
"Antes, pod�amos contar uma hist�ria, criar uma narrativa. Havia uma introdu��o, uma melodia crescente, um auge. Mas, hoje, as pessoas n�o t�m mais paci�ncia. As mensagens devem ser diretas, o impacto precisa estar logo no in�cio"
Dani Brasil, DJ e produtor
Existe uma nova ordem no reino dos hits da m�sica pop, e ela est� sendo ditada pelos ouvintes de streaming, os consumidores de faixas dispon�veis em plataformas como Spotify, Deezer e Amazon Music. Algo que j� come�a a ser chamado de “audi��o ansiosa” tem definido par�metros do que seria um novo sucesso nas duas ou tr�s pontas do processo.
Uma boa produ��o feita em 2021 - e por boa entenda algo capaz de atrair milhares de ouvintes que n�o abandonem a faixa nos primeiros segundos e que, conquista das conquistas, passem a seguir o artista e a buscar por suas produ��es antigas - precisa, em resumo, ser objetiva e curta.
Isso porque esse ouvinte que cresceu com o streaming n�o ouve, segundo as estimativas das pr�prias plataformas, m�sicas com mais do que dois minutos e 30 segundos de dura��o. Essa � a m�dia. Se chegar a tr�s, temos uma vit�ria digna de Grammy.
"Al�m das facilidades do streaming, a gera��o nova � bombardeada por informa��es r�pidas ao mesmo tempo. Stories s�o de 15 segundos, m�sicas para o TikTok t�m um minuto, o Twitter aceita pouco texto. Se sua m�sica n�o for direto ao ponto, voc� perde esse ouvinte"
Tiago da Cal Alves, o Papatinho,� DJ, beatmaker e produtor
Mas, o que s�o m�sicas objetivas? Aqui � preciso ouvir os produtores, figuras que se tornam t�o ou mais importantes do que o pr�prio compositor: mediadores que transformam can��es do novo e do velho mundo em poss�veis pot�ncias de compartilhamento jogando no novo tabuleiro.
Dani Brasil � um deles. DJ renomado nos Estados Unidos, com resid�ncias em Atlanta, Washington, Miami, Chicago e Nova York, � um nome forte da tribal house que, ao lado de Rafael Dutra, recondicionou o hit “The best”, de Tina Turner, para milhares de ouvintes.
"Amigos norte-americanos me contam que grandes nomes, como Kanye West, est�o fazendo coisas muito mais curtas. Mesmo figuras j� estabelecidas est�o fazendo faixas curtas por causa dessa rea��o �s longas. Eu sou de um tempo em que as can��es podiam ter tr�s, cinco, sete ou 10 minutos, e continuo sendo desse tempo"
Caetano Veloso, cantor e compositor
Auge
“Antes, pod�amos contar uma hist�ria, criar uma narrativa. Havia uma introdu��o, uma melodia crescente, um auge. Mas, hoje, as pessoas n�o t�m mais paci�ncia. As mensagens devem ser diretas, o impacto precisa estar logo no in�cio.” Se isso � ruim? “O meu interesse � ter plays, quero que o ouvinte n�o v� embora e vou fazer de tudo para que ele fique.”
Outro nome da produ��o estelar, o carioca Tiago da Cal Alves, o Papatinho, DJ, beatmaker e produtor autodidata, viu tudo mudar desde que ajudou o grupo de rap ConeCrewDiretoria a acontecer, nos anos de 2010, e agora, quando j� colaborou com Marcelo D2, Seu Jorge, Criolo, Black Alien e produziu Anitta nas faixas “T� com o Papato” (1.830.652 visualiza��es no YouTube) e “Onda diferente”, incluindo um feat (colabora��o) com o rapper Snoop Dogg e Ludmilla (104.788.020 visualiza��es). Por suas constata��es, o mundo musical n�o � mais como o da d�cada de 2010.
Velocidade
“Al�m das facilidades do streaming, a gera��o nova � bombardeada por informa��es r�pidas ao mesmo tempo. Stories s�o de 15 segundos, m�sicas para o TikTok t�m um minuto, o Twitter aceita pouco texto. Se sua m�sica n�o for direto ao ponto, voc� perde esse ouvinte.” E ele sente que o encurtamento do discurso musical ainda n�o terminou.
“A tend�ncia � diminuir mais.” E joga o jogo. “Eu prefiro ter uma m�sica de dois minutos ouvida por duas ou tr�s vezes pela mesma pessoa a ter uma de quatro que ningu�m ouve. Tento bater os dois minutos e meio, estourando.”
Papato diz algo mais que pode chocar amantes dos �lbuns de vinil, CDs ou de qualquer ideia de �lbum. “Eu prefiro ter uma m�sica de dois minutos ouvida duas ou tr�s vezes pela mesma pessoa a ter uma de quatro que ningu�m ouve.”
