
No final de 1993, foi lan�ada a c�dula de 500 mil cruzeiros (R$ 181). De vida curta, circulou at� setembro do ano seguinte. Mas, na �poca de seu lan�amento, era a mais almejada, pois era a de maior valor em circula��o no pa�s.
Para al�m do sarro que o porteiro havia tirado dele, Pascoal tinha l� que concordar: eram muito parecidos. Uns anos antes, na d�cada de 1980, ele se recordava, havia lido alguns poemas de M�rio. Mas, at� ent�o, nunca tinha realmente atentado para o fato da semelhan�a entre eles.
Dez anos mais tarde, o ator recebeu um telefonema do diretor Ulysses Cruz. A Rede Globo estava preparando uma miniss�rie hist�rica para celebrar os 450 anos de S�o Paulo (em 2004), e ele o estava convidando para viver M�rio de Andrade em “Um s� cora��o”.
PESQUISA
Uma coisa � viver um personagem, Pascoal j� tinha interpretado v�rios. Outra era viver uma figura real, brilhante, de enorme influ�ncia na cultura brasileira. Para entrar na empreitada (que lhe abriu um leque de op��es, pois desde ent�o j� viveu M�rio em v�rios projetos diferentes), o ator tinha que estudar a fundo a vida e a obra dele. E j� no in�cio da pesquisa descobriu uma coincid�ncia: ambos haviam nascido em S�o Paulo em 9 de outubro – s� que com 60 anos de diferen�a.
� neste 9 de outubro, que marca os 68 anos de nascimento de Pascoal e os 128 de M�rio, que o ator d� in�cio a uma nova empreitada em torno do escritor. “M�rio de Andrade desce aos infernos” se desdobra em espet�culo, webs�rie e ciclo de confer�ncias. A temporada que come�a neste s�bado se estende at� novembro, nos canais digitais de v�rios teatros paulistanos – � tudo gratuito e on-line.

TEMPORADA
Gravado no Teatro Oficina (onde ele atuou por v�rios anos), o espet�culo apresenta Pascoal interpretando textos de M�rio em poesia, prosa, confer�ncia e cr�nica. A temporada antecipa as comemora��es do centen�rio da Semana de Arte Moderna, ocorrida no Theatro Municipal de S�o Paulo, em fevereiro de 1922. Com M�rio como uma das figuras de frente, o evento marcou o in�cio do modernismo no Brasil.
“‘M�rio de Andrade desce aos infernos’ � resultado de tudo o que tenho lido desde que vi como era parecido com ele. Sou um ator, um atleta das emo��es, e tento trazer para a contemporaneidade tudo o que ele falou. N�o falta em revista, literatura e museu a obra de M�rio. Embora sejam muito interessantes, tais coisas est�o prontas. O que me interessa � o que h� de vir a partir do que ele prop�e”, afirma Pascoal.
A vers�o on-line do projeto � uma evolu��o do espet�culo solo de mesmo nome que o ator criou h� 15 anos. O t�tulo “M�rio de Andrade desce aos infernos” foi tirado do poema hom�nimo que Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) escreveu quando foi surpreendido pela morte de M�rio, de infarto, aos 51 anos, em 25 de fevereiro de 1945.
“Daqui a vinte anos, farei teu poema/e te cantarei com tal suspiro/que as flores pasmar�o, e as abelhas,/confundidas, esvair�o seu mel”, escreveu o poeta mineiro em homenagem ao paulistano, com quem manteve uma rela��o de amizade iniciada na juventude e que se estendeu durante toda a vida.
A rela��o entre os dois poetas foi traduzida em dezenas de cartas trocadas entre 1924 e 1945, material que pode ser encontrado em dois livros: “Carlos & M�rio” (2002, Bem-Te-Vi) e “A li��o do amigo” (2015, Cia. das Letras).
