O Caf� Abu Nawas, em Londres, � o ref�gio de iraquianos que j� n�o t�m mais lugar em seu pa�s (foto: Fotos: Arteplex Filmes/divulga��o)
“
Bagd� vive em mim
”, filme de
Samir Jamal Aldin
, retrata um grupo de
imigrantes
iraquianos que convivem em um
caf� londrino
buscando preservar sua cultura em meio a valores ocidentais. Cada personagem, que teve o seu motivo para abandonar o pa�s, precisa lidar com fantasmas do passado para seguir em frente. No entanto, o ataque cometido por um islamita radical transforma a vida daquela comunidade.
Estreia desta quinta-feira (2/09) no
Una Cine Belas Artes
, em Belo Horizonte, “Bagd� vive em mim” aborda ate�smo, machismo e homofobia –
tabus
da sociedade �rabe –, mesclando pol�tica, romance e drama.
SADDAM
A narrativa � conduzida pelo poeta Taufiq (Haitham Abdel-Razzaq), que ganha a vida como guarda-noturno na capital da Inglaterra. Aos poucos, vamos descobrindo a trag�dia que o levou � Europa. Comunista e refrat�rio ao fundamentalismo isl�mico, Taufiq foi perseguido pelo regime de Saddam Hussein nos anos 1990. N�o escapou ileso para Londres, pois o irm�o e a noiva foram assassinados pela ditadura iraquiana.
As lembran�as atormentam Taufiq, que se sente culpado e tenta superar o passado ao lado dos conterr�neos frequentadores do Caf� Abu Nawas, ponto de encontro de exilados. Aqueles filhos da di�spora iraquiana t�m consci�ncia de que nunca mais se sentir�o confort�veis em seu pa�s. A nova realidade de uma mulher, de um gay e de um fundamentalista isl�mico no Ocidente � o motivo do ataque.
A trama est� diretamente relacionada � vida do diretor, que adotou o nome art�stico de Samir. Por quest�es pol�ticas, sua fam�lia fugiu do Iraque para a Su��a em 1961, quando ele era crian�a.
“Minha inf�ncia foi no Iraque e tive a sorte de estar na �poca dourada de l�. Depois da revolu��o de 1958, acredit�vamos que tudo mudaria, que os iraquianos construiriam uma na��o em p� de igualdade com as antigas na��es coloniais”, afirma o cineasta, de 66 anos, em entrevista por v�deo ao Estado de Minas. “Esse foi o esp�rito sob o qual cresci, de modernidade, laicidade, igualdade de g�nero e, claro, diversidade”, diz Samir, tamb�m corroteirista do longa.
O diretor se refere ao movimento que derrubou a monarquia hachemita, em 14 de julho de 1958, e proclamou a Rep�blica. Militantes do Partido Comunista Iraquiano, os pais do cineasta faziam oposi��o ao regime apoiado pelo colonialismo brit�nico. “Cresci com duas religi�es: o islamismo e o comunismo”, revela o diretor.
Depois da revolu��o de 1958, comunistas foram perseguidos por for�as apoiadas pelos Estados Unidos e sua Ag�ncia Central de Intelig�ncia (CIA). “Eu era crian�a e me disseram: 'Vamos passar f�rias na Su��a’. Ningu�m me disse que ser�amos refugiados. N�o ficamos um m�s, quatro meses ou quatro anos. Passaram-se 40 anos da minha vida”, conta Samir, referindo-se ao ex�lio.
Em 1968, o Baath, partido de Saddam Hussein, passou a governar o Iraque, depois de chegar ao poder por meio de um golpe de Estado. Sob o comando de Hussein, que assumiu o poder em 1979, o pa�s se envolveu em conflitos armados com o Ir� e o Kuwait, tornando-se alvo da Guerra ao Terror patrocinada pelos Estados Unidos ap�s o atentado �s Torres G�meas, em setembro de 2001. Em 2003, for�as de coaliz�o ligadas aos EUA invadiram o Iraque e derrubaram Hussein, executado em 2006.
Amal (Zahraa Ghandour) tenta retomar a vida, depois de fugir do ex-marido, espi�o de Saddam Husseim
LIGA��O
Mesmo distante de seu pa�s, o cineasta Samir manteve v�nculos com Bagd�. Por isso decidiu filmar a saga de refugiados como ele. Atualmente, h� cerca de 4,7 milh�es de iraquianos exilados, de acordo com o Alto Comissariado das Na��es Unidas para os Refugiados (Acnur).
