
As inova��es, os desafios e a import�ncia da arte circense em meio � pandemia de COVID-19 s�o temas da sexta edi��o do Circos – Festival Internacional Sesc de Circo 2021, cuja programa��o on-line e gratuita vai at� s�bado (4/09). Cerca de 80 atra��es, entre espet�culos, debates e atividades formativas, demonstram a revolu��o do picadeiro.
A agenda tem 11 espet�culos transmitidos de unidades do Sesc, quatro estreias mundiais e tr�s trabalhos in�ditos no ambiente virtual. “Exce��es � gravidade”, apresentada h� mais de
40 anos pelo norte-americano Avner Eisenberg, � a atra��o internacional. As transmiss�es podem ser acompanhadas no canal do Sesc S�o Paulo no YouTube.
BARRAC�O
Uma das estreias � mineira: o espet�culo “Circo Misterium”, dirigido e protagonizado pelo belo-horizontino Esio Magalh�es, da Cia. Barrac�o Teatro. Por meio da palha�aria, ele aborda temas delicados como a finitude da vida e a diversidade religiosa. A exibi��o ocorrer� na sexta-feira (3/09), �s 19h.
Depois de engolir bolinhas de pingue-pongue, o palha�o Zabobrim perde os sentidos e enfrenta o desafio de encontrar o sentido da vida durante sua passagem para a morte.
No portal entre os dois universos, Zabobrim se depara com divindades das matrizes judaica, crist�, africana, isl�mica, esp�rita, budista e dos povos origin�rios. Em “Circo Misterium”, a abordagem � mais existencial do que religiosa, pois o espet�culo trabalha a ideia de seres imortais, em vez de deuses.
“Cada imortal aparece perguntando para o palha�o: ‘� comigo que voc� vem?’. E ele vai entrar no portal conforme aquilo em que acredita. Cada um (dos imortais) lhe apresenta sua rela��o com a vida e com a morte”, adianta Esio Magalh�es, um dos fundadores da Cia Barrac�o Teatro.
Nesse processo, Zabobrim conhece um cientista que faz pesquisa para entender o que ocorre do outro lado do portal.
O espet�culo surgiu do desejo de �sio de discutir a diversidade religiosa em meio � intoler�ncia, principalmente em rela��o �s matrizes africanas e aos povos ind�genas. “S�o ataques fundamentalistas, extremistas, que querem acabar com a f� do outro para sobrepujar a sua. Isso n�o tem sentido, s�o maneiras muito distintas de explicar a exist�ncia, a nossa rela��o com o mundo e com o divino”, afirma o artista mineiro.
covid-19 A pandemia do novo coronav�rus influenciou “Circo Misterium”. A doen�a deu o mote sobre a finitude da vida. “A morte est� rondando a gente de forma t�o pr�xima e avassaladora, todo mundo perdeu algu�m neste um ano e meio. � uma como��o mundial, e a gente estava muito tocado por isso. A ideia de trabalhar a tem�tica era antiga, mas acho que agora conflu�ram todas as circunst�ncias e afetos”, explica Esio Magalh�es.
O espet�culo se prop�e a quebrar tabus, mostrando que palha�aria � coisa s�ria. O artista mineiro revela que sempre busca abordar temas complexos por meio da figura do palha�o.
“O Roberto Benigni fala que s� o palha�o consegue se aprofundar na trag�dia humana, pois ele mergulha na trag�dia, mas consegue sair dali”, comenta �sio, referindo-se ao italiano que ganhou o Oscar de melhor ator, em 1999, por sua atua��o como Guido em “A vida � bela”. Ele faz o papel de um judeu que inventa brincadeiras para distrair o filho pequeno num campo de concentra��o nazista.
“Gosto muito desse conceito, porque o palha�o � aquele que sofre, apanha, perde. Ele n�o � uma figura heroica. Ao mesmo tempo, segue em frente, assim como todos n�s. Somos vulner�veis diante da natureza, � incontest�vel a nossa fragilidade. O palha�o � a representa��o muito importante da nossa humanidade, ele fala de coisas s�rias”, afirma Esio Magalh�es.
