O piano � territ�rio livre em novos discos de Andr� Mehmari e Diogo Monzo
Com os �lbuns 'Notturno 20>21' e 'Sebastiana', os pianistas abra�am o improviso, enquanto rendem homenagem ao barroco e aos ritmos brasileiros, respectivamente
"Esse �, talvez, o �lbum mais introspectivo e mais intimista de todos que eu j� lancei. N�o � toa ele se chama 'Notturno', porque foi gravado nas madrugadas insones do primeiro semestre deste ano. � um repert�rio profundamente reflexivo"
Andr� Mehmari, pianista
Dois �lbuns gravados por
pianistas
virtuosos que acabam de vir � luz prop�em ao ouvinte viagens com diferentes destinos – no tempo e no espa�o.
Diogo Monzo
, que em 2015 figurou com destaque no site Melhores da M�sica Brasileira e desde ent�o vem mantendo esse posto, acaba de lan�ar seu quinto t�tulo, “
Sebastiana
”.
Projeto exclusivamente instrumental e autoral com o selo Biscoito Fino, o disco explora a diversidade e a contemporaneidade dos ritmos brasileiros de norte a sul do pa�s.
J�
Andr� Mehmari
chega com “
Notturno 20>21
”, em que apresenta temas pr�prios, improvisos, uma m�sica de Hermeto Paschoal e composi��es de autores europeus, com foco no barroco, passando por It�lia, Alemanha e Fran�a, abarcando, portanto, um arco que cobre desde o s�culo 17 at� os dias atuais.
Embora “Notturno 20>21” contemple um vasto mosaico musical, Mehmari considera que � um trabalho que tem unidade, na medida em que os temas encontram um ponto de converg�ncia que � dado pelo car�ter reflexivo e intimista da obra.
Trata-se do primeiro �lbum de piano solo que ele lan�a e foi todo concebido e executado em seu est�dio, o Monteverdi. Na opini�o do pianista e compositor, “Sarabande”, de J. S. Bach, se conecta, sem atritos, com “Uma valsa em forma de �rvore”, de sua autoria, por exemplo.
“O repert�rio � amplo, vai do s�culo 17 at� Hermeto Pascoal, passando pelos improvisos, mas percebo que existe ali um fio condutor, que � o estado de esp�rito reflexivo e intimista”, diz ele. “Embora a gente passe de um per�odo a outro e de uma latitude a outra a largos passos, sinto que s� essas pe�as poderiam estar ali, porque elas t�m uma intera��o entre si. Sinto que Brahms conversa com Louis Couperin, que � representante do barroco franc�s. E a gente tamb�m pode ver essa influ�ncia do barroco nos improvisos”, aponta.
A ideia inicial de Mehmari era fazer um �lbum inteiro de improvisos ao piano solo, mas “Notturno 20>21” acabou ganhando uma caracter�stica diferente, a partir do momento em que abra�ou a m�sica barroca.
“Achei que existia uma fei��o pr�pria desse �lbum no encontro dessas pe�as e acabei incluindo s� tr�s improvisos na vers�o que est� para streaming e oito faixas b�nus na vers�o que est� no meu site”, diz.
Ele afirma que os temas de outros autores que comp�em o repert�rio o acompanham h� d�cadas e conta que, agora, at� mesmo em fun��o do atual cen�rio da pandemia, resolveu “mergulhar” nesse material e fazer o registro.
No texto de apresenta��o do �lbum, o cr�tico de m�sica erudita Irineu Franco Perp�tuo observa que, em raz�o do car�ter barroco da obra, as interpreta��es s�o informadas pelo profundo conhecimento e amor de Mehmari pelo cravo – que ele, no entanto, optou por n�o usar, apesar de ter o instrumento dispon�vel em seu est�dio e de toc�-lo com desenvoltura.
O instrumentista explica que resolveu registrar tudo ao piano, mesmo o repert�rio do s�culo 17 pensado para cravo, como uma forma de buscar novas cores e novos significados para as composi��es.
