Um pastor recebe uma mensagem divina, sai peregrinando e, no percurso, encontra personagens como Cle�patra e Jesus Cristo. Esse � o eixo do enredo – que mergulha no absurdo, j� que n�o tem compromisso com a hist�ria nem com a cronologia dos fatos – do espet�culo “Hermanoteu na terra de Godah”.
Maior sucesso na trajet�ria de 26 anos da Cia. de Com�dia Os Melhores do Mundo, de Bras�lia, a montagem ocupa o palco do Grande Teatro Cemig do Pal�cio das Artes neste domingo (21/11). Criada em 1995, a pe�a j� rodou o Brasil e vem sendo permanentemente exibida desde ent�o, mas, como destaca o ator e roteirista Victor Leal, um dos integrantes da trupe, nunca � a mesma.
Ele explica que o fio narrativo de “Hermanoteu na terra de Godah” – bem como nos demais espet�culos da companhia – � constantemente atravessado por fatos e eventos cotidianos, de forma que � constantemente atualizado. Some-se a isso o fato de que o grupo sempre absorve elementos e costumes dos lugares onde se apresenta e os insere no texto, criando o que Leal chama de pe�as personalizadas.
''Hoje, se contar com memes, v�deos engra�ados e piadinhas em geral como linguagem de humor, e considerando a quantidade absurda de conte�do que voc� recebe diariamente pelo WhatsApp, por exemplo, � um universo inesgot�vel. Digamos que 10% voc� pode achar legal, mas 90%, para quem trabalha com humor e tem que ser mais exigente, n�o cola. N�o d� para eu confiar na curadoria da minha tia no WhatsApp''
Victor Leal, integrante da Cia. de Com�dia Os Melhores do Mundo
GALO
“Desde o in�cio da companhia, a gente trabalha com uma coisa que se v� muito hoje na linguagem do stand up, que � tentar trazer temas relacionados ao cotidiano”, diz o ator. “A gente vai chegar nesta apresenta��o de domingo e eu vou brincar, por exemplo, com o fato de que o Galo vai ser campe�o, enquanto o Cruzeiro amarga uma s�rie B”, exemplifica.O grupo trabalha com uma estrutura dramat�rgica que deixa 32 espa�os abertos ao longo da encena��o para que sejam inseridas atualidades, informa��es e cacoetes locais.
“A pessoa que foi na �ltima temporada de ‘Hermanoteu’ e for amanh� vai ver uma pe�a muito diferente do que j� viu. A gente corta partes sem o menor pudor, para dar espa�o, para criar uma coisa mais din�mica, sempre buscando a atualidade, quer dizer, � um espet�culo muito org�nico mesmo”, diz. Essa caracter�stica � o que faz com que uma pe�a que est� h� 26 anos na estrada mantenha o frescor, segundo Leal.
“Hermanoteu na terra de Godah” surgiu como uma brincadeira. O ator conta que, desde sua funda��o, a Cia. Os Melhores do Mundo adotou a pr�tica de conceber as montagens a partir de tem�ticas espec�ficas – sexo, pol�tica, futebol – que servem como pano de fundo para se falar do cotidiano.
''Para o bem e para o mal, a quest�o do politicamente correto est� a� posta. Certas piadas n�o cabem mais, nem no palco nem na mesa de bar, ent�o � preciso ir buscando novas formas de se fazer com�dia. O sucesso, as pessoas acham que voc� chega nele e � uma coisa vital�cia, como o STF. N�o �, as coisas passam, novas m�dias surgem, novas linguagens surgem''
Victor Leal, integrante da Cia. de Com�dia Os Melhores do Mundo
ABSURDO
“Esse tema b�blico, �pico oferece muitas possibilidades de se fazer uma coisa divertida. O Monty Python (grupo de com�dia brit�nico) trabalhou muito com a tem�tica, e a gente cresceu ouvindo hist�rias e vendo filmes sobre isso. Essa hist�ria do ‘Hermanoteu’, que � toda um absurdo muito grande, brotou naturalmente”, diz.Um fato importante na trajet�ria do espet�culo foi o encontro com Chico Anysio (1931-2012) em 2000, quando o c�lebre humorista gravou a voz de Deus, que, desde ent�o, segue como parte da montagem, em off. “Isso � muito legal, porque enquanto a pe�a seguir em cartaz, Chico Anysio segue vivo no palco. � motivo de grande orgulho, porque ele � um grande mestre, uma grande refer�ncia e foi uma esp�cie de padrinho do grupo”, diz Leal.
