
Em fevereiro passado, quando o aumento de casos da COVID-19 obrigou Belo Horizonte a passar por mais um fechamento, o espet�culo "P� de cal (Ray-lux)" estava pronto para estrear sua temporada mineira, no CCBB-BH. A Cia Teatro Independente precisou adiar indefinidamente a estreia.
Oito meses depois, diante de um cen�rio bastante diferente daquele enfrentado no in�cio do ano, a pe�a, com dramaturgia de J� Bilac e dirigida por Paulo Verlings, finalmente p�de ser encenada no centro cultural integrante do Circuito Liberdade, a partir deste fim de semana, at� 15 de novembro pr�ximo.
Para o premiado dramaturgo, um dos expoentes da dramaturgia contempor�nea, a estreia tem gerado curiosidade. "Tenho a impress�o de que o 'pr�-pandemia', quando essa pe�a foi escrita, foi no s�culo passado. S� no �ltimo ano, muitos valores mudaram, e a morte se transformou em uma nuvem energ�tica que paira sobre a nossa vida de tal maneira que se tornou uma ideia muito abstrata. Espero que ela ainda fa�a sentido, mas tenho consci�ncia de que muitas coisas mudaram", afirma J� Bilac.
A observa��o do dramaturgo se refere ao fato de que "P� de cal (Ray-lux)" se passa durante um funeral. A trama parte do suic�dio de um personagem central. Por conta de sua morte, seus familiares precisam se reunir para definir o destino do pai dessa fam�lia. No entanto, eles n�o v�o ao encontro, mas enviam seus representantes.
A ideia de trazer � tona personagens ausentes por meio de outros personagens � inspirada em Constela��o Familiar. Nessa pr�tica terap�utica, os participantes buscam resolver conflitos familiares recriando cenas que envolvam os sentimentos e sensa��es que o constelado tem em rela��o � sua fam�lia.
"Tenho a impress�o de que o 'pr�-pandemia', quando essa pe�a foi escrita, foi no s�culo passado. S� no �ltimo ano, muitos valores mudaram, e a morte se transformou em uma nuvem energ�tica que paira sobre a nossa vida de tal maneira que se tornou uma ideia muito abstrata. Espero que ela ainda fa�a sentido, mas tenho consci�ncia de que muitas coisas mudaram"
J� Bilac, dramaturgo
CONSTELA��O
"Quando o Paulo [Verlings] me apresentou o argumento da pe�a, a minha m�e estava fazendo constela��o familiar. Ao ouvi-la contar, eu achava que aquilo se aproximava demais do teatro, claro que dentro de um contexto terap�utico. A pe�a se passa dentro de um enterro, no qual nenhum parente direto do morto aparece. Essa estrutura da constela��o acabou inspirando esse lugar de como as pessoas terceirizam seus afetos e responsabilidades. Onde deveriam estar, est�o os seus representantes legais", ele explica.
Esse recurso, que nessa montagem � usado a favor do texto, tamb�m surgiu como forma de reunir um elenco diverso, formado pelos atores Carolina Pismel, Isaac Bernat, Orlando Caldeira, Pedro Henrique Fran�a e K�nia B�rbara.
Al�m de tratar de quest�es relativas �s rela��es familiares, "P� de cal" aborda uma s�rie de outros temas contempor�neos, como sa�de mental, masculinidade t�xica e rela��es de trabalho.
"Acho que este texto tem um coment�rio sobre depress�o, tanto que o pai est� deprimido e se faz um jogo de espelho com o filho que morreu. O pai se chama Filho e o filho se chama Neto. Ent�o, tem essa hist�ria de que a depress�o n�o � levada a s�rio enquanto doen�a ou como algo que deva ser tratado, principalmente entre os homens, que acabam negligenciando esse cuidado com a sa�de mental", afirma o dramaturgo.
"Dessa maneira, a gente tamb�m comenta sobre a fal�ncia da ideia dessa figura masculina de homens brancos que det�m o poder. Um dos personagens, cunhado do morto, que vai ao enterro representando uma irm� que est� gr�vida, apresenta outro modelo masculino, que engloba a escuta e a sensibilidade. Ele fala da paternidade de uma maneira bastante diferente, questionando inclusive a figura do sogro. E, ainda assim, ele tem contradi��es, tem os momentos de acertar e de errar", diz o autor do texto.
