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Estado de Minas CINEMA

Cotado para o Oscar, 'Summer of soul' conta a hist�ria do 'Woodstock negro'

Document�rio sobre o Festival Cultural do Harlem, que reuniu os maiores nomes da m�sica negra, em 1969, estreia nesta quinta (27/1) em Belo Horizonte


27/01/2022 04:00 - atualizado 27/01/2022 02:35

Com camisas e calças em tons de marrom, integrantes do The 5th Dimension dividem microfones no palco do festival, no Harlem
The 5th Dimension foi uma das atra��es do festival, realizado de 29 de junho a 24 de agosto de 1969, com apoio do prefeito de Nova York e dos Panteras Negras (foto: DISNEY/DIVULGA��O )

Em 20 de julho de 1969, o homem chegou � Lua. O “pequeno passo para um homem, um salto gigantesco para a humanidade” do astronauta Neil Armstrong recebeu s� desd�m de um grupo de pessoas em Nova York. “N�o importa a Lua. Vamos pegar um pouco desse dinheiro e usar no Harlem”, disse um homem para as c�meras de TV.  

Naquele mesmo domingo de 52 anos e meio atr�s, acontecia no Mount Morris Park (atual Marcus Garvey Park) uma s�rie de shows do Festival Cultural do Harlem. Durante seis fins de semana do ver�o de 1969, de 29 de junho a 24 de agosto, uma multid�o se reuniu para assistir aos shows de Stevie Wonder, Nina Simone, Sly & the Family Stone, BB King, Gladys Knight & the Pips, entre v�rios outros. Era “um mar de negros”, descreveu, com orgulho, uma pessoa da plateia.

A 160 quil�metros dali, entre 15 e 18 de agosto, milhares de jovens se reuniram para o Festival de Woodstock. O evento captou todas as aten��es – e o document�rio vencedor do Oscar “Woodstock – 3 dias de paz, amor e m�sica” (1970) espalhou a hist�ria para o resto do mundo.

O Festival Cultural do Harlem n�o teve a menor chance – permaneceu como uma mem�ria distante dos que participaram dele, at� ser recuperado no filme “Summer of soul (...Ou, quando a revolu��o n�o pode ser televisionada)”, que estreia nesta quinta-feira (27/1), em Belo Horizonte, no UNA Cine Belas Artes.



Vencedor do Pr�mio do P�blico e do Grande Pr�mio do J�ri no Festival de Sundance do ano passado, onde fez sua premi�re; um dos document�rios pr�-indicados ao Oscar 2022; um dos filmes favoritos do ex-presidente Barack Obama em 2021, “Summer of soul” est� com uma trajet�ria e tanto. Marca ainda a estreia na dire��o de Ahmir “Questlove” Thompson, percussionista, produtor, DJ, baterista da banda The Roots e um incans�vel garimpeiro dos bons sons.

De olhos fechados e vestindo terno azul, BB King toca uma guitarra vermelha
Entre as apresenta��es memor�veis encontradas em 40 horas de grava��o do festival est� a de BB King (foto: DISNEY/DIVULGA��O)


WOODSTOCK NEGRO 

Foi no Jap�o, em 1997, que ele soube da exist�ncia do evento, por meio de um clipe pirata de Sly & the Family Stone de apenas dois minutos. As imagens – 40 horas gravadas por Hal Tulchin, que o chamou de “Woodstock negro” – aguardaram mais 20 anos desde ent�o para que sa�ssem do esquecimento em que se encontravam. 

“Summer of soul” vai muito al�m de fant�sticas performances (e o material recuperado est� em perfeito estado) nunca vistas. Tamb�m atua como um instrumento afetivo da m�sica negra em meio ao Movimento dos Direitos Civis.

Martin Luther King foi morto um ano antes do Festival Cultural do Harlem. O agitador cultural Tony Lawrence resolveu criar o evento, “uma rosa saindo do cimento”, conforme atentou um dos participantes. Contou com o apoio irrestrito do prefeito de Nova York, o republicano (e branco) John Lindsay, e dos Panteras Negras, que ficaram respons�veis pela seguran�a do local. Era tudo de gra�a, aberto para a fam�lia (crian�as em profus�o assistem �s apresenta��es). 

Misturando as imagens dos shows com reflex�es dos dias de hoje de pessoas (artistas e p�blico) que participaram do evento, “Summer of soul” constr�i uma narrativa que descreve um per�odo de tens�o. Torna-se um testemunho da cultura do Harlem da �poca, per�odo marcado pelo poder e pela beleza negros. Mas tamb�m um lugar que sofria com o tr�fico de drogas, viol�ncia e falta de dinheiro. Da� d� para entender o descontentamento do p�blico com a miss�o Apollo 11.

Stevie Wonder fazendo um solo de bateria absurdo; Sly mostrando que diversidade, no final dos anos 1960, era uma prerrogativa da Family Stone (banda multirracial e trompetista mulher); Nina Simone, no auge, com uma nova m�sica, “To be young gifted and black” – “Ela � algo entre a esperan�a e o luto”, conforme algu�m definiu.

