
Seu sil�ncio sobre temas relacionados � pol�tica nacional j� foi t�o criticado a ponto de virar meme nos �ltimos anos. Por�m, na �ltima semana, Anitta fez barulho nos notici�rios ao subir o tom contra o presidente Jair Bolsonaro: “500 mil mortes... � sobre FORA BOLSONARO sim! A favor da democracia, da economia, da sa�de, da educa��o, do senso COLETIVO”, escreveu ela no Twitter, na segunda-feira (21/06).
A publica��o enf�tica da cantora carioca contrasta com a modera��o de outras celebridades. Na verdade, pode at� ter sido uma resposta. No mesmo dia, Ivete Sangalo havia feito um post no Instagram para lamentar a marca de 500 mil mortes pela COVID-19 no Brasil. A baiana escreveu: “N�o � natural. N�o � uma mentira. � estarrecedor pensar sobre as milhares de vidas ceifadas e dores irrepar�veis em torno dessas perdas. N�o � sobre partidos, � sobre humanidade”.
A escolha de palavras com o cuidado de n�o responsabilizar diretamente o governo fez Ivete ser duramente criticada nas redes sociais. Anitta, por outro lado, foi alvo de ataques raivosos vindos de defensores do presidente. Casos diferentes, mas ligados � nova fase do relacionamento das celebridades com o p�blico, na qual o posicionamento sobre pol�tica e temas sociais ganha contornos dos quais � dif�cil escapar.
Em outros tempos, evitar assuntos espinhosos era o caminho para figuras p�blicas n�o comprometerem a pr�pria imagem. Atualmente, isentar-se pode ter consequ�ncias piores que escolher um lado. De acordo com levantamento da consultoria Quaest, especializada nesse tipo de m�trica, o �ndice de Popularidade Digital (IPD) de Ivete caiu de 52,1 para 39,5, cerca de 24%, no dia 21, ap�s o post afirmar que as 500 mil mortes “n�o eram sobre partidos”. A informa��o foi publicada pela colunista M�nica Bergamo, do jornal Folha de S. Paulo.

N�o por acaso, Ivete se reposicionou. “Entendo o qu�o necess�rio � nesse momento n�o estabelecer d�vidas sobre o que acredito. Esse governo que a� est� n�o me representa, nem mesmo antes da ideia dele existir”, escreveu no Instagram. E foi aclamada por outras celebridades. “Obrigada, mainha!!!! Voc� � t�o importante se posicionando”, comentou a atriz Samara Felippo. Os cantores F�bio Jr e Rog�rio Flausino tamb�m apoiaram o novo discurso de Ivete, assim como a escritora e apresentadora Thalita Rebou�as. De acordo com a Quaest, ap�s a nova postagem, o IDP da cantora cresceu 51%, passando de 39,5 para 59,6. N�mero superior aos 52,1 que ela tinha antes da mensagem “isentona”.
No caso de Anitta, a estrat�gia foi demarcar ainda mais seu posicionamento ap�s os ataques. No mesmo dia, ela voltou ao Twitter e rasgou o verbo, sem pudores, ironizando com palavras de baixo cal�o os internautas tachados de “f�-clube do presidente”.
CONTRAOFENSIVA
As repres�lias sofridas por quem resolve externar sua indigna��o com o governo federal s�o fortes. O cantor Samuel Rosa publicou fotos participando da manifesta��o contra Bolsonaro, realizada no �ltimo s�bado. Na postagem no Instagram, foi hostilizado por internautas favor�veis ao presidente.
Na semana anterior, Tico Santa Cruz, vocalista da banda Detonautas, um dos artistas mais engajados nas redes sociais h� alguns anos e cr�tico ferrenho do governo Bolsonaro, revelou no Twitter que sua fam�lia vem sofrendo amea�as de morte recorrentes.