As plataformas mais �geis identificaram as demandas de seus fregueses. “N�o ou�o nada com mais de tr�s minutos de dura��o”, diz Mileny Ferreira, esteticista de 33 anos. “E s� busco playlists por estado de esp�rito, como ‘m�sica calma’, m�sica para dormir’, essas coisas...”
Bruno Vieira, head da Amazon Music no Brasil, conta que m�sicos e produtores que hospedam faixas na companhia t�m um mapeamento que informa o que deu e o que n�o deu. “Analytics em tempo real permitem que eles tenham mais informa��es para criar estrat�gias e se conectar com a audi�ncia. Podem realizar testes, lan�ar singles, fazer pr�-lan�amentos em redes sociais, entender a ader�ncia das can��es, saber onde as m�sicas t�m sido adicionadas... Tudo isso traz insights.”
Mas h� algo importante que precisa vir para a discuss�o: as plataformas n�o s�o represas de produ��es pragm�ticas para ouvintes ansiosos, mas polos distribuidores de artistas e consumidores representantes de tr�s ou quatro gera��es. Assim, o comportamento da maioria n�o � o de todos.
"Minha m�sica 'Inocente' (lan�ada h� dois meses) tinha 4 minutos e 10 segundos. Disseram que estava grande e editei para ficar com 3 minutos e 21 segundos. Quer saber? A m�sica ficou melhor"
Lulu Santos, cantor e compositor
Solos
Como explicar a Lulu Santos que suas m�sicas, agora, n�o podem ter uma introdu��o maior? Ou melhor, que introdu��es e solos de guitarra ou de qualquer instrumento s�o coisas t�o d�mod�s quanto a palavra d�mod�? Como dizer a Caetano Veloso que os ouvintes ir�o embora se ele fizer algo com mais do que tr�s minutos?
Lulu Santos fala primeiro: “Minha m�sica ‘Inocente’ (lan�ada h� dois meses) tinha 4 minutos e 10 segundos. Disseram que estava grande e editei para ficar com 3 minutos e 21 segundos. Quer saber? A m�sica ficou melhor”.
Caetano fala agora: “Amigos norte-americanos me contam que grandes nomes, como Kanye West, est�o fazendo coisas muito mais curtas. Mesmo figuras j� estabelecidas est�o fazendo faixas curtas por causa dessa rea��o �s longas. Eu sou de um tempo em que as can��es podiam ter tr�s, cinco, sete ou 10 minutos, e continuo sendo desse tempo”.
Apenas o banco de dados do Spotify recebe, por dia, mais de 40 mil novas m�sicas feitas pelo mundo. Ou seja, somando tudo o que j� foi gravado pela velha ind�stria, que tamb�m foi parar nas plataformas, com a massa de novas produ��es que as companhias hospedam, j� existem mais m�sicas no planeta do que terr�queos para ouvi-las.
Uma boa quest�o de agora parece ser, e vale a filosofia, como n�o dessacralizar o ato �nico de uma can��o? Como n�o esvaziar a magia? E, ao mesmo tempo, como criar uma can��o que seja ouvida por algu�m com menos de 25 anos at� o final?
Dial�tica
Caetano Veloso, com o �lbum “Meu coco”, rec�m-lan�ado, afirmou: “Eu sei que estou sendo jogado nessa barafunda de can��es que saem no mundo nessas plataformas. Mas eu digo que h� o mesmo prazer infantil de amar as can��es tamb�m pela sua quantidade. � engra�ado. Porque eu tamb�m tenho essa ideia que voc� falou das can��es sagradas, que precisam ser raras mesmo que haja milh�es de can��es. � uma dial�tica dessas duas coisas que eu n�o consigo... S� consigo ver como uma dial�tica”.
A exig�ncia do tempo curto n�o � uma novidade entre as atra��es ps�quicas que uma can��o deve ter para a conquista de um ouvinte. Elas soam como profana��o por virem agora como um dos ditados para se fazer um novo hit, mas, na verdade, essa sempre foi a regra.
Paul McCartney sabia que ultrapassava a linha do razo�vel em 1968 quando fez “Hey Jude” com sete minutos e cinco segundos de dura��o. Nada no pop era t�o longo. Mas a� entrou algo que ainda pode derrubar todas as leis, a for�a de uma m�sica, e o que era longo fica sempre parecendo curto demais todas as vezes que essa m�sica acaba.
Os hits de Tom Jobim, Jo�o Gilberto e Dorival Caymmi est�o na m�dia dos tr�s minutos. “�guas de mar�o” tem 3:32; “Garota de Ipanema”, 3:20; “Samba do avi�o”, 2:48; e, pasmem, “Bim bom”, com Stan Getz e Jo�o Gilberto, precisou de 2 minutos e 9 segundos para se tornar imortal.
Curiosamente, o free jazz e o rock progressivo, duas frentes radicais que combateram ferozmente a ditadura dos tr�s minutos, foram bem menos populares. Uma informa��o importante.