“Hermanoteu na terra de Godah” conduziu a trupe brasiliense a um novo patamar de reconhecimento na esfera nacional, sobretudo a partir de 2007, quando se tornou viral na internet uma cena em que o personagem do t�tulo e Isaac, nos port�es do Egito, anunciam o momento em que Mois�s abre o Mar Vermelho.
“Esse trecho que viralizou fez com que o espet�culo estourasse, fizemos tr�s temporadas em Portugal, nos apresentamos nos Estados Unidos, passamos por todas as capitais do Brasil mais de uma vez, e ele tamb�m j� foi montado por outros grupos em Angola, na Argentina, na Espanha, em Portugal e na Rep�blica Dominicana”, comenta o ator.
“Se voc� der uma busca no Google por ‘Hermanoteu escola’, vai achar mais de 50 v�deos de montagens no YouTube. Muitos memes surgiram do ‘Hermanoteu’. N�o vou chamar de �cone, para n�o soar arrogante, mas � um espet�culo que tem uma for�a cultural muito grande.”
Ele recorda que, num dado momento, o DVD do espet�culo, lan�ado em 2009, foi muito pirateado e, em raz�o disso, teve uma enorme capilaridade de distribui��o. Fen�meno parecido ocorreu com outro espet�culo da companhia, “Not�cias populares” (1997), que tamb�m fez muito sucesso. Ap�s o grupo apresentar o personagem central da pe�a, Joseph Klimber, em programa televisivo de entrevistas em 2006, o v�deo ganhou proje��o nacional como um dos mais acessados da internet.
FILME
Al�m de Victor Leal, a Cia. de Com�dia Os Melhores do Mundo re�ne Adriana Nunes, Adriano Siri, Jovane Nunes, Ricardo Pipo e Welder Rodrigues – atores que tamb�m se dividem na dramaturgia, dire��o, produ��o, sonoplastia, cenografia, design e figurino.
A trupe avaliou que a popularidade do espet�culo poderia conduzi-lo a outros formatos, e assim “Hermanoteu na terra de Godah” vai migrar tamb�m para as telas de cinema e plataformas de streaming.
“� o nosso primeiro longa-metragem”, observa Leal. O filme j� est� pronto e deveria ter sido lan�ado no ano passado, plano inviabilizado pela pandemia. A companhia ainda est� em d�vida se o lan�amento ser� no cinema ou diretamente nas plataformas de streaming, j� que o contexto ainda de pandemia e a crise econ�mica podem comprometer o desempenho da produ��o no circuito comercial das salas de exibi��o.
“� um filme incr�vel, que foi rodado no deserto do Atacama, no Chile”, conta Leal. O elenco tem convidados como Marcos Caruso, Jonas Bloch e Milton Gon�alves, “atores s�rios que embarcaram nessa loucura com a gente”. A dire��o � de Homero Olivetto.
“A ideia do filme veio a reboque do sucesso da pe�a mesmo. � uma produ��o grandiosa, quase um �pico, com cen�rios muito bonitos e paisagens que as pessoas v�o achar que � chroma-key, de t�o deslumbrantes. Acho que era um caminho natural que a pe�a virasse filme”, diz o ator.
Ao longo de sua trajet�ria de 26 anos, a Cia. Os Melhores do Mundo p�de acompanhar as muitas mudan�as no panorama do humor que se faz no Brasil. Leal acredita que a principal delas est� atrelada � expans�o da internet e � revolu��o digital.
