“Quando a gente foi gravar o disco l� em Araras (SP), no est�dio da (gravadora) Rocinante, elas resolveram que a foto do disco seria com n�s dois pelados. O Jards falou: ‘Constrangedor’. Tiramos as fotos no meio do mato. N�o � uma coisa feia, imoral, tem uma inoc�ncia de beb�, que anda nu e ningu�m repara”, diz Donato.
Admirador desde a mais tenra inf�ncia e agora parceiro de Donato, Macal� endossa a hist�ria – com um pequeno ajuste –, revelando o esp�rito que guia esse trabalho, que une, pela primeira vez, esses dois pilares da MPB.
“A mulher do Jo�o teve essa ideia fant�stica. Ficamos pelados no meio do mato, o Jo�o ficava falando: ‘Constrangedor’. Mas nos enfiamos ali no maior despojamento. � isso, essa foto � o despojamento de dois criadores de m�sica, que fizeram juntos um disco que � uma tr�gua no meio dessa loucura, sem pretens�o alguma de ser algo extraordin�rio, s� uma manifesta��o de dois m�sicos no meio dessa confus�o”, diz.
Com efeito, o encontro entre os dois artistas, proposto pelos s�cios da gravadora Rocinante – Sylvio Fraga, Pep� Monnerat e Marlon Sette, que tamb�m s�o m�sicos e participaram das grava��es – resultou num �lbum vibrante, “um caleidosc�pio sonoro que alivia tens�es”, nas palavras de Macal�, que induz felicidade. Ele diz que isso n�o foi algo planejado, para que o disco soasse como ant�doto contra estes tempos dif�ceis; foi apenas uma express�o genu�na da felicidade do encontro.
RECREIO
“A m�sica correu f�cil. Acho que isso estava dentro da gente, essa necessidade de dar uma aliviada nas tens�es. Eu brincava: Ah, que bom, � hora do recreio. � um disco que d� uma inje��o de endorfina, d� um empurr�o na felicidade, que est� presente nos ritmos, nas melodias”, diz Macal�, chamando a aten��o para o fato de que a m�sica de abertura, “Coco t�xi”, come�a com o grito “Alegria” – sentimento que as demais faixas sustentam ao longo de todo o �lbum.
Um dos singles lan�ados para anunciar o disco, “Coco t�xi” � a �nica m�sica do repert�rio de “S�ntese do lance” efetivamente feita a quatro m�os por Donato e Macal�. Em diferentes momentos, eles j� andaram no coco t�xi, um triciclo envolto por um grande coco, pitoresco meio de transporte usado por turistas em Havana, Cuba.
“� um ve�culo inseguro. A cada esquina parece que ele vai virar”, diverte-se Macal�, que identifica na m�sica um saboroso “balan�o cubano latino-americano”. As outras nove faixas foram criadas separadamente.
Macal� comp�s, sozinho, “Jo�o Duke” (homenagem instrumental que aproxima Jo�o Donato e Duke Ellington) e “L�dice”; ao lado de Joyce Moreno, ele assina “Um abra�o no Jo�o”; e com Ronaldo Bastos apresenta “O amor vem da paz”, que celebra uma d�cada de uni�o com sua mulher, Rejane Zilles.
J� Donato responde pela faixa-t�tulo, que fez em parceria com Marlon Sette, tamb�m coautor, juntamente com Sylvio Fraga, de “Caruru” e de “A�afr�o”. Assim como o carioca Macal�, o pianista acriano presta uma homenagem � sua esposa, Ivone Bel�m, com quem vive h� 22 anos, com a faixa “Dona Castorina”.
''Gosto de Jards h� muito tempo. Quando nos encontramos, ele me disse que gostava de mim h� muito tempo. S� n�o tinha acontecido ainda a oportunidade de nos dizermos isso. Dolores Duran, que foi minha noiva, e Vinicius de Moraes, que foi muito meu amigo, n�o tivemos a chance de fazer nada juntos, porque n�o deu tempo. Com Jards deu, fizemos esse disco e estamos lan�ando porque gostamos''
Jo�o Donato, cantor e compositor
ADMIRA��O M�TUA
Donato, que diz estar num momento de muito interesse pelos textos b�blicos, observa que o alto astral que perpassa “S�ntese do lance” � uma extens�o do que os autores da obra sentiram a partir do convite dos diretores da Rocinante para gravarem juntos.
“Quando me fizeram essa proposta, eu pulei da cadeira, porque gosto de Jards h� muito tempo. Quando nos encontramos, ele me disse que gostava de mim h� muito tempo. S� n�o tinha acontecido ainda a oportunidade de nos dizermos isso. Dolores Duran, que foi minha noiva, e Vinicius de Moraes, que foi muito meu amigo, n�o tivemos a chance de fazer nada juntos, porque n�o deu tempo. Com Jards deu, fizemos esse disco e estamos lan�ando porque gostamos”, afirma.
Macal�, por sua vez, exprime com a mesma �nfase a felicidade de poder dividir um projeto com Donato. “Sou f� desde criancinha. Quando comecei a perseguir a m�sica, ali na d�cada de 60, ele foi um dos que ca�ram na minha prefer�ncia direto. Tocando com ele agora, me lembrei de que naquela �poca tinha quatro ‘jotas’ que eu adorava e ainda adoro, meus mestres, Johnny Alf, Jo�o Gilberto, Jobim e Jo�o Donato. Fui muito amigo dos tr�s primeiros, Donato era quem faltava na minha cole��o de amizades, e a gente se aproximou muito naturalmente, atrav�s do humor tamb�m. M�sica e humor neste cen�rio atual salvam”, diz.