EMPATIA
Segundo Bilac, a pe�a tem uma mensagem bastante clara sobre as rela��es interpessoais que s�o estabelecidas hoje. "� uma pe�a que tem a ver com as rela��es de cuidado e com empatia. No palco, est�o atores negros, velhos, com defici�ncia f�sica. Eles representam pessoas que n�o se conhecem e est�o na casa desse pai, transcendendo o que seria caricato. Eles s�o tridimensionais."
A montagem tamb�m faz um coment�rio sobre a morte, na medida em que se passa no enterro e, ao longo da encena��o, tudo acontece diante da urna, que representa o morto. Isso explica o t�tulo da montagem. A express�o 'p� de cal' quer dizer que far� uma �ltima refer�ncia a um assunto n�o prazeroso. J� 'ray-lux' se refere ao nome de uma urna funer�ria t�o cara que custa o pre�o de um autom�vel.
"� aquela coisa: depois que estamos mortos, n�o h� diferen�a, cor da pele, classe social ou qualquer outra coisa que nos diferencie. Os personagens percebem isso, e a gente espera que o p�blico tamb�m perceba. � uma busca da empatia que quer transcender o material. A morte � uma coisa com a qual a gente n�o se acostuma", observa Bilac.
ESTREIA
Antes de desembarcar em Belo Horizonte, "P� de cal (Ray-lux)" estreou no Rio de Janeiro. Na verdade, a estreia estava prevista para mar�o do ano passado, quando a pandemia come�ou. Uma sess�o fechada para patrocinadores chegou a ser feita, mas, no dia seguinte, atores e equipe receberam a not�cia de que o teatro seria fechado para conter a dissemina��o do novo coronav�rus.
Ap�s uma longa espera, o espet�culo estreou em 2 de dezembro de 2020 e cumpriu uma temporada de dois meses na capital fluminense. A chegada em Minas ocorre no momento em que a cultura come�a a retomar o ritmo de eventos, impulsionada pelo avan�o da vacina��o no pa�s.
J� Bilac v� esse momento com bons olhos. "� uma for�a de esperan�a essa retomada do mercado de teatro, shows e outras artes,com a presen�a do p�blico vacinado. Antes, n�o havia um plano e, agora, as coisas est�o voltando com muita for�a. Tamb�m sinto que as pessoas est�o muito empolgadas para retomar suas rotinas enquanto p�blico."
Para o dramaturgo, "o teatro � a for�a que dialoga com a sociedade. E essa for�a est� no poder do encontro. Fico muito feliz de poder voltar. N�o vou ao teatro desde mar�o, ent�o estou muito feliz de poder acompanhar essa estreia em Belo Horizonte pessoalmente."
“P� DE CAL (RAY-LUX)”
Em cartaz no CCBB BH (Pra�a da Liberdade, 450, Funcion�rios), de sexta a segunda, �s 20h,
at� 15 de novembro. Ingressos pelo site bb.com.br/cultura a R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

DA COM�DIA AO DRAMA
Reconhecidos pela com�dia de sucesso longevo (22 anos em cartaz) "Acredite, um esp�rito baixou em mim", os atores Ilvio Amaral e Maur�cio Cangu�u encenam neste fim de semana em Belo Horizonte o texto dram�tico "Maio, antes que voc� me esque�a". Sess�es neste s�bado (23/10), �s 21h, e no domingo (24/10), �s 19h, no Cine Theatro Brasil Vallourec.
Escrita pelo dramaturgo e neurocirurgi�o Jair Raso, "Maio, antes que voc� me esque�a" conta a hist�ria de Mauro (Cangu�u), que, a contragosto, recebe a tarefa de hospedar em sua casa seu pai, H�lio (Ilvio), diagnosticado com Alzheimer. Ao longo dos 60 minutos do espet�culo, fica clara a rela��o conflituosa e distante dos dois. Ambas as apresenta��es ser�o realizadas em formato h�brido.
“MAIO, ANTES QUE VOC� ME ESQUE�A”
Neste s�bado (23/10), �s 21h, e domingo (24/10), �s 19h. Cine Theatro Brasil Vallourec (Rua dos Carij�s, 258, Centro). Ingressos pelo site eventim.com.br e na bilheteria do teatro a R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia). Ambas as apresenta��es ter�o transmiss�o on-line com ingressos a R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia) � venda no site eventim.com.br e na bilheteria do teatro.