
Quem tiver a curiosidade de consultar a ficha t�cnica do novo �lbum de Caetano Veloso, “Meu coco”, ver� que a rica trama de sopros da faixa-t�tulo � executada por m�sicos de Belo Horizonte – n�o necessariamente nascidos ou residentes, mas que constroem sua carreira na cidade. Isso se explica pelo fato de o carioca Thiago Amud, um dos recrutados para criar os arranjos ao lado de Jacques Morelenbaum e Letieres Leite, morar na capital mineira neste per�odo de pandemia.
Com visitas frequentes � cidade desde que foi convidado para participar da Mostra Cantautores, h� sete anos, Amud criou profunda rela��o com a cena local. “Quando Caetano me encomendou o arranjo, eu estava aqui, tenho ficado mais em Belo Horizonte que no Rio. Ele disse que tinha a ideia de eu escrever os sopros. Comecei a pensar nas pessoas que poderia chamar para gravar”, diz.
MISS�O
Amud fez dois contatos iniciais: com o cantor, compositor e instrumentista Alexandre Andr�s, para que arregimentasse o naipe de flautas, e com o trompetista Juventino Dias, a quem incumbiu de reunir os metais.
Alexandre trouxe os flautistas Marcela Nunes e Alef Caetano e, de quebra, o trompista F�bio Ogata. Juventino, por sua vez, chegou com o trombonista Ala�cio Martins e com os saxofonistas Jonas Vitor e Tiago Ramos.
Assim foi formado o time que, em v�rias sess�es no est�dio New Doors (devido � pandemia), registrou o arranjo de sopros escrito por Amud para “Meu coco” – faixa que, segundo Caetano, abriu alas para o restante do repert�rio.
''Eles fizeram um trabalho impressionante, com a capacidade de colorir o som com expressividade, afina��o e precis�o, coisas que nem sempre andam juntas''
Thiago Amud, criador de arranjos de sopro para ''Meu coco''
Pode parecer uma revela��o, mas esta turma de instrumentistas j� faz e acontece em BH h� tempos. Eles t�m trabalhos autorais, venceram premia��es, integram forma��es consagradas, mant�m agenda intensa de apresenta��es e grava��es, al�m de tr�nsito profissional vast�ssimo – das salas de concerto aos blocos de carnaval, passando por rodas de choro e gafieiras.
Com a autoridade de quem, desde que lan�ou seu primeiro disco, “Sacradan�a” (2010), tem merecido elogios rasgados de Guinga, Francis Hime, M�nica Salmaso e do pr�prio Caetano, Amud n�o economiza loas ao time que executou seu arranjo.
“Eles fizeram um trabalho impressionante, com a capacidade de colorir o som com expressividade, afina��o e precis�o, coisas que nem sempre andam juntas”, diz, estendendo a admira��o � cena musical da cidade.
“BH � celeiro de grandes melodias, com os compositores Rafael Martini, Kristoff Silva, Alexandre Andr�s, a Luiza Brina, parceira muito querida, o Rafael Macedo, criador de alt�ssima voltagem harm�nica e estrutural. Artistas alicer�ados no Clube da Esquina, mas tamb�m em Jobim, Edu Lobo, esses caras. Acompanho sempre o que eles v�m fazendo”, diz Amud, que, em 11 de novembro, lan�a seu novo �lbum, “S�o” (Rocinante).
Alexandre Andr�s conta que Amud j� havia trabalhado em seu est�dio, na cidade de Entre Rios de Minas, dirigindo as grava��es de um disco da cantora Ilessi, e os dois mant�m uma rela��o de amizade e parceria h� muito tempo. “Ele me ligou falando da hist�ria do Caetano, disse que precisava de flautas para o arranjo, que era importante que fossem m�sicos com malemol�ncia, sonoridade cristalina e suingue brasileiro. N�o falou exatamente estas palavras, mas entendi que a ideia dele era essa”, diz.
O pedido de Amud, de certa forma, explica o espectro amplo de g�neros que o time abarca. Afinal, os m�sicos atuam em forma��es sinf�nicas, de choro, de samba, de gafieira, de MPB, de soul e de jazz, al�m de manter forte rela��o com o carnaval, por meio dos blocos.
Juventino Dias refor�a a import�ncia dessa versatilidade. “O Amud falou para eu arregimentar o naipe de metais. A turma com quem ando � da MPB, trabalha com choro, salsa, gafieira. Somos contempor�neos das escolas de m�sica da Uemg e da UFMG. Do pessoal que gravou, j� tinha tocado com todo mundo, menos o F�bio (Ogata)”, diz. Amud elogia o trompista: “Uma joia de afina��o, timbre e precis�o.”
