Sara Rojo comemora 40 anos de dedica��o ao palco e � academia
Professora e diretora chilena, que criou os grupos Mayombe e Mulheres M�ticas, experimenta o videoteatro com a pe�a 'Hilda Penha' e faz live nesta quarta (4/8)
Marina Viana em "Hilda Penha", a experimenta��o em videoteatro dirigida por Sara Rojo
que estreou em julho (foto: Alexandre Hugo/Divulga��o)
Motivos n�o faltam a Sara Rojo para celebrar suas quatro d�cadas de carreira dedicada �s artes c�nicas e � pesquisa acad�mica. Radicada em Belo Horizonte h� 28 anos, a diretora e professora nascida no Chile criou na capital mineira dois grupos de teatro – o Mayombe, em 1995, e o Mulheres M�ticas, em 2014 –, com os quais levou ao palco diversas montagens de sucesso.
Autora de livros, artigos e cap�tulos publicados sobre teatro latino-americano, literatura e cinema, a professora titular aposentada da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), de 65 anos, desenvolveu, paralelamente, s�lida trajet�ria acad�mica focada, sobretudo, na pluralidade cultural da Am�rica Latina.
Revela��o
Com o Mulheres M�ticas, Sara compartilha, neste momento, o projeto “Hilda Penha”, que marca as comemora��es de seu percurso. O projeto – que a diretora classifica como videoteatro – transp�e para o formato audiovisual o premiado texto de Isidora Stevenson, revela��o da dramaturgia chilena.
Primeira grande incurs�o do Mulheres M�ticas nesse ambiente h�brido, “Hilda Penha” traz como atriz convidada Marina Viana, com quem Sara desenvolveu longa parceria no Grupo Mayombe.
Depois de estrear em 22 de julho, o trabalho teve desdobramentos. Na semana passada, Sara participou do sarau liter�rio “Pulsa cora��o latino”, promovido pelo Sesc Palladium, apresentando-se com a atriz Cynthia Paulino e o instrumentista Rei Batuque. Nesta quarta-feira (4/08), a diretora, Marina Viana e J�ssica Ribas, integrante do Mulheres M�ticas, fazem live com Isidora Stevenson. O bate-papo ser� transmitido �s 20h, gratuitamente, nos perfis do Sesc Palladium e do grupo Mulheres M�ticas.
(foto: Mulheres M�ticas/divulga��o)
"Gravamos o mon�logo ('Hilda Penha') em uma pra�a na periferia de BH. � diferente de teatro filmado e n�o � cinema, porque partimos da estrutura e de algumas particularidades que s�o essencialmente do teatro"
Sara Rojo, diretora
Outra atividade, marcada para o fim deste m�s, � a oficina “Teatro e v�deo: o hibridismo de linguagens como caminho”, em que integrantes do grupo Mulheres M�ticas – Felipe Cordeiro (assistente de dire��o), Sara Fagundes (dire��o de arte) e Alexandre Hugo (dire��o de fotografia e montagem) – abordar�o os processos que resultaram no projeto “Hilda Penha”. As inscri��es j� podem ser feitas no site www.sescmg.com.br/sescpalladium.
Sara Rojo afirma que “Hilda Penha” se constitui num arco que condensa suas realiza��es no teatro desde que chegou a Belo Horizonte. “� um projeto do Mulheres M�ticas, grupo jovem, mas com for�a e energia muito grandes, que estabelece uma ponte, porque a protagonista � Marina Viana, atriz convidada com quem mantive longa parceria no Mayombe”, salienta.
“Trata-se de juntar for�as neste momento t�o dif�cil. E com um tema que tem a ver com as mulheres: a perda – no caso, a perda de um filho, drama vivido pela protagonista – e o n�o aceitar o luto. Tudo isso dentro de um contexto social e hist�rico”, explica.
O motor do projeto foi a concretiza��o de uma obra criada por mulheres, executada por mulheres e que problematiza a condi��o feminina, segundo ela, com o sentido e a for�a do atual momento hist�rico.