“Circo Misterium” celebra a vida e a diversidade. “De certa maneira, � a mensagem otimista de que a vida vale a pena. A gente precisa colocar sentido na nossa vida para seguir em frente”, aponta o artista. E Zabobrim tem papel fundamental nessa abordagem. “Como o palha�o � a figura que nos faz rir de n�s mesmos”, acredita Magalh�es.

Quilombo sob a lona
“Prot(ag�)nistas – O movimento negro no picadeiro”, cria��o do coletivo Prot(ag�)nistas, � uma das atra��es deste domingo (29/08). Com 25 artistas negros em cena, o espet�culo apresenta v�rios n�meros circenses, entre humor, dan�a, m�sica, acrobacia e malabarismo.
Duas horas antes de a trupe se exibir, �s 19h, o document�rio “Protagonistas – Estar vivo � nossa maior resist�ncia” vai ao ar retratando os bastidores da montagem e discutindo a realidade do grupo durante a pandemia.
Com integrantes ligados ao circo, � dan�a e � m�sica, o grupo paulistano surgiu com o objetivo de dar visibilidade a artistas circenses negros. O espet�culo, que estreou em 2019, potencializou a forma��o do coletivo, descrito como “aquilombamento art�stico” por Ricardo Rodrigues, diretor e idealizador de “Prot(ag�)nistas”.
Ele diz que cada integrante da trupe tem o seu momento de protagonismo. Um faz evolu��es circenses junto de outro que interpreta a can��o que ele pr�prio escreveu e foi incorporada ao espet�culo do coletivo.
A mineira Ver�nica Santos faz o papel da bailarina no cl�ssico n�mero com o palha�o. Ao som de “Neguinha sim”, ela “voa” pelo palco com seu black power em meio a passos de dan�a africana.
O espet�culo convida a plateia a contemplar a beleza negra na dor, no humor e na poesia. A narrativa transita pelo circo cl�ssico, dialogando com a realidade dos afrodescendentes. Aborda o exterm�nio da popula��o negra e os “rolezinhos” (lazer de moradores da periferia criminalizado no pa�s), mas celebra express�es art�sticas do negro.
“O Brasil � um pa�s de maioria negra, mas artistas negros potentes n�o conseguem espa�o digno para a visibilidade de seu talento”, destaca o diretor. “Prot(ag�)nistas” defende o fim do apagamento da subjetividade negra no circo, refor�a. “Por que s� bater a estaca (da lona), recolher o bilhete e vender pipoca? N�s vamos para a cena. Venha ver o que a gente sabe fazer no palco”, convida Ricardo Rodrigues.

A pot�ncia po�tica do diferente
Entre os v�rios debates, a mesa-redonda “Corpos circenses” aborda a multiplicidade no picadeiro. Ao longo dos s�culos, os chamados “corpos at�picos” – como a Mulher Barbuda, an�es e a Monga – foram acolhidos pelo circo, embora exibidos como figuras bizarras.
Nos �ltimos anos, artistas de diferentes bi�tipos v�m conquistando seu espa�o, exibindo compet�ncia t�cnica e desconstruindo preconceitos.
debate Essa diversidade ser� tema de mesa-redonda na quinta-feira (2/09), reunindo o ator e palha�o Giovanni Venturini, que tem nanismo, a contorcionista transexual Vi Marquez e a palha�a Ana Flavia Garcia.
“Me senti convidada a fazer palha�aria porque foi a linguagem em que me senti acolhida enquanto corpo gordo. Muito mais do que no teatro”, relata Ana Flavia Garcia, a palha�a Ana Tirana, com 28 anos de experi�ncia. Piadas relacionadas � gordofobia nunca fizeram parte do trabalho dela.