“Gosto de transpor para o piano algo que n�o foi composto para ele. Tem a ver com as din�micas que fa�o, extremamente contrastantes. Tenho o cravo, tenho como tocar com o temperamento da �poca, mas quis revisitar esse repert�rio t�o amplo ao piano solo”, aponta.
ESTADO DE ESP�RITO
Inteiramente executado, gravado, mixado e masterizado por Mehmari, “Notturno 20>21” reflete estes tempos pand�micos de isolamento social. “Acho que toda produ��o de um artista neste momento em alguma medida reflete o estado de esp�rito dele e o estado do tempo em que ele vive”, diz.
“Mas esse �, talvez, o �lbum mais introspectivo e mais intimista de todos que eu j� lancei. N�o � toa ele se chama ‘Notturno’, porque foi gravado nas madrugadas insones do primeiro semestre deste ano. � um repert�rio profundamente reflexivo”, ressalta.
Se o desejo de fazer um �lbum de piano solo vem desde o ano passado, quando lan�ou com seu trio instrumental o “M�sica para uns tempos de c�lera”, a efetiva feitura da obra teve in�cio em mar�o deste ano.
Ele diz que, diferentemente de “No�l: Estrela da Manh�”, que tamb�m veio a p�blico no ano passado e foi todo gravado em uma �nica madrugada, a execu��o de “Notturno 20>21” demandou um per�odo de tempo maior.
O �lbum, conforme aponta, traz duas composi��es in�ditas, escritas recentemente, “O tema que n�o entrou no filme” e “Rio antigo”, al�m, naturalmente, dos tr�s improvisos, batizados como “Expresso notturno 1: agitato”, “Expresso notturno 2: corale” e “Expresso notturno 3: stazione termini”.
Sobre “O tema que n�o entrou no filme”, Mehmari diz tratar-se exatamente disso: “� uma m�sica que integra um conjunto de composi��es que fiz para uma trilha sonora de 2012, da s�rie ‘Suburbia’, e esse tema acabou ficando de fora. Reencontrei o caderno de anota��es daquela �poca, fiz uma segunda parte para ele agora em 2021 e a faixa veio finalmente � luz com esse hiato de nove anos”, explica.
Por outro lado, ele diz, o repert�rio tamb�m guarda composi��es de sua autoria com mais de duas d�cadas, caso de “Uma valsa em forma de �rvore”, que � de 1998.
�PERA
Artista extremamente prol�fico, Mehmari diz que a chegada da pandemia n�o o impediu de manter a m�dia de tr�s a quatro lan�amentos por ano, e que, al�m de sua produ��o discogr�fica, tem composto muito sob encomenda – inclusive para a Orquestra Ouro Preto, que deve estrear em breve uma obra sua – e trabalhado em uma �pera, o que lhe tem demandado muito. N�o tanto a ponto de impedi-lo de se desdobrar em outras frentes.
“Tenho me ocupado muito em gerenciar o meu est�dio, que virou um centro de produ��o muito importante durante a pandemia. Tenho recebido alguns artistas, a M�nica Salmaso, o Z� Miguel Wisnik, que v�m gravar aqui, ent�o virei tamb�m videomaker, fot�grafo, editor de v�deo”, conta.
“Descobri essa vertente minha de produ��o de conte�do, ent�o investi em equipamento. A vida de viagens que foi interrompida me abriu um portal de produ��o aqui no est�dio bastante intenso, ent�o gravo outros artistas, atuando como engenheiro de som, produtor de v�deo e o que mais precisar”, comenta.
Ele avalia que essa reorienta��o est� em conson�ncia com o atual momento. “A vida mudou completamente, e a gente quer sempre fazer o melhor nos formatos dispon�veis. Esse formato de conte�do digital � o que h� neste momento.”
Em rela��o � retomada de atividades culturais presenciais, ele segue cauteloso. “Essa ideia dos palcos continua bastante nebulosa, o quando voltar e o como vai ser. Para mim, o retorno est� bastante lento, sou muito criterioso. Desde o in�cio da pandemia, fiz apenas duas apresenta��es, e sem p�blico”, afirma.
