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Estado de Minas ARTIGO

O dia em que Jean-Paul Belmondo se esbaldou em Ouro Preto

Professor aposentado da Faculdade de Farm�cia da Universidade Federal de Ouro Preto lembra ''cacha�ada'' do ator franc�s e estudantes, que virou not�cia


06/09/2021 17:07

O ator Jean-Paul Belmondo e estudantes em Ouro Preto
O ator Jean-Paul Belmondo e estudantes em Ouro Preto (foto: Loja de Fotografia de Ouro Preto)

No in�cio dos anos 1970, existia em Ouro Preto uma loja de fotografias que encontrou sua verdadeira identidade quando um turista enfiou a cabe�a pela porta e perguntou se o boteco j� estava fechado. Era propriedade coletiva de estudantes que tinham sido aprendizes do fot�grafo Z� Lima , que os recrutara para dar conta da grande demanda de casamentos e formaturas que enchia a sua agenda. 

Situada estrategicamente na esquina da Rua Direita com a Pra�a Tiradentes (dividida com o camel� "seu"Nezinho), a loja n�o passava de um por�o da casa dos Gon�alves, dividido em tr�s partes: recep��o, est�dio e laborat�rio. No primeiro a doce recepcionista Mar�lia tentava administrar o caos predominante. O est�dio, nas horas vagas do dia e em todas as noites, era a "�rea curriolar" propriamente dita. O laborat�rio, al�m dos solventes para a revela��o de filmes, era a adega suprida por fornecedores provenientes de Calambau e arredores. 

Ali a festa nunca tinha fim: depois de um certo carnaval muito intenso, insone, sa� do Ros�rio de madrugada em busca de alguma alma penada perdida pela noite; vi luz saindo por baixo da porta da loja e pensei que algu�m terminava alguma encomenda atrasada: surpresa! Casa lotada com desenfreada sequ�ncia da folia que s� terminou no s�bado seguinte, por exaust�o absoluta e amea�as de internamento coletivo na Santa Casa. 

Da loja sa�am estranhos cortejos: numa nebulosa noite de ter�a-feira, uma fileira de rapazes pelados saiu dali e foi at� a frente da est�tua de Tiradentes, onde foram realizadas confusas coreografias por volta das duas da madrugada; dali tamb�m partiram, a bordo da famosa jardineira "Chiquitona", as inesquec�veis excurs�es etilicoculturais denominadas "Circuito do tear" e "Dois dias no Cara�a" - ambas deixaram marcas indel�veis em munic�pios vizinhos, at�nitos com os n�meros de circo e dublagens de Elvis Presley protagonizados por Ivon Caldeira, dramatiza��es de Shakespeare por Ney Cokda e show de percuss�o por integrantes da charanga do Carlota, tudo em meio a n�voas de tabaco. 

Existem registros fotogr�ficos e cinematogr�ficos destes feitos, que est�o guardados em locais incertos e n�o sabidos por algu�m temeroso de macular seu presente com as del�cias da mocidade. Espero que ainda n�o tenham sido destru�dos.

No est�dio, o conjunto de palet�, camisa branca e gravata-borboleta, usado para as fotos de formatura, era vestido tamb�m por um vasto espectro de modelos que foram compondo o incr�vel painel estampado em uma parede: a Galeria dos Formandos da Escola da Vida; ali eram encontrados desde o prefeito Alberto Caram at� Ber�u, aquele que conseguia ranger os dentes perto do Museu da Inconfid�ncia e se fazer ouvir na porta do Centro Acad�mico.

Naqueles tempos pr�-internet, tinha-se not�cia ali dos �ltimos combates da Guerra do Vietn�, trazidos diretamente por americanos desertores que tinham fugido da linha de frente poucos meses atr�s. Foram tamb�m conhecidos detalhes dos bastidores do concerto de Jo�o Gilberto com Caetano, Gil e Bet�nia em S�o Paulo, trazidos pelo violonista Jo�ozinho Bossa Nova: ele tinha sido o roadie encarregado de suprir Jo�o com bolas de ping pong e erva do Norte, e se dedicava, �nica, exclusiva e neuroticamente, acorde por acorde, a reproduzir o repert�rio do mestre.

Certa madrugada, ali tamb�m foi ouvido, com as paredes tremendo, um recital de trechos de �peras esgoeladas pelo paisagista Burle Marx. Mas nada superou o acontecido num fim de tarde tedioso. Um casal de turistas entrou para comprar um filme. De repente, algu�m repara melhor o cliente, e...

- Jean Paul Belmondo?.
- Oui!
-  Toma uma cachacinha?
- S�rement!

Providenciado o garraf�o, seguiram-se as doses, cujo gosto foi tirado com lingui�a providenciada no Lampi�o e acompanhadas por um viol�o que sempre permanecia de plant�o no laborat�rio. O franc�s saiu mais pra l� do que pra c�, prometendo voltar sempre. 

Como n�o havia espeto de pau naquela casa de ferreiro, as cenas foram devidamente documentadas e, no dia seguinte, requisitadas pelo eterno correspondente do Jornal do Brasil, Maur�lio Torres. Dois dias depois, escutam-se rumores vindos do Restaurante Universit�rio: uma turba reunida em volta do painel da entrada do restaurante esbaldava-se com a exposi��o de um recorte do jornal carioca. Tratava-se da coluna de

Z�zimo Barroso do Amaral que estampava uma foto de Jean Paul com seus anfitri�es ouro-pretanos. Abaixo, a legenda demolidora: "Jean Paul Belmondo em Ouro Preto bebendo com desocupados locais".

Foram dias de goza��es infind�veis, fortemente incrementadas quando circulou em Ouro Preto uma informa��o suplementar que abalou a reputa��o dos irresist�veis don juans da loja: deslumbrados com "Pierrot le fou", a turma nem prestou aten��o em sua acompanhante. Atrav�s da coluna do Z�zimo todos ficaram sabendo tratar-se de sua namorada, a deslumbrante Laura Antonelli, musa geral das sess�es do Cine Vila Rica: a tentativa de explica��o fazia men��o � morenice adquirida por ela nas praias cariocas. N�o funcionou.

Pano r�pido. 

* Professor aposentado da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop)


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