“Est�o sempre me perguntando: Por que voc� est� fazendo de novo um filme sobre o Iraque? Minha resposta � muito simples: Posso cortar meu bra�o fora? Claro que n�o. Sabe, na minha inf�ncia, eu estava l�. A inf�ncia sempre dita suas mem�rias em qualquer lugar, independentemente do que voc� tenha feito”, explica.
Assombrados pela ditadura de Saddam Hussein, os personagens de “Bagd� vive sem mim” tentam conciliar o modo de vida ocidental com a cultura de seu pa�s. E o choque dessas duas realidades gera conflito.
Na vis�o de Samir, religi�o, machismo e a homofobia est�o interligados. “Neste momento hist�rico, acredito que a religi�o realmente apoia a tend�ncia reacion�ria de oprimir as mulheres. Eles querem controlar a sexualidade delas. Sendo assim, tamb�m querem controlar a sexualidade do homem. Todos devem fazer apenas o que a religi�o manda. Ent�o, � �bvio que a quest�o do homem queer e gay est� ligada � liberta��o da mulher”, afirma o cineasta.
Diante do fortalecimento do extremismo vinculado ao fundamentalismo isl�mico nos �ltimos 20 anos, Samir decidiu mostrar que, na verdade, a agenda religiosa dos radicais se conecta � ditadura e ao poder. “No mundo ocidental, como no meu filme, eles fingem que est�o contra as atitudes colonialistas do Ocidente. Mas � uma piada, porque instalam a mesma opress�o de antes do colonialismo. Isso n�o tem nada a ver com a religi�o, � pol�tica”, aponta o diretor.
A arquiteta Amal (Zahraa Ghandour), uma das funcion�rias do caf�, representa a liberta��o feminina no contexto �rabe. Ela pediu ex�lio � Inglaterra por ser crist�, mas, na verdade, fugia do ex-marido Ahmed (Ali Daim Mailiki), espi�o de Saddam Hussein.
Por meio de personagens como Amal, Samir revela que parte da juventude do pa�s n�o se alinha a valores extremistas. “Soube desse lado porque viajei para Bagd�, nos �ltimos anos, e vi uma gera��o mais jovem. Eles est�o saindo �s ruas, fazendo grafite, m�sica, rap. � incr�vel o que est� ocorrendo, mas ningu�m sabe disso no Ocidente.” Os ideais desses jovens s�o confrontados pelo fundamentalismo religioso, afirma.
“Todos com mais de 40 anos ainda se sentem perseguidos pelo passado. Ali�s, esse � um dos motivos pelos quais apenas jovens est�o saindo �s ruas no Iraque. Os pais se sentem culpados, pois n�o foram capazes de fazer nada contra a ditadura. Ent�o, apoiam a garotada, mas, por outro lado, n�o colocam mais as m�os na pol�tica. Isso � uma pena, porque, de certa forma, s�o como Tariq. Eles sentem culpa sem falar”, afirma o cineasta.
GLAUBER
Samir diz que ficou contente com a not�cia de que “Bagd� vive em mim” ser� exibido no Brasil. “Me inspirei muito no cinema brasileiro dos anos 1970, vi muitos filmes pol�ticos e experimentais do Brasil naquele tempo”, revela, citando o diretor Glauber Rocha (1939-1981). De acordo com ele, Brasil e Iraque t�m muitas semelhan�as, que v�o al�m da influ�ncia da religi�o ou do passado marcado pela ditadura.
“No meu filme, falo sobre uma sociedade de imigrantes, da di�spora. E o Brasil, claro, � exemplo de uma sociedade de imigrantes, em primeiro lugar. Portanto, � um povo que se mistura sob a ideia de que a elite portuguesa sempre ditou sobre como deve ser sua cultura. Quando soube que meu filme seria exibido no Brasil, fiquei muito feliz, pois achei o terreno perfeito”, conclui Samir.
*Estagi�rio sob supervis�o da editora-assistente �ngela Faria
“BAGD� VIVE EM MIM”
(Su��a, Alemanha, Reino Unido, 2019. 109min. Dire��o de Samir. Com Waseem Abbas, Haytham Abdulrazaq, Zahraa Ghandour e Ali Daim Mailiki) Exilados iraquianos, frequentadores de um caf� londrino, t�m a vida transformada quando s�o atacados pelo sobrinho do dono do estabelecimento, sob a influ�ncia de islamitas radicais. Estreia nesta quinta-feira (2/09), no Cine Una Belas Artes, com sess�es �s 16h, 18h e 20h.