“A gente come�ou antes disso, ent�o a com�dia era feita de tal modo que, se voc� quisesse mostrar o trabalho, tinha que pegar o �nibus e circular, tinha que ir nas reda��es dos jornais levar o material de divulga��o, tudo exigia uma estrutura maior. O Whindersson Nunes, um cara do interior do Piau�, provavelmente n�o teria acontecido h� 20 anos. N�o � toa surgiram muito mais humoristas a partir da revolu��o digital”, afirma.
Ele acredita que a internet tornou tudo mais f�cil e mais democr�tico quando se trata da cria��o humor�stica no pa�s, mas pondera que, no caso, a quantidade � infinitamente maior que a qualidade.
“Claro que nem tudo o que aparece � bom. Hoje, se contar com memes, v�deos engra�ados e piadinhas em geral como linguagem de humor, e considerando a quantidade absurda de conte�do que voc� recebe diariamente pelo WhatsApp, por exemplo, � um universo inesgot�vel. Digamos que 10% voc� pode achar legal, mas 90%, para quem trabalha com humor e tem que ser mais exigente, n�o cola. N�o d� para eu confiar na curadoria da minha tia no WhatsApp”, diz.
Uma grande vantagem que ele v� nas possibilidades abertas pelo digital � o alcance que o conte�do humor�stico pode ter. “N�s somos de Bras�lia, que � fora do que j� foi chamado de eixo cultural, que era Rio-S�o Paulo, e que a internet tamb�m de certa forma aboliu. Hoje voc� pode falar da sua aldeia para o mundo. A gente nunca abriu m�o de continuar morando em Bras�lia. Em Belo Horizonte, a gente v� isso com o Grupo Corpo, com o Galp�o, com o Skank, que n�o precisaram se mudar para conquistar espa�o. E hoje, gra�as � internet, isso � menos necess�rio ainda.”
Na esteira da revolu��o digital, ele tamb�m observa mudan�as nos paradigmas do humor. “Para o bem e para o mal, a quest�o do politicamente correto est� a� posta. Certas piadas n�o cabem mais, nem no palco nem na mesa de bar, ent�o � preciso ir buscando novas formas de se fazer com�dia. O sucesso, as pessoas acham que voc� chega nele e � uma coisa vital�cia, como o STF. N�o �, as coisas passam, novas m�dias surgem, novas linguagens surgem. Como fazer para continuar lutando depois de tanto tempo? A gente sempre tem isso em mente”, diz.
E � com isso em mente que a companhia, neste momento de arrefecimento da pandemia, volta a pensar, a partir do presente, nos passos futuros. O grupo retomou as atividades presenciais com uma apresenta��o em Bras�lia que precedeu a vinda para Belo Horizonte. Daqui, “Hermanoteu na terra de Godah” segue para S�o Paulo.
“As pessoas est�o querendo e precisando sair, rir, porque o humor � terap�utico, causa um efeito muito ben�fico no corpo, contribui para uma boa sa�de. Estamos muito animados com essa volta. A apresenta��o em Bras�lia pareceu uma festa”, comenta.
O grupo prepara, para meados de 2022, a estreia de um novo espet�culo, chamado “Pilantropia”, e j� come�ou a conversar sobre a produ��o de um novo filme, baseado em “Not�cias populares”, al�m de voltar a planejar a agenda de viagens.
“Em novembro do ano passado, a gente ia fazer temporadas em Angola e Mo�ambique. Estamos retomando essa agenda. Mais do que nunca, � muito necess�rio continuar trabalhando. As pessoas precisam voltar a viver, a se abra�ar, a conviver, a gargalhar.”
“HERMANOTEU NA TERRA DE GODAH”
Com a Cia. de Com�dia Os Melhores do Mundo. Neste domingo (21/11), �s 18h, no Grande Teatro Cemig do Pal�cio das Artes (Av. Afonso Pena, 1.537, Centro – fone: 3237-7400). Ingressos para a plateia 1 a R$ 140 (inteira) e R$ 70 (meia); para a plateia 2, a R$ 120 (inteira) e R$ 60 (meia); e para plateia superior a R$ 100 (inteira) e R$ 50 (meia). N�o recomendado para menores de 14 anos. Dura��o: 112 minutos. Venda de ingressos pelo site Eventim e na bilheteria do Pal�cio das Artes