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Estado de Minas LITERATURA

Biografia de Jo�o Gilberto explica o qu� que o baiano tinha de t�o especial

Livro de Zuza Homem de Mello deixa de lado quest�es familiares e se concentra na trajet�ria profissional do cantor baiano. Lan�amento ser� em novembro


19/10/2021 04:00 - atualizado 19/10/2021 07:44
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O cantor João Gilberto olha para baixo, enquanto toca violão durante um show
Biografia deixa de lado quest�es familiares e se concentra na trajet�ria profissional de Jo�o Gilberto (1931-2019), a quem o autor considerava o maior revolucion�rio do samba no Brasil (foto: Orlando Suero/O Cruzeiro/EM/D.A Press)

�s 22h30 de um s�bado, 3 de outubro de 2020, Zuza se deitou ao lado de Erc�lia. Estava exausto, mas feliz. Havia acabado de revisar a lista de agradecimentos da biografia sobre Jo�o Gilberto (1931-2019) e escrito, sem que a mulher soubesse, as palavras que fechavam sua obra.

Eram essas: “Finalmente a voc�, minha amada Erc�lia, companheira que o destino – destino em termos, � verdade – me concedeu para trilharmos juntos o caminho certo dos encantos da natureza, da pureza das amizades, do amor dos filhos e netos e do esplendor da m�sica, desfrutando a plenitude da vida e conservando ‘a mente quieta, a espinha ereta e o cora��o tranquilo...’ Zuza, primavera de 2020”.


Como se cumprisse uma promessa feita a si e a Erc�lia por muitas vezes, a de s� ir embora depois de escrever sobre o maior de todos os gigantes que viu de perto e em a��o, incluindo Thelonious Monk, Ella Fitzgerald, Miles Davis e Ornette Coleman, Zuza partiu minutos depois de deixar algo que j� n�o seria mais uma biografia. 

"Amoroso'', o livro sobre Jo�o, traz o mais fact�vel de todos os entendimentos publicados sobre a vida, o viol�o e a voz de um organismo indivis�vel e complexo, crian�a e milenar, leve e intenso. Mais do que narrar fatos cronol�gicos, a vida de Jo�o se conta por um cruzamento de almas, como se Zuza Homem de Mello tivesse vivido 87 anos para entender Jo�o Gilberto.

FONTES 


“Amoroso – Uma biografia de Jo�o Gilberto'' ser� lan�ado pela Editora Companhia das Letras em 4 de novembro, mas o livro j� est� em pr�-venda. O pesquisador fez 48 entrevistas para ampliar e aprofundar um primeiro livro sobre Jo�o publicado como ensaio pela Publifolha, em 2001. Vasculhou arquivos de jornais e sua pr�pria hemeroteca e viajou para Porto Alegre e Rio de Janeiro ao lado de Erc�lia em busca de novas fontes. 

Nas primeiras p�ginas, uma dedicat�ria � feita a outro Jo�o: “Para Jo�o Bosco, meu amigo t�o querido, superlativo integrante de honra da galeria da nobreza da m�sica brasileira. Ouvindo voc� e ouvindo Jo�o Gilberto vivo momentos inesquec�veis, os mais sublimes da m�sica”.

Durante o per�odo mais grave da pandemia, Zuza trabalhava duro. “Ele ia dormir entre 22h30, 23h e acordava �s 3h. Trabalhava at� as 7h, e dormia de novo at� as 10h. E, depois do almo�o, seguia trabalhando. Foi assim at� o fim”, conta Erc�lia. 

O pesquisador Zuza Homem de Mello durante entrevista à TV Cultura
Zuza Homem de Mello reviu e ampliou o ensaio que escreveu em 2001 para a Publifolha. O livro editado pela Companhia das Letras chega �s livrarias no m�s que vem (foto: TV Cultura/divulga��o)


MIST�RIO

 
Das maiores realiza��es que Zuza sentia, conforme contava a amigos pr�ximos, estavam partes do livro que julgava importantes para desvendar o que a falta de entendimento fez se tornar mist�rio. Zuza disse � reportagem que n�o iria apostar no anedot�rio sedutor e mitol�gico.

“Eu s� vou contar aquilo que eu apurar, aquilo do que tiver certeza.” E citou, como exemplo, a hist�ria do gato que teria pulado da janela por n�o aguentar mais Jo�o ensaiando. “Algu�m entrevistou o gato para saber se era isso mesmo?”

Assim, Zuza n�o despreza o pitoresco de Jo�o, ou n�o seria Jo�o, mas foca em informa��es entremeadas a insights que levam o leitor a uma biografia reflexiva. � preciso habilidade para falar de termos mais t�cnicos de uma forma que qualquer um possa entender. 

N�o � f�cil, por exemplo, explicar o que s�o as famosas s�ncopas que Jo�o usava em suas divis�es, mas Zuza consegue. Ele usa um exemplo primitivo, as palmas, para explicar o que, na m�sica de Jo�o, trazia a “sensa��o do impulso”.

Eis o exemplo: “O leitor decerto j� se sentiu impelido a estalar os dedos ou bater palmas em algum show de m�sica. Voc� deve ter batido suas palmas no tempo forte, o primeiro dos dois tempos do compasso bin�rio... Voc� bate palmas, aguarda um instante, e bate de novo. Esse instante da pausa � o segundo tempo, o tempo fraco ou d�bil. Se um belo dia voc� bater palmas justamente no segundo tempo, ao contr�rio da maioria da plateia, perceber� uma sensa��o de leveza, um impulso r�tmico maior”. E segue at� mostrar como Jo�o acentuava tempos que outros minimizavam.