Segundo Donato, “a m�sica pode ser divina em certas ocasi�es”. Ainda sobre o papel da m�sica, ele diz: “N�o quero comparar minha m�sica com a de ningu�m, mas tem muita m�sica por a� que faz mal. E a nossa � feita com a garantia dos melhores ingredientes e das melhores inten��es. N�o foi feita para ganhar dinheiro nem para conquistar namorada. Na ‘B�blia’, tem v�rias p�ginas dedicadas � m�sica, o Dizzy Gillespie, que conheci por meio do Lalo Schifrin, foi quem me abriu os olhos para isso, me mostrou o salmo de Davi, os c�nticos de Salom�o, s�o todos dedicados aos m�sicos”, aponta.
Para explicar melhor o prop�sito e o modo de feitura de “S�ntese do lance”, Donato recorre � faixa “Coco t�xi”. “Ela e outras tantas do disco n�o querem dizer nada, mas n�o ofendem ningu�m, t�m mais inoc�ncia do que inten��o. A m�sica cubana tem muito disso, elas n�o querem dizer nada, s�o m�sicas que voc� ouve como se fosse uma historinha para crian�a, uma parlenda. Acho isso bonito.”
Ele aproveita a deixa para falar mais do povo e da m�sica de Cuba, cujos elementos sempre estiveram presentes em sua obra. “O povo cubano � feliz o tempo todo, 24 horas por dia, e sem que haja motivo para isso, porque eles n�o t�m dinheiro, n�o t�m comida, n�o t�m nada, s� t�m a m�sica, que � das coisas que est�o mais perto do c�u. A gente pede muita coisa, em vez de agradecer o que j� nos foi dado. Comecei a ser mais feliz quando deixei de querer tanta coisa. Estar vivo j� � de bom tamanho, porque, com certeza, algu�m acabou de morrer ainda agora h� pouco. Se voc� n�o se diverte, voc� perdeu sua viagem da vida.”
''Quando comecei a perseguir a m�sica, ali na d�cada de 60, ele (Jo�o Donato) foi um dos que ca�ram na minha prefer�ncia direto. Tocando com ele agora, me lembrei de que naquela �poca tinha quatro 'jotas' que eu adorava e ainda adoro, meus mestres, Johnny Alf, Jo�o Gilberto, Jobim e Jo�o Donato. Fui muito amigo dos tr�s primeiros, Donato era quem faltava na minha cole��o de amizades''
Jards Macal�, cantor e compositor
TRIBUTO
A exist�ncia de “S�ntese do lance” – t�tulo que alude tanto ao exerc�cio de extrair o n�ctar e chegar ao �mago quanto ao fato de condensar todas as refer�ncias musicais que a dupla cultivou ao longo da vida – se deve, em parte, a um outro �lbum, que deve ser lan�ado em breve pela Rocinante, em que Macal� interpreta a obra de Z� Keti.
Quer�amos gravar um disco com o Donato e t�nhamos acabado de gravar um com o Jards prestando tributo ao Z� K�ti. Um dia, deu um estalo e imaginei os dois compondo, tocando e cantando juntos. Eles toparam na hora”, conta Sylvio Fraga.
O projeto do �lbum em homenagem a Z� Keti surgiu a partir de um aceno de Sergio Krakowski, percussionista brasileiro radicado em Nova York, que convidou Macal� para cantar esse repert�rio acompanhado por seu trio.
“Esse convite veio h� tr�s anos. Agora, por conta do centen�rio, Z� Keti at� est� em evid�ncia, mas naquele momento ningu�m falava dele aqui no Brasil, por isso me interessei e acabei indo trabalhar esse repert�rio nos Estados Unidos”, diz Macal�.
“B�BLIA”
Na conversa com a reportagem, Donato come�ou falando de seu crescente interesse pela “B�blia” e avisou que n�o ia se prolongar no tema para “n�o parecer prega��o”. N�o � um interesse excludente ou redutor, conforme ele aponta. Prova disso � que a faixa-t�tulo do �lbum tem uma c�lula r�tmica que parte de um ponto de umbanda da entidade Z� Pelintra.
“O Marlon (Sette), que foi quem dirigiu as grava��es, gostou de imediato, adorou o refr�o, que diz: ‘� no morro, sim, / que se tira uma onda / � sentado na pedra queimando uma coisa / jogando uma ronda’. Depois eu falei que era um ponto de macumba do Z� Pelintra. � um neg�cio t�o bom quanto um hino da igreja. O ‘S�ntese do lance’ � isso tamb�m, n�o ter preconceito, n�o se importar se a m�sica � branca, preta, se � de umbanda, de quimbanda, cat�lica ou evang�lica”, aponta Donato.
Ainda sobre seu interesse pelas Sagradas Escrituras, ele diz: “Passei a ler a ‘B�blia’ mais, ent�o n�o vou dizer que � sem raz�o que estou melhorando. Ela aconselha a gente de uma maneira t�o feliz. Tudo o que voc� l� ali faz um bem de pensamento, de a��o, de atitude, de sentimento e de sa�de tamb�m, a gente fica mais sadio, quase mais santo, porque ‘s�o’ tem a ver com uma coisa e com outra. � muito bom quando a gente come�a a se encontrar com as palavras de Deus, elas v�m refrescar nossas lembran�as, a gente deixa de sofrer tanto, de pensar tanto, fica tudo bem mais f�cil. Foi assim que me entendi nas p�ginas da ‘B�blia’”.
“S�ntese do lance”
• Jo�o Donato e Jards Macal�
• Rocinante (10 faixas)
• Lan�amento nesta sexta-feira (22/10)