(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas ROMANCE

NY e S�o Paulo s�o personagens da literatura fant�stica de N.K. Jemisin

No livro 'N�s somos a cidade', megal�poles est�o � merc� de criaturas que se alimentam de especula��o imobili�ria e viol�ncia policial.


23/08/2021 04:00 - atualizado 23/08/2021 07:38

Mulher caminha em Nova York, a metrópole dona de personalidade fascinante e capaz de mudar as pessoas, na visão da escritora americana N.K. Jemisin (foto: Timothy A. Clary/AFP)
Mulher caminha em Nova York, a metr�pole dona de personalidade fascinante e capaz de mudar as pessoas, na vis�o da escritora americana N.K. Jemisin (foto: Timothy A. Clary/AFP)

"Achava que as pessoas se vacinariam para se salvar, ou ao menos para proteger seus amigos e suas fam�lias. Ou fariam coisas simples como usar m�scaras (...). Mas ficou bastante claro para mim que h� literalmente pessoas que preferem morrer a fazer algo ben�fico aos que est�o ao redor"

N.K. Jemisin, escritora


N.K. Jemisin � talvez o mais relevante nome da literatura fant�stica hoje. Ap�s conseguir a fa�anha – in�dita at� entre autores do porte de Isaac Asimov e Arthur C. Clarke – de vencer por tr�s anos seguidos o principal pr�mio do g�nero, o Hugo, na categoria Melhor romance, com sua trilogia “A terra partida”, a escritora norte-americana volta com “N�s somos a cidade” (Suma), primeiro volume de sua nova saga, que j� est� na disputa pela estatueta do Hugo novamente em 2021.

No entanto, “N�s somos a cidade” � bem diferente de “A terra partida”. A trilogia anterior, lan�ada no Brasil pela Morro Branco, tinha ares �picos, se passava durante a cat�strofe clim�tica em um mundo com pessoas dotadas de poderes de manipula��o de elementos (os orogenes), e contava com reviravoltas interessantes do ponto de vista narrativo, relacionadas � cronologia. J� a trama do novo livro � contempor�nea, com linguagem coloquial. � uma fantasia urbana, bem menos ambiciosa em escopo.

OROGENES 

Um fator, entretanto, une as duas obras: o enfoque na discrimina��o. Enquanto os orogenes eram temidos e odiados pelas pessoas comuns da sociedade colapsada de “A terra partida”, protagonistas de “N�s somos a cidade” incorporam suas pr�prias sociedades de maneira muito literal, mas acabam sofrendo preconceitos de toda sorte.

Nesse novo romance de Jemisin, quando cidades grandes como Paris, Londres e Lagos crescem a um certo ponto, tornam-se vulner�veis ao ataque de seres extradimensionais, criaturas com um qu� de lovecraftianas, mas que se manifestam em situa��es bastante corriqueiras, como na viol�ncia policial, na especula��o imobili�ria ou no tr�nsito.

Para impedir essas amea�as, pessoas comuns s�o escolhidas para encarnar as cidades e impedir que elas morram – novamente, num sentido bastante literal. Na obra, Nova York est� passando por essa transi��o e recebe ajuda de outras cidades, como S�o Paulo, que age como um mentor.

“Fiquei em d�vida entre representar S�o Paulo, que � maior, ou o Rio de Janeiro, que tem mais reputa��o internacional, mas me decidi por S�o Paulo porque senti que era uma cidade pronta para ganhar vida pr�pria”, conta Jemisin.

Em 2019, antes de o livro ser publicado nos Estados Unidos, a autora revelou que gostaria de ter vindo ao Brasil para fazer a caracteriza��o de S�o Paulo, mas teve receio. “Minha preocupa��o era ouvir hist�rias de artistas conhecidos meus, cr�ticos da gest�o Trump, tendo problemas para entrar e sair das fronteiras. N�o parecia uma boa hora para viajar para fora do meu pa�s, muito menos para um pa�s com cen�rio pol�tico semelhante”, explicou.

Autora da trilogia ''terra partida'', N.K. Jemisin, de 48 anos, levou três vezes o Prêmio Hugo(foto: Youtube/reprodução)
Autora da trilogia ''terra partida'', N.K. Jemisin, de 48 anos, levou tr�s vezes o Pr�mio Hugo (foto: Youtube/reprodu��o)

"Fiquei em d�vida entre representar S�o Paulo, que � maior, ou o Rio de Janeiro, que tem mais reputa��o internacional, mas me decidi por S�o Paulo porque senti que era uma cidade pronta para ganhar vida pr�pria"

N.K. Jemisin, escritora


BRASILEIROS

Jemisin contou com a ajuda de amigos brasileiros para construir o personagem S�o Paulo, mas ainda espera vir pessoalmente a fim de “sentir” a cidade.

