
"Precisamos nos unir para deter a trag�dia e n�o permitir que esse assunto (a crise sanit�ria) continue sendo tratado como um processo criminosamente pol�tico, ou seja, cuja inten��o � saber como faturar com isso e deixando em segundo plano o que realmente importa, que � salvar vidas"
Fernanda Montenegro, atriz e autora de "Pr�logo, ato, ep�logo"
Fernanda Montenegro viveu a quinta-feira passada (4/11) como se fosse estrear uma pe�a. "Passei o dia me preparando para entrar em cena � noite", comentou ela, em entrevista por telefone. A analogia se referia � sua mais nova conquista: a atriz foi eleita nesse dia para a cadeira 17 da Academia Brasileira de Letras (ABL), antes ocupada por Affonso Arinos de Mello Franco. N�o houve disputa – a artista de 92 anos concorreu sozinha, recebendo 32 votos. Houve dois em branco.
"Confesso que n�o esperava tal atitude, pois sou atriz e n�o escritora. Mas mantenho uma estreita liga��o com a Academia, onde h� um palco e no qual j� me apresentei algumas vezes", disse Fernanda, que previa uma discreta comemora��o: ao lado da fam�lia e poucos amigos, ela receberia alguns acad�micos em um hotel em Copacabana, na noite de quinta.
"Especialmente a fun��o de ator, profiss�o que pais e m�es nunca desejam para seus filhos", comenta. "Estamos n�s, artistas, sendo estrangulados no momento atual – h� uma inten��o de nos matar profissionalmente por pessoas que n�o percebem que a transcend�ncia vem por meio da arte."
A seguir, os principais momentos da entrevista, realizada antes de consumada sua elei��o para a ABL.
ENTREVISTA
Sua expectativa ao ser eleita para a Academia � a mesma de uma estreia teatral?
Sim. � como se hoje, com a elei��o, fosse o primeiro dia de uma produ��o teatral, quando todos, t�cnicos e atores, se encontram pela primeira vez. E a estreia, de fato, a grande festa, deve acontecer em tr�s ou quatro meses, quando eu tomar posse.
Qual o significado dessa elei��o para a senhora?
Penso ter encontrado o momento de simbolicamente aproximar aquele palco que existe na sede da ABL de um p�blico mais amplo e n�o apenas acad�mico. N�o estou dizendo que a Academia seja fechada, pelo contr�rio: minha chegada s� vai refor�ar o time de membros que n�o se dedicam apenas � literatura. Penso em dois nomes que j� se foram, como Ferreira Gullar (1930-2016) e Dinah Silveira de Queiroz (1911-1982), pessoas que, al�m de sua arte, eram pr�ximas de uma pol�tica contestadora, de um esquerdismo quase absoluto.
A ABL j� recebeu cineastas, artistas pl�sticos e outras qualifica��es, mas � a primeira vez que abre as portas para uma atriz.
O que � significativo por se tratar de uma profiss�o que sempre existiu pela for�a de seu apelo vocacional, mas que tamb�m foi sempre considerada marginal. Shakespeare e Moli�re se diziam atores antes de serem dramaturgos, o que n�o evitou que eles tamb�m fossem marginalizados.
A senhora cogitou disputar uma vaga na Academia em 2018, mas logo retirou sua candidatura. Por qu�?
Na �poca, eu estava escrevendo minha biografia, mas tamb�m notei que havia outros criadores de maior representatividade art�stica que buscavam a vaga, ent�o preferi n�o disputar.
O an�ncio de sua candidatura foi muito festejado pela classe art�stica. Como a senhora, que passou por momentos pol�ticos conturbados em sua carreira, analisa o que se passa hoje?
Trago muito vivo na mem�ria o per�odo militar, que foi terr�vel por ser conduzido por exterminadores da liberdade art�stica. Mas n�o foi um governo eleito pelo voto, como o de agora. Nossa grande trag�dia � ter um presidente eleito democraticamente. Eu me pergunto: por que se votou nesse monstro? O que n�o foi resolvido, do ponto de vista social, para termos esses governantes? Por que as favelas aumentaram tanto nos �ltimos anos?. Isso � o pior de tudo.
A senhora j� disse n�o gostar de falar de esperan�a...
Na verdade, n�o gosto da forma como a esperan�a � tratada no Brasil, onde a solu��o � sentar e esperar. Temos que ter uma esperan�a ativa, que produza solu��es.
A pandemia pode deixar algum ensinamento?
Sim, de que precisamos nos unir para deter a trag�dia e n�o permitir que esse assunto continue sendo tratado como um processo criminosamente pol�tico, ou seja, cuja inten��o � saber como faturar com isso e deixando em segundo plano o que realmente importa, que � salvar vidas.
A senhora chegou a dizer que, na pandemia, a morte se apresentou de uma forma f�sica, o que a fez se lembrar da Idade M�dia.
� verdade, pois, apesar dos avan�os, o v�rus ainda continua um mist�rio. Tomei tr�s doses da vacina em seis meses, mas ainda n�o me sinto segura para sair na rua nem receber pessoas em casa. Se tirei algum proveito disso foi aprender a n�o perder tempo com conversas bobas no telefone (risos).
Mas faz falta a ida aos teatros, n�o � verdade?
Sim, quero o palco de volta. Como j� disse, o teatro promove a reflex�o mais poderosa que o ser humano pode encontrar. � estabelecido entre palco e plateia um jogo criativo que transcende. E isso ainda que a classe art�stica seja considerada por alguns como comedores dos recursos p�blicos. Quero mostrar que � uma inverdade, espero levar os espet�culos que fiz a partir de textos do Nelson Rodrigues e de Simone de Beauvoir para muitos lugares.
E escrever tamb�m?
Talvez. Na minha madureza (n�o gosto de "velhice"), acho que ainda tenho hist�rias para contar.