
"� uma juventude n�o apenas enclausurada na pandemia, mas em muitas normas. Ficar em casa � apenas mais uma delas. A gente vive um momento de extremo autoritarismo, que faz um tipo de controle social pela for�a. Eu acho que essa juventude se movimenta no sentido de justamente poder redefinir o modo como a gente faz a vida, se relaciona"
Pedro Kosovski, codiretor de "Haver� festa com o que restar"
Uma festa decadente que simboliza o fim do mundo � o mote do espet�culo de formatura dos alunos do curso t�cnico de teatro do Centro de Forma��o Art�stica e Tecnol�gica (Cefart) da Funda��o Cl�vis Salgado, que completa 35 anos neste 2021. As perspectivas sobre os corpos LGBT e o atual contexto pol�tico brasileiro inspiraram “Haver� festa com o que restar”, que retrata uma juventude com puls�o pela vida, apesar de lidar com um ambiente hostil.
A montagem � a segunda que ocupa o palco do Grande Teatro Cemig desde a reabertura do Pal�cio das Artes, no contexto de flexibiliza��o das medidas preventivas � dissemina��o da COVID-19. “Incomoda, incomoda, incomoda”, espet�culo de formatura de outra turma de teatro do Cefart, fez sua estreia no �ltimo dia 6.
Com exibi��es entre esta quinta-feira (19/08) e domingo (22/08), “Haver� festa com o que restar” ter� transmiss�o gratuita pelo canal do YouTube da FCS, sempre �s 20h, e n�o contar� com a presen�a do p�blico.
“Isso � o resultado n�o s� de um ano e meio de pandemia, mas de tr�s anos de estudo. Quando a gente v� essa entrega, � motivo de muita satisfa��o para toda a institui��o. Ela � resultado de um trabalho que deu continuidade ali nos bastidores, que n�o foi interrompido, isso � o mais importante”, diz Marta Guerra, diretora do Cefart. “Deixar a escola � deriva nunca foi uma op��o”, afirma.
Como parte da proposta pedag�gica do Cefart, os artistas David Maurity, Pedro Kosovski e Rafael Bacelar foram convidados para dirigir “Haver� festa com o que restar” – t�tulo inspirado no livro hom�nimo do poeta curitibano Francisco Mallmann, engajado nas quest�es LGBTQIA+. Em conjunto com os alunos, eles delimitaram o mote da pe�a, que atravessa as viv�ncias dessa juventude enclausurada n�o apenas pela pandemia da COVID-19.
Durante o processo de cria��o, os estudantes tiveram a oportunidade de conversar sobre o fazer teatral com nomes relevantes do cen�rio art�stico brasileiro, como M�rcio Abreu (diretor e dramaturgo da Companhia Brasileira de Teatro), Ana Kfouri (diretora e atriz), Eleonora Fabi�o (performer e professora) e Patrick Pessoa (cr�tico de teatro).
"Nem nos meus piores sonhos eu imaginava que iria enfrentar isso (as restri��es da pandemia). Hoje, quando vejo todas as entregas do Cefart (n�o s� dos alunos de teatro), nem nos meus maiores sonhos eu imaginava que iria dar conta. � um copo meio cheio, meio vazio"
Marta Guerra, diretora do Cefart
HIST�RIA
"Nem nos meus piores sonhos eu imaginava que iria enfrentar isso (as restri��es da pandemia). Hoje, quando vejo todas as entregas do Cefart (n�o s� dos alunos de teatro), nem nos meus maiores sonhos eu imaginava que iria dar conta. � um copo meio cheio, meio vazio"
Marta Guerra, diretora do Cefart
O dramaturgo, diretor teatral e professor da PUC-RJ Pedro Kosovski comenta que o convite do Cefart “� o reflexo de uma hist�ria”. Em 2017, ele participou do movimento dos alunos da Funda��o Cl�vis Salgado conhecido como Mais Arte, Menos Pal�cio.
“Na �poca, os alunos do Cefart estavam sem professores e a contrata��o foi suspensa. Eles resolveram fazer uma mobiliza��o e chamaram pessoas para administrar aulas, participar de encontros”, lembra Kosovski, de 38 anos.
“Eu estava em BH com ‘Caranguejo overdrive’ e tive a felicidade de ser convidado para essa mobiliza��o composta, criada e protagonizada por todos os alunos. Nesse contexto � que fui apresentado ao Cefart. Ent�o recebi muito bem esse convite (para dirigir o espet�culo), porque, de certo modo, conclui aquilo que tinha se iniciado em 2017”, afirma o diretor carioca, que faz seu primeiro trabalho para a FCS.
O processo de cria��o se deu de modo h�brido (entre o virtual e o presencial). Na trama, que dialoga com as realidades da pandemia e da crise pol�tica brasileira, os jovens agonizam em um ambiente fechado, hostil, sem possibilidade de inova��es. Para Pedro Kosovski, a analogia com o “fim do mundo” proposta n�o poderia ser mais literal.