“Todos os lugares t�m uma personalidade. Qualquer um que viaja um pouco percebe isso”, diz ela, que nasceu em Iowa City, no Iowa, e cresceu em Mobile, no Alabama, mas se sente em casa em Nova York – como Manny, o protagonista que imigra para a Big Apple e se torna a personifica��o de Manhattan.

Tanto “N�s somos a cidade” quanto a trilogia “A terra partida” exploram contextos pr� ou p�s-apocal�pticos, lidando com ciclos de destrui��o e recria��o.

“Sempre fui fascinada pela transforma��o. Sou fascinada por per�odos em que grupos que antes eram inimigos ou n�o aliados se unem e aprendem a cooperar, tendo de lidar com preconceitos, lidar uns com os outros o suficiente para enfrentar um problema maior, que coloca seus mundos em risco, com tudo o que eles conhecem e amam”, afirma a escritora. “� nesses momentos que se v� o lado mais verdadeiro das pessoas, quando elas est�o sob amea�a. Isso desperta seu pior e seu melhor.”

Como autora de fantasia que lida com cen�rios catastr�ficos, Jemisin aprendeu bastante com a pandemia para sua pr�pria fic��o. “Supunha que os seres humanos eram muito mais sensatos do que s�o. Achava que as pessoas se vacinariam para se salvar, ou ao menos para proteger seus amigos e suas fam�lias. Ou fariam coisas simples como usar m�scaras. � algo t�o pequeno que, se nos ajuda a mitigar a pandemia, � simples de pedir que se fa�a. Mas ficou bastante claro para mim que h� literalmente pessoas que preferem morrer a fazer algo ben�fico aos que est�o ao redor.”

Por mais que se considere pessimista, Jemisin afirma n�o ter sido pessimista o suficiente. “Jamais poder�amos imaginar cen�rios como o que estamos vivendo (em uma obra de fic��o), porque as pessoas diriam que n�o � realista”, acredita.

Por isso, diz que os leitores devem esperar mais personagens ego�stas e com comportamentos danosos aos demais na literatura nos pr�ximos anos. “Nossa compreens�o de como a sociedade opera mudou como resultado da pandemia.”

Jemisin, por�m, n�o acredita em uma onda de fic��o dist�pica, at� porque isso j� vinha ocorrendo nos �ltimos anos, e sim no boom de novas utopias. “Vejo mais pessoas interessadas em explorar formas de superar o que vivemos, de consertar o que est� acontecendo.”

LOVECRAFT 

Embora seu novo livro tenha influ�ncias de H.P. Lovecraft, a autora confessa que n�o se interessava tanto pela obra dele at� poucos anos atr�s.

Foi depois que a escritora Nnedi Okorafor venceu o World Fantasy Award em 2011 e externou desconforto ao ganhar um pr�mio cuja estatueta era a cabe�a de Lovecraft – algu�m que odiava pessoas negras como ela – que o universo da literatura fant�stica passou a debater com mais afinco as posi��es abertamente racistas e reacion�rias do autor de “O chamado de Cthulhu”.

“� por isso que hoje se veem v�rias obras antilovecraftianas”, explica Jemisin. Al�m dela, Matt Ruff (“Territ�rio Lovecraft”) e Victor Lavalle (“A balada do Black Tom”) v�m ressignificando o horror c�smico para explorar temas antirracistas, valorizando o ineg�vel legado liter�rio de Lovecraft sem esconder suas tend�ncias problem�ticas.

“N�s somos a cidade” � mais uma obra nessa toada ao usar a aura lovecraftiana para seus vil�es, com direito a tent�culos e presen�as ominosas pela cidade de Nova York. “Ele se sentia como eu sobre as cidades, sentia que Nova York tinha uma personalidade. Mas a odiava. Ele percebia a energia vital da cidade, as formas como ela podia mudar uma pessoa. Isso o apavorava, enquanto eu tento sugar ao m�ximo essa energia. Ela � maravilhosa para mim”, comenta Jemisin.

O verdadeiro car�ter lovecraftiano do livro, entretanto, n�o est� em inimigos grotescos. “Os personagens verdadeiramente monstruosos, para mim, s�o as pessoas que d�o espa�o a essas monstruosidades”, observa a autora.

As entidades que assolam as metr�poles na trama sempre precisam de algum agente f�sico para se manifestar, e � a� que entram situa��es mais mundanas que s�o representadas como grandes amea�as existenciais na obra. “� porque eu vejo esses problemas urbanos como amea�as existenciais”, diz Jemisin.

“H� uma tentativa de homogeneizar as cidades que alimenta a viol�ncia policial, a especula��o imobili�ria e todas essas coisas representadas no livro. H� uma tentativa de impedir a cidade de ser ecl�tica e bo�mia, com muitos tipos de pessoas, reduzindo essa complexidade e diversidade a algo mais raso e menos interessante. Vejo isso como amea�a � alma de Nova York”, conclui a escrito ra.

“N�S SOMOS A CIDADE”
De N.K. Jemisin
Suma
336 p�ginas
R$ 59,90
R$ 39,90 (e-book)


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)