Al�m de n�o perseguir a trilha do anedot�rio, o livro evita tamb�m as disputas fami- liares. Havia pouco, muito pouco de normalidade tamb�m no entorno de Jo�o, e muitos epis�dios, mesmo p�blicos, que envolveram personagens como as mulheres Claudia Faissol, Maria do C�u e os filhos Bebel e Jo�o Marcelo n�o t�m espa�o. 

“Ele n�o queria saber dos problemas da fam�lia do Jo�o”, diz Erc�lia. Suas apostas seguem por caminhos que ajudam a entender de que material era feita a ess�ncia do artista.

HARMONIA 


Porto Alegre era uma dessas caixas-pretas. Foi l� que Zuza se deparou com personagens obscuros e com as primeiras pistas sobre o in�cio da sofistica��o da harmonia de Jo�o Gilberto. Frustrado com o Rio, no ver�o de 1955, Jo�o partiu para Porto Alegre ajudado pelo m�sico Luis Telles, ga�cho do conjunto vocal Quitandinha Sereneders, que tinha Luiz Bonf� como um dos integrantes. 

Pois � na capital ga�cha que ele encontra uma das figuras at� ent�o menos conhecidas dessa hist�ria, o compositor erudito Armando Albuquerque. E um dos momentos que fazem a biografia ser mais que uma biografia est� aqui: “Que motivo haveria para a conviv�ncia restrita � m�sica entre Jo�ozinho e Armando? Entre o universo dos conjuntos vocais e das orquestras sinf�nicas? A meu ver, a resposta s� pode ser uma: a harmonia”. 

A sa�da de Jo�o de Juazeiro da Bahia n�o foi o in�cio imediato de uma consagra��o. A vida no Rio seria dura, at� que algu�m acreditasse em seu talento. 

Zuza persegue os passos do baiano desde a pequena cidade vizinha-irm� de Petrolina para saber, al�m das hist�rias j� conhecidas mas incontorn�veis – como a generosidade com os pobres, o comportamento na sala de aula e o dia em que ele voltou � cidade para o vel�rio do pai e passou o tempo todo tocando viol�o, triste, na pra�a em frente � sua casa –, como � que Jo�o come�ou a ser Jo�o.

� onde entra o faro de Zuza. Ele faz quest�o de se ater na for�a dos alto-falantes da cidade, �nico meio de se ouvir m�sica antes que as primeiras emissoras pudessem ser captadas. Chega a levantar as marcas das pe�as concorrentes, Alto-Falante Comercial, Alto-Falante Guarani e Alto-Falante Para�so, e, o mais importante, que vozes sa�am deles: Bing Crosby, Carlos Galhardo, Francisco Alves, Silvio Caldas, Dalva de Oliveira e Orlando Silva, enumera. Orlando, ser� dito mais de uma vez, ser� para sempre o cantor preferido de Jo�o. 

� gra�as a Orlando que Jo�o, na percep��o de Zuza, come�a a entender que as melodias n�o precisam estar acorrentadas aos tempos r�tmicos. “Jo�o admirava Orlando por suas not�veis qualidades de dic��o, de emiss�o vocal, de vibrato discreto e por uma caracter�stica peculiar: ele imprimia pequenas altera��es na divis�o, promovia antecipa��es e retardos que n�o existiam na melodia original”, descreve o autor.

� DERIVA 

Jo�o segue � deriva nesta primeira fase de Rio. “Morou aqui e acol�, � merc� da benevol�ncia e paci�ncia de ex-companheiros do Garotos da Lua ou de conhecidos que o abrigavam de favor.” � quando ele vai para Porto Alegre em busca de qualquer ref�gio.

H� muitas boas hist�rias, como detalhes do famoso encontro com os Novos Baianos, sutilezas e mais tens�o do que se imagina nas reuni�es com o saxofonista Stan Getz, e com Tom Jobim, para gravarem o �lbum “Getz/Gilberto”, lan�ado em 1964, e que traria uma montanha de dinheiro ao m�sico norte-americano, interven��es de Zuza quando realmente conv�m (quando o texto biogr�fico se aproxima mais das an�lises cr�ticas) e per�odos de textos enviados por fontes que s�o reproduzidos na �ntegra. 

� com eles que vai sendo criado um retrato inevitavelmente reverencial mas rico em �ngulos diferentes. Uma observa��o em muitas dimens�es. O engenheiro de grava��o Moogie Canazio faz uma delas: “Jo�o, diferentemente da maior parte dos m�sicos com quem j� trabalhei, n�o � um cantor que toca viol�o ou um violonista que canta. Ele pr�prio � um som. � sempre considerado problem�tico porque tem uma maneira de cantar e tocar que voc� n�o pode separar...”. 

Zuza revira Jo�o dos avessos e termina reproduzindo, no cap�tulo “Adeus”, um obitu�rio que escreveu para o di�rio O Estado de S. Paulo, publicado em 7 de julho de 2019: “O samba do Brasil teve raros momentos de ruptura a determinarem os cap�tulos de sua hist�ria. O mais revolucion�rio deve-se ao g�nio que j� foi cantar em outra freguesia, Jo�o Gilberto”.


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