“Sempre entendi como pot�ncia a po�tica de me tornar flecha antes de ser alvo. Quando o circo acolhe os ‘freaks’, que historicamente s�o corpos at�picos, a gente se torna os estranhos que fazem coisas que os outros n�o fazem. Isso � um grande poder”, defende Ana Flavia.
No entanto, ela enfrentou problemas em sua trajet�ria circense. “N�o me senti representando alguma coisa, me sentia representada. Havia tamb�m escassez dessas presen�as. Eu n�o era uma palha�a gorda do Distrito Federal, era a palha�a gorda do DF”, relata.
“Durante muito tempo, pensava que o riso vinha da pr�pria presen�a do meu corpo gordo, que o ris�vel era ele. Demorei muito tempo para entender que, na verdade, � um monte de tecnologias associadas”, afirma.
Aos poucos, Ana Flavia foi construindo sua presen�a no palco, alterando as formas de palha�aria e entendendo que o riso tamb�m � debate p�blico. No ano em que exibia seu maior peso (164kg), ela ganhou o pr�mio de melhor atriz do Sesc Teatro Candango (DF) com o solo “Tsunami”.
Mesmo depois de se submeter � cirurgia bari�trica e treinar levantamento de peso, Ana se sente uma “criatura”, devido ao corpo fl�cido, “cheio de pele solta”. No entanto, isso se torna uma pot�ncia, artisticamente falando, pondera.
Para Ana Flavia, a evolu��o da perspectiva “freak” no circo se d�, agora, sob novo olhar. “Estamos come�ando a debater isso. At� muito pouco tempo atr�s, a gente n�o tinha nem presen�a enquanto exist�ncia dentro do circo”, relata.
troca A mesa-redonda “Corpos circenses” � importante por abrir espa�o para artistas como ela. “Estou louca para me encontrar com essas pessoas, quero saber o que elas pensam”, comenta Ana Flavia. Por outro lado, a artista reivindica mais do que representatividade.
“� importante saber o que pessoas como eu est�o produzindo enquanto arte, n�o s� discutindo enquanto exist�ncia. � muito interessante a gente ter espa�o para trazer essas pautas, mas que a nossa produ��o art�stica seja reverenciada e observada, pois n�o estamos pedindo licen�a, nem crach� de ‘caf� com leite’”, conclui.
PROGRAMA��O
HOJE (29/08)
•12h – Filmes. “V�deos de circo? Tem, sim, senhor”
•17h – V�deo “Prot(ag�)nistas – Estar vivo � nossa maior resist�ncia”
•19h – Espet�culo “Prot(ag�)nistas – O movimento negro no picadeiro”
•21h – Palha�as do Mundo
SEGUNDA (30/08)
•19h – Espet�culo “Circo Charanga” (ao vivo)
TER�A (31/08)
•15h – Painel “Riso como respiro”
•21h – Espet�culo “Exce��es � gravidade”
QUARTA (1º/09)
•15h – Painel “A tela � o picadeiro”
•19h – Espet�culo “CircomUns” (ao vivo)
QUINTA (2/09)
•15h – Painel “Corpos circenses”
•19h – Espet�culo “Ela – Em todos os lugares” (ao vivo)
SEXTA (3/09)
•15h – Painel “O circo longe dos palcos”
•19h – Espet�culo “Circo Misterium” (ao vivo)
S�BADO (4/09)
•15h – Espet�culo “La trattoria” (ao vivo)
•16h – Trilogia Artinerant’s
•19h – Espet�culo “Cachim�nia” (ao vivo)
•21h – Espet�culo “Retumbantes” (ao vivo)
CIRCOS – FESTIVAL INTERNACIONAL SESC DE CIRCO
Informa��es: circos.sescsp.org.br. Programa��o transmitida pelo canal do Sesc SP no YouTube. V�deos ficar�o dispon�veis na plataforma at� 4 de setembro
*Estagi�rio sob supervis�o da editora-assistente �ngela Faria