Juventino ressalta a rela��o de todos com o carnaval. Para ele, a facilidade de transitar por diferentes ambientes se relaciona com uma peculiaridade de Minas. “Eu e o Tiago, conterr�neos de Carmo do Cajuru e amigos de inf�ncia, mais o Ala�cio integramos o Chama o S�ndico; a Marcela � do Bloco da Esquina; o Jonas � do Ent�o, Brilha.! Temos abastecido a cidade com sopros. Minas � um celeiro de instrumentistas de sopro, o que certamente tem a ver com a tradi��o das bandas”, aponta.
Ala�cio Martins concorda. “Dos m�sicos que gravaram, todos s�o formados na universidade, e s� um ou outro n�o participa dos blocos de carnaval. Tem o pessoal que se envolve mais com o cancioneiro, como o Alexandre Andr�s, tem a turma do choro, que � grande, tem o pessoal com o p� mais fincado no erudito, como F�bio Ogata e Alef Caetano. Todos transitam por diferentes nichos. E s�o bo�mios tamb�m, a grande maioria adora um boteco. Todos passaram pela escola erudita que a universidade exige”, diz.
“Somos envolvidos com a arte. A gente pode estar na Sinf�nica e no bloco de carnaval, tocando do jazz ao funk, trabalhando com todas as linguagens. Nessa cena de instrumentistas, muita gente comp�e e desenvolve trabalho autoral, al�m de compartilhar projetos, de tocar na rua, na roda de choro, no teatro, na sala de concerto”, refor�a Juventino.
LIMBO
Para Marcela Nunes, reencontrar os colegas foi um respiro em meio a tantas dificuldades, e o fato de gravar arranjo para Caetano Veloso amplifica essa sensa��o. “Foi um processo bem massa, estava todo mundo naquele limbo pand�mico, ent�o qualquer encontro musical j� � um luxo. Um momento de muita alegria”, diz.
Alexandre Andr�s concorda: “Foi uma experi�ncia maravilhosa pra gente, Caetano, como cantor e compositor, est� entre as maiores refer�ncias para todos n�s.”
CRAQUES DO SOPRO
Marcela Nunes (flauta)
Com seu trabalho instrumental (� int�rprete e compositora), venceu a edi��o de 2019 do Pr�mio BDMG Instrumental. Integra o grupo Choro Nosso; j� tocou com a Misturada Orquestra e com a Flutuar – Orquestra de Flautas. Prepara disco para 2022, no qual se lan�ar� como cantora.
Alexandre Andr�s (flauta)
Filho do flautista Arthur Andr�s, do Uakti, gravou seis �lbuns autorais. Em novembro, o s�timo ser� lan�ado por seu pr�prio selo, Gr�o Discos. Trabalhou com Rafael Martini, Marcela Nunes, Ant�nio Loureiro, Lucas Teles e Lu�sa Mitre, com quem tocou no Rio Montreux Jazz Festival, em 2020.
Juventino Dias (trompete)
Mant�m o Juventino Dias Quinteto. Toca na Babadan Banda de Rua, que explora ritmos afromineiros, e na Orquestra J� Te Digo, dedicada a Pixinguinha. Integra a banda de soul Black Machine e o naipe de sopros do bloco carnavalesco Chama o S�ndico.
Ala�cio Martins (trombone)
Integra a Babadan Banda de Rua. Com amigos, criou a Orquestra Carnaval Pixinguinha. Desenvolve projetos de choro com Marcelo Chiaretti e Analu Braga. Desde 2018, mora em Cuiab� � faz parte da orquestra da Universidade Federal do Mato Grosso, na qual � professor.
Tiago Ramos (saxofone)
Integra a MG Big Band, ao lado de Chico Amaral e Eneias Xavier. Toca na Babadan Banda de Rua, no bloco Chama o S�ndico e na banda Black Machine. Acompanha as sambistas Giselle Couto e Manu Dias, foi m�sico de apoio de Toninho Geraes, Jo�o Bosco, Lenine e Sandra de S�.
Jonas V�tor (saxofone)
Toca na Babadan Banda de Rua, Projeto Choro Nosso, bloco Ent�o, Brilha! e na Black Machine. Acaba de assumir a reg�ncia da Banda de M�sica Santa Cec�lia, em Datas (MG). Desenvolve a��es pedag�gicas na Esta��o da M�sica Jos� Pinto Coelho, em Santa B�rbara (MG). Participou de projetos de Alexandre Andr�s e Marcela Nunes.
F�bio Ogata (trompa)
Paulista, mora em BH desde 2012. Trompista da Filarm�nica de MG, desenvolveu com o grupo Do Contra, formado por colegas de orquestra, o curso on-line criado por Toninho Horta a partir de sua forma de tocar.
Alef Caetano (flauta)
Flautista da Sinf�nica de Minas Gerais, toca com o quinteto de choro Acerta o Passo e em diferentes forma��es de c�mara – Quinteto Ventos de Minas, Duo Ankh, Duo Arcanum, Duo Mineiro –, al�m de integrar a Flutuar – Orquestra de Flautas.