d�cada.

Sem poder fazer shows, sensibilizados pela sensa��o de finitude que a pandemia refor�a todos os dias ou dispostos a resolver quest�es de partilha aos herdeiros, autores tendem a ver as propostas como uma esp�cie de �ltima grande chance para conseguir uma bolada em dinheiro vivo, o que o mercado chama de liquidez, proveniente de uma obra que o mesmo mercado passar� a chamar de ativo.

Uma vez que passa a ser administrada pelo fundo, inteira ou parcialmente, e a ter seus ganhos repartidos com os investidores, a obra, segundo alguns acordos aos quais a reportagem teve acesso, passa a ser trabalhada para ter lucros potencializados.

SINCRONIZA��O 
O hitmaker Lulu Santos tem simpatia pela ideia da venda de catálogos por artistas (foto: Leo Aversa/Divulgação )
O hitmaker Lulu Santos tem simpatia pela ideia da venda de cat�logos por artistas (foto: Leo Aversa/Divulga��o )

"Bob Dylan vendeu tudo. Acho que chega um momento em que a m�sica cumpre sua miss�o. O capitalismo sabe disso, vivemos disso. N�o deixa de ser uma forma de valorizar o que fizemos na vida"

Lulu Santos, cantor e compositor�


� onde pode entrar com mais agressividade a pr�tica do sync licensing, a licen�a de sincroniza��o, um acordo entre um usu�rio de m�sica e o compositor que concede permiss�o mediante pagamentos para a obra ser lan�ada em v�deo para plataformas como YouTube; a aplica��o de um marketing digital mais pesado para que as m�sicas ganhem posi��es de destaque em empresas como Deezer e Spotify, e o controle financeiramente mais exigente sobre regrava��es, remixes e libera��es.

A reportagem identificou um dos fundos de investimentos que opera desde o final de 2020 com muita discri��o. Ele se chama Arbor Adaggio e se apresenta como "o primeiro fundo de investimento brasileiro dedicado a royalties musicais". Um de seus mentores � o m�sico, engenheiro de �udio e DJ Jo�o Luccas Caracas, de 33 anos. "Nosso prop�sito maior � ajudar os m�sicos", ele diz.

"Por ser produtor e artista, entendo que existe um valor intang�vel da obra, que � preciso trat�-la com respeito." A seu lado est�o experts como Edison Coelho, no marketing; Eduardo Senna, advogado refer�ncia em direitos autorais; e Edu Vasconcellos, ex-Sony ATV, que cuidar� da administra��o dos cat�logos.

Sem dar nomes, Jo�o confirma que negocia com grandes artistas. Em apenas uma reuni�o, segundo uma fonte, estiveram com agentes da Adaggio representantes das obras de Caetano Veloso, Djavan e Tom Jobim. Um encontro que, para um dos participantes, deixou muitas perguntas no ar. "Baseados em quais n�meros eles podem saber de nossos ganhos para pensar em uma proposta? Os rendimentos n�o s�o apenas provenientes das plataformas digitais."

RAPOSAS

 Dois fatores complicam a vida dos negociadores que abordam os artistas da MPB cl�ssica: 1) Ao contr�rio de mercados mais s�lidos onde imperam legisla��es firmes, o Brasil tem um longo hist�rico de explora��o e falta de transpar�ncia por parte de gravadoras e entidades de repasses de direitos autorais. Ou seja, depois de lutarem para recuperar o controle de suas obras, os artistas olham para investidores como se eles fossem as pr�ximas raposas; 2) Depois de apanhar muito, e de perder milh�es, um autor brasileiro com mais de 40 anos de carreira sabe tudo. N�o se trata mais do jovem sonhador que n�o lia os contratos que assinava. Negociar com ele, senhores, � jogo duro.

E qualquer deslize pode colocar tudo a perder. H� poucos meses, a fotomontagem de uma apresenta��o para o mercado feita pela Arbor Adaggio vazou e foi parar nas m�os de um grupo de artistas. A imagem criada para uso restrito colocada na abertura de um Power Point, e que obviamente daria for�a � ideia do neg�cio, mostrava 16 grandes nomes com ativos dignos de despertar investimentos.