“Notturno 20>21”
Andr� Mehmari
16 faixas
Dispon�vel nas plataformas digitais
(foto: Igor Gripp/Divulga��o
)
"A minha inten��o foi desenvolver pequenos temas a partir de ritmos brasileiros, como bai�o, frevo, maracatu, samba, choro, que se entrela�am e ganham corpo atrav�s dos momentos de improvisa��o"
Diogo Monzo, pianista
REVER�NCIA � M�SICA BRASILEIRA
Se Andr� Mehmari contemplou um vasto mosaico de compositores em seu novo �lbum, o pianista, arranjador e compositor Diogo Monzo optou por centrar foco numa produ��o autoral e in�dita no disco que acaba de lan�ar, intitulado “Sebastiana” em homenagem � sua av�, que morreu poucos dias antes do in�cio das grava��es, em janeiro deste ano.
Das 11 faixas, apenas uma n�o leva a sua assinatura – “Chorinho para Fernanda P�stress”, de Luiz E�a – e s� duas n�o s�o in�ditas, “Segredos” e “Meu samba parece com qu�?”.
A inclus�o de Luiz E�a no repert�rio deve-se ao fato de ele ser assumidamente a maior influ�ncia de Monzo, cujo mestrado, conclu�do em 2016 na UnB, foi sobre a obra do pianista fundador do Tamba Trio.
IN�DITA
“Eu j� tinha gravado uma outra m�sica in�dita dele, porque a vi�va, Fernanda Quinder�, tem disponibilizado essas partituras que permaneciam guardadas. Tenho tido o cuidado de fazer o registro dessa obra porque ele � realmente uma influ�ncia grande na minha trajet�ria, me impactou muito”, diz.
Monzo afirma que a base erudita aplicada a uma forma de tocar “voltada para o Brasil” � o que chama a sua aten��o em Luiz E�a. Com uma discografia que inclui t�tulos como “Meu samba parece com qu�?” e “Diogo Monzo filho do Brasil”, ele estima que “Sebastiana” aprofunda seu interesse pela m�sica brasileira.
“A minha inten��o foi desenvolver pequenos temas a partir de ritmos brasileiros, como bai�o, frevo, maracatu, samba, choro, que se entrela�am e ganham corpo atrav�s dos momentos de improvisa��o”, define. “Sempre procuro nos meus discos trabalhar essa coisa da cultura musical brasileira, mas deixando muito espa�o aberto para a improvisa��o.”
Ele diz que “Sebastiana” representa, contudo, uma experi�ncia nova, j� que nunca tinha composto temas a partir de ritmos. “Eu nunca tinha escrito um frevo, por exemplo, ent�o acaba saindo de um jeito meu. Acho bacana isso, voc� criar a partir de quem voc� �, porque a� acaba misturando tradi��o e inova��o, sempre com a contribui��o das pessoas com quem voc� est� tocando. � a forma como eu me relaciono com esses ritmos. Cada m�sico se relaciona de um jeito, na hora a gente junta tudo isso e colhe os frutos”, diz.
A prop�sito, ele conta com o acompanhamento do baixo de Bruno Rejan e da bateria de Di St�ffano na maioria das faixas, al�m do viol�o de Roberta Mourim em uma delas. Monzo cita que j� tinha gravado alguns temas com o baterista e com o baixista e que tinha o desejo de executar um �lbum completo ao lado dos dois m�sicos.
Assim, as faixas de “Sebastiana” foram gravadas em trios, duos e, no caso do tema de Luiz E�a, ao piano solo. “Tem uma improvisa��o no disco para a qual convidei a Roberta Mourim, que, assim como eu, tamb�m est� fazendo doutorado. Essa pe�a tem a ver com criar livre, deixar acontecer naquele momento. A forma como as faixas se apresentam foi uma coisa meio natural. Em tr�s dias de grava��o, fomos estipulando esses formatos, experimentando as m�sicas, os temas.”