“MOMENTO IRREAL” 

Os ecos do passado nada distante se fizeram ouvir naqueles dias. O saxofonista Ben Branch, a �ltima pessoa com quem Martin Luther King falou antes de ser assassinado em Memphis (havia lhe pedido para tocar sua m�sica favorita, “Take my hand, precious Lord”), repete o hino com Mavis Staples e Mahalia Jackson. Mavis, em depoimento para o document�rio, afirma que o momento em que dividiu o palco com uma das primeiras int�rpretes de gospel do s�culo 20 foi “irreal”. 

Marilyn McCoo, vocalista do The 5th Dimension, relembra como o festival foi definidor para sua carreira – o grupo vocal interpretou “Aquarius/Let the sunshine in” e era criticado, na �poca, por n�o ser “negro o suficiente”.

Os grandes momentos v�o se sobrepondo – e, como documentarista, Questlove respeita o tempo de cada m�sica, deixando as performances aparecerem como um todo. Entre os entrevistados est� Musa Jackson, ex-modelo e ator, que nasceu e cresceu no Harlem. N�o tinha nem 5 anos quando foi ao festival. “Agora eu sei que n�o sou louco”, ele diz, no final do document�rio, depois de assistir �s imagens que ficaram guardadas. Suas mem�rias, e a de tantos outros, est�o neste magn�fico e intenso trabalho de recupera��o.  
   

“SUMMER OF SOUL (... OU, QUANDO A REVOLU��O N�O PODE SER TELEVISIONADA)”

(EUA, 2021, 118min, de Questlove) – Em cartaz �s 16h10 e 18h20, na Sala 2 do UNA Cine Belas Artes.

As cantoras Mavis Staples e Mahalia Jackson dividem o microfone enquanto cantam
Mavis Staples (� esq.) e Mahalia Jackson cantaram 'Take my hand, precious Lord', a m�sica favorita de Martin Luther King, que foi assassinado um ano antes (foto: DISNEY/DIVULGA��O)

O que o filme n�o explica

H� um �nico por�m em “Summer of soul”. Voc� sai do cinema se perguntando como as antigas grava��es foram recuperadas para o document�rio. O filme menciona en passant, com imagens de dezenas de rolos, que elas ficaram 50 anos perdidas em um por�o. Reportagem do Los Angeles Times desvendou a hist�ria – e ela daria outro filme.

Em 2003, o arquivista de cinema Joe Lauro, que vive no estado de Nova York, viajou para Cope- nhague, na Dinamarca, para se encontrar com o amigo Karl Knudsen, dono da gravadora de jazz Storyville. Entre o imenso material de arquivo que Knudsen tinha, a dupla se deparou com um filme em 16mm de um programa de TV chamado “Festival do Harlem”, que foi vendido para emissoras estrangeiras no in�cio da d�cada de 1970.

Era uma edi��o das imagens captadas durante o Festival Cultural do Harlem. Impactado pela descoberta, Lauro, ao voltar para Nova York, entrou em contato com Hal Tulchin, cujo nome estava no rolo do filme. Lauro est� � frente da Historic Films – a empresa � especializada em localizar, licenciar e gerenciar apresenta��es musicais em programas de TV e filmes antigos.

GRAVA��ES 

No encontro, Tulchin revelou que havia gravado 40 horas do festival de 1969. Tamb�m contou que algumas apresenta��es foram exibidas em especiais de TV nas redes ABC e CBS no ano em que o evento foi realizado – mas que depois tudo foi esquecido e que as grava��es permaneceram com ele.

Em 2004, Tulchin assinou um contrato com a Historic Films, que passou a representar as filmagens. Lauro copiou e digitalizou as 40 horas de grava��es e sua empresa licenciou clipes de algumas performances.

Mas a inten��o era realizar um longa-metragem. Lauro convidou o roteirista Robert Gordon e o diretor Morgan Neville (que levou um Oscar em 2014 pelo document�rio “A um passo do estrelato”, sobre backing vocals) para trabalharem no projeto. Em 2007, chegaram a lan�ar o trailer de um futuro document�rio. Receberam a oferta de US$ 1 milh�o da Newmarket Films.

Neste meio tempo, Tulchin passou a fazer novas exig�ncias. Queria, al�m do longa, uma s�rie em DVD. N�o houve como fechar um contrato. Tulchin deixou a Historic Films e assinou com a Newmarket Films. Morreu aos 95 anos, em 2017, sem nada ter sido feito at� ent�o. Somente depois o material foi negociado para a Searchlight (divis�o da Walt Disney Company), com Questlove como diretor. 

O papel de Joe Lauro na conserva��o das fitas n�o foi mencionado ou creditado quando o filme foi lan�ado. A hist�ria veio a p�blico a partir de postagens em redes sociais. 

O Los Angeles Times publicou um comunicado enviado pela Searchlight: “N�o h� d�vida do envolvimento de Joe Lauro com as imagens do Festival Cultural do Harlem. Os respons�veis por 'Summer of soul' n�o deixaram essa hist�ria de fora do filme para ignorar este trabalho. Na verdade, em entrevistas recentes, os produtores reconheceram que qualquer um que reconheceu o valor da filmagem merece cr�dito por isso”. (MP)


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