Faces como as de Tom Jobim, Djavan, Gil, Roberto, Erasmo, Chico Buarque, Rita Lee e Caetano apareciam sobre a frase "m�sica � a alma da cultura, e vale ouro". "Isso era uma capa de apresenta��o interna que vazou com m�-f�. N�s nos retratamos com as partes e elas entenderam", diz Jo�o Luccas. O representante de um dos artistas afirmou que cestas b�sicas para fins de caridade foram cedidas pela empresa como retrata��o.

As negocia��es est�o aquecidas. O empres�rio de Roberto Carlos, Dodi Sirena, confirma que foi procurado por interessados no cat�logo do Rei, dono de um dos maiores ativos da Am�rica Latina. "Sim, j� fui procurado pela ind�stria fonogr�fica e por fundos de investimentos, destacando tr�s que est�o na lideran�a mundial desse processo. H� mais de um ano venho recebendo essa procura e assumo que estou conversando, mas nenhum compromisso com ningu�m, apesar das sinaliza��es de valores bastante atraentes."

Segundo Dodi, Roberto faz quest�o de manter controle absoluto do uso de sua obra e tem demonstrado cautela em vender mesmo parte de seu patrim�nio autoral para terceiros. Ainda assim, as cartas est�o na mesa: "Admito que estou conversando com os players", diz Dodi.

BUSINESS 

O compositor Roberto de Carvalho, autor e coautor de uma das mais extensas e cobi�adas "cole��es de ativos" do pa�s, ao lado de Rita Lee, diz que est� em conversas simult�neas com tr�s fundos de investimentos diferentes e duas gravadoras. N�o h� nada fechado, mas ele estuda com prazer e curiosidade os avan�os de neg�cios no exterior antes de tomar a decis�o.

"Eu vejo como uma viabilidade, sim (a venda do cat�logo). Business � business. Mas estou tirando algumas conclus�es e observando as propostas." E uma das conclus�es � que pode haver vantagens t�cnicas trazidas pela sanha dos jovens investidores sobre a cadeia musical.

A administra��o muitas vezes deficiente das obras feita por suas respectivas editoras, as empresas respons�veis pelo controle, libera��es e arrecada��o de verbas provenientes de regrava��es, joga a favor dos fundos. Eles prometem trabalhar os artistas quase com exclusividade, dando uma aten��o que as editoras n�o dispensam a eles por falta de bra�os ou de interesse. Se nas editoras um �nico gerente cuida da obra de at� 60 artistas, os fundos prometem ter um editor para cada grupo de quatro autores.

A empres�ria Paula Lavigne conversou com um dos fundos interessados em adquirir a obra de Caetano. Mas, antes mesmo de ouvir a proposta financeira, ela sentiu que precisava de argumentos mais s�lidos para seguir com a negocia��o.

Sua fala sobre um ponto da discuss�o serve de dica aos pr�ximos agentes de fundos que se sentarem com artistas dispostos a convenc�-los com um bom argumento: "Espero que todos esses fundos que est�o investindo se unam a n�s para lutar pelo pagamento de direitos como os conexos (direitos autorais que deveriam ser pagos aos instrumentistas que tocam nas faixas). Ele n�o � pago no mundo digital e isso � um absurdo. Se querem investir dinheiro, tor�o para que entrem na luta para reivindicar os direitos da gente com a gente".

O hitmaker Lulu Santos fala com simpatia da ideia da venda de cat�logo. "Bob Dylan vendeu tudo. Acho que chega um momento em que a m�sica cumpre sua miss�o. O capitalismo sabe disso, vivemos disso. N�o deixa de ser uma forma de valorizar o que fizemos na vida." 

At� aqui, um entendimento pode ser reconfortante mesmo aos milh�es de f�s que nunca imaginaram ver seu esp�lio afetivo – sim, s�o eles os donos das can��es imortais por usucapi�o emocional – sendo negociado com investidores que n�o entram no jogo para perder: a onda dos lobos de Wall Street em busca da melhor m�sica brasileira � prova de que, mesmo depois de milhares de fen�menos de m�dia produzidos ao longo da hist�ria, s� t�m peso de ouro aqueles que, de fato, produziram ouro.  


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