“� um momento de muitos desafios para a humanidade como um todo, n�o apenas no Brasil. � claro que a conjuntura pol�tica brasileira � extremamente complexa e dif�cil, mas toda essa quest�o da pandemia est� redefinindo e criando muitos desafios para se pensar o planeta, a humanidade, o sentido disso”, comenta. Por outro lado, o espet�culo traduz o �mpeto dos jovens artistas que precisam lidar com os “restos” dessa humanidade.
“� uma juventude n�o apenas enclausurada na pandemia, mas em muitas normas. Ficar em casa � apenas mais uma delas. A gente vive um momento de extremo autoritarismo, que faz um tipo de controle social pela for�a. Eu acho que essa juventude se movimenta no sentido de justamente poder redefinir o modo como a gente faz a vida, se relaciona”, explica o diretor.
MIS�RIAS
Nesse sentido, a agenda LGBTQIA liberta os estudantes de padr�es sociais que parecem n�o fazer mais sentido, transmitindo uma sensa��o do que est� por vir na cena art�stica de BH. A “festa” em meio ao caos � uma forma de espantar as mis�rias desses tempos. No menu, s�o servidas “ideias para adiar o fim do mundo”.
“A pe�a � uma celebra��o da vida, apesar desse momento terr�vel. Desse modo, ela se compromete tamb�m com a subvers�o, a transgress�o e as rupturas de padr�es que nos levaram �s clausuras em que vivemos hoje”, aponta o diretor. “Nesse sentido, n�o � um espet�culo otimista. Acho que a pe�a cria contraperspectivas, ela se coloca como dissidente em rela��o a tudo isso. Apesar de todos os desafios, essa dissid�ncia � um motivo a ser celebrado”, ressalta.
“Haver� festa com o que restar” traz uma est�tica experimental do teatro contempor�neo, com dramaturgia n�o linear, que privilegia performances solos. A pe�a n�o tem protagonistas, sendo o coletivo de alunos a grande estrela. A festa que celebra o fim do mundo tem a participa��o de artistas, ciborgues, alien�genas, monstros e seres fant�sticos. A dramaturgia “costura” as diversas quest�es levantadas pelos formandos e faz o retrato do esp�rito art�stico de cada um deles.
“Foi fomentado com a turma que cada um fosse mais do que tal personagem, ou uma trama com in�cio, meio e fim. Sugerimos que cada um trouxesse a sua performance para a cena. Nesse sentido, � uma dramaturgia colaborativa. Ou seja, parte do desafio oferecido � turma era que cada um desenvolvesse a sua puls�o art�stica em rela��o ao momento, ao mundo, e aos interesses singulares”, conta o diretor.
Em sua vis�o, a pe�a tamb�m discute a mem�ria do fazer teatral ao ocupar o Grande Teatro do Pal�cio das Artes ap�s meses em que os artistas estiveram distantes do palco, e transmite uma mensagem sobre a arte. “Esses artistas est�o se lan�ando num momento relacionado n�o ao fim do teatro, mas a uma certa precariza��o da arte c�nica enquanto profiss�o. A import�ncia � sobretudo validar a import�ncia social, art�stica, afetiva do teatro. Esse � o grande ponto: fazer teatro hoje �, de certo modo, reafirmar o valor do teatro perante a sociedade”, destaca.
Marta Guerra destaca o papel do espet�culo em pautar debates de grande relev�ncia. “A sociedade provoca mudan�as em todos os sentidos, e o teatro tem essa capilaridade de trazer a discuss�o em torno disso. Em se tratando de uma turma jovem que est� se formando, fez um trabalho de pesquisa, a gente traz ao p�blico discuss�es muito importantes hoje. Eu acho que isso faz parte do processo formativo”.
Essa � a quarta formatura de alunos do Cefart realizada on-line, em meio � pandemia de COVID-19. “Nem nos meus piores sonhos eu imaginava que iria enfrentar isso (as restri��es da pandemia). Hoje, quando vejo todas as entregas do Cefart (n�o s� dos alunos de teatro), nem nos meus maiores sonhos eu imaginava que iria dar conta. � um copo meio cheio, meio vazio”, comenta Marta Guerra.
“A gente se reinventou, descobriu uma outra forma, novas linguagens. � um aprendizado que esse grupo passou junto com a dire��o, professores e a institui��o (Funda��o Cl�vis Salgado). Acho que eles v�o levar essa experi�ncia para o resto da vida, junto conosco”, afirma.
*Estagi�rio sob supervis�o da editora Silvana Arantes
“HAVER� FESTA COM O QUE RESTAR”
Espet�culo de formatura de alunos do Cefart. Dire��o: David Maurity, Pedro Kosovski e Rafael Bacelar. Desta quinta (19/08) a domingo (22/08), �s 20h. Classifica��o indicativa:
18 anos (� necess�rio que o espectador fa�a cadastro no YouTube informando sua idade). Transmiss�o: Canal do Youtube da FCS.