Ainda assim, h� quem exponha a necessidade de deixar claro de que lado est�. Na quarta-feira (23/06), o cantor Djavan fez duas postagens no Instagram, esclarecendo que n�o apoia e nem votou em Bolsonaro. “Em 2018, tentaram me associar a esse governo por eu ter dito em entrevista que tinha esperan�a no futuro do Brasil. Depois de dizer algumas vezes que aquilo era mentira, eu percebi que de nada adiantaria: o desmentido na internet tem efeito contr�rio, coloca a mentira em evid�ncia.” Djavan classificou o governo Bolsonaro como “err�tico, que tem atuado na contram�o da ci�ncia e, sempre que pode, demonstra seu desprezo pela democracia”.
Posi��o se liga ao 'eu como marca', diz pesquisadora
Ivete, Anitta e muitas outras celebridades podem estar inseridas na mesma estrutura que vem reconfigurando o papel das celebridades nos debates p�blicos. Fernanda Medeiros, pesquisadora no campo dos estudos de celebridades, professora da PUC Minas e integrante do Grupo de Pesquisa em Imagem e Sociabilidade da UFMG (Gris), destaca que a necessidade de se posicionar � tend�ncia n�o s� das personalidades, mas do marketing em geral.
“� interessante repararmos que o (Philip) Kotler vem falando h� um tempo que, no marketing digital, as marcas t�m de ter mente, cora��o e esp�rito. N�o � coincid�ncia as celebridades nesse mesmo caminho. Antigamente, as marcas evitavam completamente se posicionar ideologicamente. Celebridades faziam o mesmo. Era algo que podia fechar as portas com rela��o � publicidade. Hoje, � imposs�vel dissociar o eu como marca”, argumenta a pesquisadora.
Caldeir�o
Medeiros alerta que, nessa perspectiva, “o mais prejudicial pode ser n�o se posicionar”. Ela lembra que, “al�m do caldeir�o que � o Brasil, h� uma tend�ncia global de posicionamentos como premissa do marketing”. A pesquisadora cita a pr�pria Anitta como exemplo dessa configura��o complexa.
Na semana em que se manifestou contra Bolsonaro, Anitta anunciou sua entrada no Conselho de Administra��o do Nubank – o que n�o parece ser casual.
Em outubro, a startup enfrentou crise de imagem depois de a cofundadora Cristina Junqueira fazer declara��o racista no programa “Roda viva”.
Em maio de 2020, Anitta revelou que havia come�ado a estudar pol�tica (alegava n�o entender nada antes) em aulas particulares com a advogada Gabriela Prioli, ex-comentarista da CNN. A pesquisadora do Gris lembra que muitos artistas e personalidades sempre fizeram quest�o de se posicionar, mesmo em outras �pocas, como o cantor, compositor e escritor Chico Buarque. Ela tamb�m pondera que essas manifesta��es seriam dirigidas para refor�ar a pr�pria autenticidade, sem maiores preocupa��es em ganhar ou perder algo.
Contudo, pontua que h� muita coisa em jogo no cen�rio de intera��es midi�ticas reconfiguradas. “Nos nossos estudos, trabalhamos com a tr�ade identifica��o, proje��o e transfer�ncia. S�o pontos presentes na rela��o entre an�nimos e figuras p�blicas. Os processos recentes de transforma��o da m�dia v�o interferindo nessa rela��o, especialmente nos lugares de proje��o e transfer�ncia”, argumenta Medeiros, que enfatiza como as novas intera��es se estruturam.
“S�o mais pontos de contato entre an�nimos e figuras p�blicas, mas sob uma media��o algor�tmica. Essa polariza��o que temos desde 2013 � ben�fica para o algoritmo, que � bin�rio, criado a partir do 0 e 1, a ou b. Quando a Anitta fala 'do gado', ela mobiliza muita gente, a favor e contra, e o algoritmo adora. � muita coisa envolvida, um conjunto de fatores que contribuem para tudo parecer t�o explosivo”, explica.
Apesar da mudan�a de comportamento das celebridades, Fernanda Medeiros lembra que o p�blico tamb�m tem papel de grande import�ncia nessa reconfigura��o.
“Tudo tem a ver com o consumidor, esse p�blico que tem novos h�bitos e � mais exigente. Ele n�o faz isso s� com rela��o �s marcas, mas com tudo, inclusive as celebridades e tamb�m entre os pares. Por isso vemos muita gente brigando. Somos afetados hoje pelos posicionamentos uns dos outros”, conclui a especialista.