Emo��o
“J� conhecia a obra da Isidora e, procurando alguns textos para trabalhar um mon�logo, pensei em fazer isso com foco nas mulheres. Fiquei muito emocionada com a leitura de 'Hilda Penha'”, conta Sara. O projeto de teatrov�deo tem o suporte do edital Descentra, da Prefeitura de Belo Horizonte.
“Gravamos o mon�logo em uma pra�a na periferia de BH. � diferente de teatro filmado e n�o � cinema, porque partimos da estrutura e de algumas particularidades que s�o essencialmente do teatro”, explica Sara.
A live sobre “Hilda Penha”, nesta quarta-feira, vai abordar o projeto em um sentido mais amplo. “Vamos conversar sobre o que a pe�a representa neste momento, al�m da t�cnica que adotamos para fazer esse videoteatro, do sentido que a cultura tem neste momento, do porqu� de a senhora Stevenson ter escrito a obra e da concep��o da Marina Viana em torno dela”, diz.
Outros eventos completam o pacote de comemora��es pelos 40 anos de carreira de Sara Rojo. O grupo Mulheres M�ticas est� ensaiando outra pe�a “A mulher porca”, do dramaturgo e cineasta argentino Santiago Loza, com previs�o de estreia para outubro.
H� cerca de um m�s, foi lan�ado, pela editora Javali, o livro “Mulheres M�ticas em performance”, que re�ne os dois �ltimos textos que o grupo levou ao palco – “O deszerto” e “Classe” –, al�m de artigos assinados por seus integrantes (Felipe Cordeiro, Gabriela Figueiredo, J�ssica Ribas, Lu�sa Lagoeiro e Sara Rojo) e por colaboradores.
Guerrilha chilena
Al�m de trazer o relato delirante da mulher que n�o suporta a perda do filho, “Hilda Penha” tra�a rela��es entre a perda individual e o trauma social, atravessando temas como f�, viol�ncia policial e a transi��o entre regimes pol�ticos. O texto de Isidora Stevenson retoma um fato real: o tiroteio entre policiais e guerrilheiros do Movimiento Juvenil Lautaro ap�s um assalto ao Banco O’Higgins, na capital chilena, em 1990. Neste momento em que tens�es pol�ticas voltam a ganhar for�a na Am�rica Latina, o epis�dio e suas consequ�ncias seguem convocando reflex�es sobre a viol�ncia e a justi�a.
Diante do Penhasco: a dor e o del�rio de 'Hilda Penha'
Live com Isidora Stevenson, Sara Rojo e Marina Viana. Nesta quarta-feira (4/08), �s 20h, pelo Instagram do Sesc Palladium (@sesc.palladium).
BH: divisor e �guas para Sara
Lan�ando um olhar retrospectivo sobre a pr�pria carreira, Sara Rojo delimita suas maiores realiza��es em dois per�odos – antes e depois de vir morar em Belo Horizonte.
“No Chile, poder dirigir grupos de teatro camponeses durante o per�odo da ditadura militar foi uma experi�ncia absolutamente fant�stica. No campo acad�mico, defendi uma tese que me abriu as portas, inclusive para ser professora aqui. J� em Minas Gerais, motivo de grande orgulho foi ter dirigido o Grupo Mayombe, especificamente em dois textos hist�ricos, ‘A pequenina Am�rica e sua v� $ifrada de escr�pulos’ e ‘A mulher que andava em c�rculos’, com Marina Viana”, afirma.
Ela destaca a cria��o do grupo Mulheres M�ticas, chamando a aten��o para o mais recente espet�culo da trupe, “Classe”, do dramaturgo chileno Guillermo Calder�n, levado a p�blico pouco antes da chegada da pandemia.
O texto trabalha o conflito entre professor e aluno – embate que se d� na rua e dentro da sala de aula, influenciado pela idade e faixa et�ria de ambos, mas tamb�m por interesses e expectativas em rela��o ao mundo.
Luta
Um elemento propulsor do fazer art�stico de Sara Rojo � a possibilidade do trabalho em grupo. “Isso vale para o Mayombe e para o Mulheres M�ticas, tem a ver com a ideia do coletivo que leva adiante um projeto, o que acho absolutamente fant�stico. � um grupo de pessoas que lutam muito para conseguir alguma coisa e remam na mesma dire��o. Nem sempre vamos conseguir tudo o que queremos, mas tentamos”, ressalta.