Nos estudos que empreendeu em torno da personagem hist�rica, o ator descobriu a fisicalidade que o texto de M�rio exige. “A Semana de Arte Moderna aconteceu em um teatro. Os escritores falaram seus textos em p�blico, na escadaria do Municipal. Havia uma performance, uma ‘musculatura’ ali. Inclusive, M�rio fala no ‘Paulic�ia desvairada’ (1922, marco da poesia modernista brasileira, introduziu o uso livre da m�trica) que quem n�o soubesse gritar, rosnar n�o saberia ler os poemas dele.”

CL�SSICOS
Outros trabalhos relidos pelo ator no espet�culo s�o o cl�ssico “Macuna�ma, o her�i sem nenhum car�ter” (1928) e “Medita��o sobre o Tiet�” (1945), �ltimo dos poemas escritos por M�rio, que traz refer�ncias ao meio-ambiente e � pol�tica.
Pascoal n�o mudou uma v�rgula dos textos originais. Mas acredita que o Brasil de hoje pode refletir sobre escritos de um s�culo atr�s. “A Semana de Arte Moderna n�o � um marco inicial, pelo contr�rio, acaba sendo um alto-falante daquele momento. O que a antecede � um Brasil ainda escravista, em d�vida sobre a democracia, e uma pandemia (a gripe espanhola).” Ele observa que o centen�rio da Semana de 22 vai encontrar novamente um pa�s mal resolvido enfrentando v�rias quest�es urgentes.
Desde a sua realiza��o, que reuniu intelectuais e artistas como Oswald de Andrade, Anita Malfatti, Menotti Del Picchia, Heitor Villa-Lobos, Victor Brecheret e Di Cavalcanti, a Semana de 22 – que em sua �poca rompeu com os padr�es europeus, que dominavam a produ��o nacional, dando in�cio � constru��o de uma cultura assumidamente brasileira – � celebrada de tempos em tempos.
O pr�prio M�rio de Andrade, em 1942, quando dos 20 anos do evento paulistano, apresentou, no Minist�rio das Rela��es Exteriores, no Rio de Janeiro, a confer�ncia “Movimento modernista”. No longo texto, seu autor afirmou que o Modernismo trouxe para o pa�s a “fus�o de tr�s princ�pios fundamentais: o direito permanente � pesquisa est�tica, a atualiza��o da intelig�ncia art�stica brasileira, e a estabiliza��o de uma consci�ncia criadora nacional”. A novidade, segundo ele, foi a uni�o das tr�s normas que criaram uma “consci�ncia coletiva”.
Na �ltima semana deste m�s, haver� uma oficina para leitura da confer�ncia com grupos de teatro convidados por Pascoal: Os Crespos e as companhias Pr�xima, Dolores e Refinaria. Encerrando o ciclo, que ser� transmitido ao vivo, ser� realizada a palestra de Marcos Antonio de Moraes, professor de literatura brasileira que realizou mestrado e doutorado em torno da obra de M�rio de Andrade.
“M�RIO DE ANDRADE DESCE AOS INFERNOS”
Espet�culo on-line interpretado e dirigido por Pascoal da Concei��o. Estreia neste s�bado (9/10), �s 21h, nos canais do YouTube e do Facebook do Teatro Arthur Azevedo (reprise domingo, 10/10, �s 19h). Outras transmiss�es, tamb�m nas redes sociais dos respectivos teatros: 15 e 16/10, 21h; e 17/10, 19h, no Teatro Alfredo Mesquita; 22 e 23/10, 21h; e 24/10, �s 19h, no Teatro Cacilda Becker; 29 e 30/10, 21h; e 31/10, �s 19h, no Teatro Jo�o Caetano; 5 e 6/11, 21h; e 7/11, �s 19h, no Teatro Paulo Eir� (este somente Facebook). Em formato de webs�rie, com nove epis�dios, o espet�culo ser� apresentado de 10 a 22/10, �s 11h e �s 21h, no YouTube (youtube.com/PascoaldaConcei��o1). De 25 a 29/10, �s 16h, no mesmo canal, ser� realizada oficina de leitura da confer�ncia “O movimento modernista” com grupos teatrais de S�o Paulo