
O cineasta alem�o
Rainer Werner Fassbinder
(1946-1982) dizia que seu dia tinha 26 horas. Quando algu�m lhe recomendou descansar, respondeu que teria muito tempo para dormir depois de morto. N�o demorou muito. Fassbinder se foi aos 37 anos, v�tima de uma
overdose
, e deixou uma obra imensa, mesmo em termos num�ricos: 43 filmes, 24 pe�as de teatro e duas s�ries de TV. Uma delas, “Berlin Alexanderplatz”, adaptada do romance de Alfred D�blin, com dura��o de 16 horas. N�o surpreende que vida t�o intensa seja retratada de modo fren�tico na cinebiografia “
Fassbinder: Ascens�o e queda de um g�nio
”, dispon�vel na plataforma
Cinema Virtual
.
TEATRO
Ao abra�ar o cinema com “O amor � mais frio que a morte”, em 1969, Fassbinder, vindo do teatro, descobre a arte ideal para se tornar o grande retratista da Alemanha do p�s-guerra, o que fez em “O casamento de Maria Braun”, “Lili Marlene” e “Lola”. Ia do retrato social, como em “Berlin Alexanderplatz”, ao melodrama de “L�grimas amargas de Petra von Kant”.
� artificial separar essas vertentes – a pol�tica estava no melodrama e vice-versa. N�o se trata de confus�o. Apenas admiss�o de que a experi�ncia humana n�o cabe em r�tulos, categorias ou g�neros cinematogr�ficos. Fassbinder era ca�tico o suficiente para atravessar fronteiras sem qualquer dificuldade.
No entanto, o filme n�o se preocupa tanto com quest�es est�ticas. Procura retratar a trajet�ria pessoal de um criador atormentado e nada rom�ntico. Desde o teatro, Fassbinder mantinha atr�s de si um grupo, uma corte de amigos, amigas, atores, atrizes, agentes, agregados e aproveitadores que viviam quase em comunidade. O consumo de �lcool do grupo poderia ser medido em hectolitros. Depois entrou em cena a coca�na, que, consumida em doses industriais, precipitou o fim do artista.
De rasp�o, o filme passa pelo per�odo efervescente da pol�tica europeia, com grupos extremistas como o alem�o Baader-Meinhoff dizimados e seus l�deres “suicidados” na pris�o. Esse contexto tem repercuss�es na vida e obra do cineasta. Mas as tens�es maiores de Fassbinder s�o vividas no interior do seu grupo fechado, com brigas por pap�is em novos filmes, favores sexuais e atribui��o de cota��es aos atores, o que aumentava a rivalidade al�m do suport�vel.
A disputa pela aten��o de um artista transformado em guru de seita esfacela relacionamentos e cobra seu pre�o em vidas. O pr�prio Fassbinder era autodestrutivo e semeava o caos ao seu redor. Era algoz e v�tima ao mesmo tempo.
press�o Nessa “panela de press�o” permanente, a centelha de g�nio que o habitava o fazia trabalhar muito e rapidamente, com excepcional qualidade. Vivia a pensar, escrever e filmar, enquanto passava de um amante a outro. Funcionava turbinado por coca�na em tempo integral. O filme procura mimetizar, em sua estrutura, esse modo de vida lis�rgico, destinado a ser muito breve, e tr�gico em seu limite. Em conformidade, a est�tica tende ao kitsch, � veloz, teatral, mas de teatro de cabar�.
Na composi��o desse impulso rumo ao abismo, n�o se pode esquecer o inconformismo do artista com a Alemanha, seu pa�s, derrotado na guerra que provocou e causou a morte de milh�es de pessoas. A ambi��o de Fassbinder – que n�o chegou a realizar – era retratar integralmente sua p�tria, do passado ao tempo atual, por etapas e em filmes separados. N�o foi poss�vel completar o quadro, mas o que deixou � bem significativo.
“Querelle”, adaptado de Jean Genet, foi seu �ltimo trabalho e testamento – e n�o por acaso � a refer�ncia maior de Oskar Roehler, tanto visualmente quanto em cita��es de cenas. N�o por acaso, tamb�m, � nessa obra que a francesa Jeanne Moreau interpreta a can��o de Peer Raben, cujas palavras – “Todo homem mata aquilo que ama” – soam como epit�fio de Rainer Werner Fassbinder.
“FASSBINDER: ASCENS�O E QUEDA DE UM G�NIO”
Longa dirigido por Oskar Roehler. Com Oliver Masucci, Katja Riemann, G�nther Kaufmann e Kurt Raab. Dispon�vel na plataforma Cinema Visual