Os dois grupos de teatro surgiram da UFMG, reunindo alunos que se tornaram artistas importantes para Belo Horizonte. “Uma coisa que uniu meu percurso acad�mico com o percurso art�stico foi fazer parte da comiss�o criadora do curso de artes c�nicas da UFMG. Foi algo absolutamente lindo na minha trajet�ria, porque deu um sentido geral a tudo. Esse curso, hoje, � reconhecido no pa�s inteiro”, orgulha-se a diretora.
Grupo Mayombe em "A pequenina Am�rica e sua v� $ifrada de escr�pulos",
orgulho da diretora Sara Rojo encenado em BH (foto: Tomas Arthuzi/divulga��o
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Feminista e porta-voz da Am�rica Latina
A protagonista de “Hilda Penha”, Marina Viana, e a dramaturga Isidora Stevenson destacam a import�ncia do trabalho desempenhado pela diretora chilena.
Sara Rojo costuma dizer que trabalha com Marina “desde que ela nasceu”. A afirmativa, obviamente, n�o � literal – diz respeito ao desabrochar da atriz para o universo do teatro –, mas d� a dimens�o da sintonia entre as duas nos �ltimos 20 anos.
Hist�ria
Marina conheceu Sara em 2001, teve aulas com ela na Faculdade de Letras entre 2002 e 2003 e, logo em seguida, foi convidada a integrar o Grupo Mayombe. “Desde o momento em que comecei a trabalhar com a Sara, ela influenciou minhas escolhas como artista. Fiz artes c�nicas e fiz hist�ria, e minha rela��o com ela me faz voltar o olhar para a Am�rica Latina, o que passa a fazer parte do meu trabalho”, conta a atriz mineira.
“Al�m disso, comecei a escrever no Mayombe. Entrei como atriz, mas desde o come�o a gente sempre trabalhou muito com a cria��o coletiva, ent�o desde a primeira montagem escrevo alguma coisa para levar � cena. Tem essa influ�ncia dela no sentido da dramaturgia”, aponta.
Marina afirma que Sara Rojo exerce grande influ�ncia sobre toda uma gera��o do teatro feito em Belo Horizonte. Os ecos desse trabalho est�o presentes no Quatroloscinco e na Cia. Primeira Campainha, al�m de trabalhos de atrizes como Idylla Silmarovi.
“Uma coisa marcante dela que se reflete em mim � o fato de eu, hoje, me entender como mulher de teatro com pensamento feminista e latino-americano. Esse olhar para o feminismo vem dela, come�a com ela”, diz, enfatizando que, independentemente de modismos ou tend�ncias, o teatro de Sara Rojo sempre foi assumidamente pol�tico.
“Nos anos 2000, o teatro pol�tico era tido como antiquado, e a gente foi achando outros caminhos para abordar essa tem�tica. Vi a possibilidade de trabalhar com um teatro pol�tico que n�o era o mesmo que se fazia d�cadas atr�s, pois havia outros pensamentos, outras coisas acontecendo. O pensamento mais cr�tico sempre foi marcante no Mayombe”, comenta Marina.
Isidora Stevenson revela que h� muitos anos acompanha, com admira��o e respeito, o trabalho da diretora. “Me pareceu um sonho quando ela me contatou para dizer que estava pensando em traduzir 'Hilda Pe�a'. Quando quis encenar o texto, ent�o, nem pude acreditar. Sara � uma refer�ncia teatral e feminista muito importante”, ressalta.
Sonho
A dramaturga ficou impressionada com a adapta��o de sua obra para o formato videoteatro proposta pelo grupo Mulheres M�ticas.
“Um grande trabalho: atua��o, concep��o est�tica, c�mera, sonoplastia e dire��o. Estou muito agradecida por terem escolhido ‘Hilda’”, comenta. “A linguagem teatral � t�o distinta da cinematogr�fica que vi coisas na obra como se nunca a tivesse visto. � impressionante a dimens�o universal da obra, dei-me conta de que ela funciona em outras culturas, outros idiomas, outras paisagens”, aponta Isidora.