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Estado de Minas LITERATURA

Livro publicado em 1932 por precursora do feminismo ganha nova edi��o

Nascida em Manhua�u no s�culo 19, Maria Lacerda de Moura defendeu o direito da mulher a uma vida livre e aut�noma em ''Amai e... n�o vos multipliqueis''


26/02/2022 04:00 - atualizado 26/02/2022 08:02

Foto em p&b do rosto de Maria Lacerda de Moura, com seu nome anotado na moldura superior
Maria Lacerda de Moura nasceu em 1887, em Manhua�u, e foi criada em Barbacena, mudando-se depois para S�o Paulo (foto: Arquivo Nacional/Fundo Correio da Manh�)

“Os deveres primordiais da mulher s�o os deveres do indiv�duo para consigo mesmo: antes de ser esposa e m�e, a mulher � criatura humana com direito ao respeito a si mesma, com direito � liberdade de viver, com o dever de buscar, por si, a plenitude da realiza��o interior. E para saber amar, n�o precisa ser esposa: basta ser mulher.”

Neste in�cio de 2022, tal afirma��o ainda pode ser controversa para alguns grupos.  Aos olhos de 1932, ela certamente gerou pol�mica. Publicado h� exatos 90 anos, o livro “Amai e... n�o vos multipliqueis”, de Maria Lacerda de Moura (1887-1945), reuniu textos da autora que era contra as formas de autoridade que oprimiam a mulher: Deus, p�tria e fam�lia, em ess�ncia.

Com nova edi��o da Ch�o Editora, que chegar� �s livrarias em 7 de mar�o pr�ximo, a obra apresenta a atualidade do pensamento desta professora, escritora, anarquista e feminista. Mulher que acreditava que cabia a cada uma escolher quem amar – e que seria poss�vel amar mais de uma pessoa. Que acreditava que a maternidade tinha que ser uma escolha pessoal, e n�o a �nica op��o poss�vel. Defendia ferozmente a individualidade, e teve um caminho mais solit�rio.

 “A escrita da Maria Lacerda � bem direta, panflet�ria. Ela quer convocar a massa, apesar de n�o querer ser uma lideran�a. Os textos v�o direto ao ponto, n�o fazem rodeio e tocam na quest�o primordial, que � o papel da mulher como reprodutora no sistema capitalista, da forma que o patriarcado colocou”, afirma Mariana Patr�cio Fernandes. 

Autora do posf�cio do livro, ela � professora do Departamento de Ci�ncia da Literatura e pesquisadora do programa de p�s-gradua��o de ci�ncia da literatura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Mulher vestida de branco em frente a uma casa de tijolos aparentes e telhado tradicional, com materiais de limpeza encostados à parede
Em Guararema, no interior paulista, ela viveu numa comunidade agr�cola anarquista no final da d�cada de 1920 (foto: LISA/USP/DIVULGA��O)

ANARQUISMO 

A biografia de Maria Lacerda � t�o interessante quanto o conte�do de seus textos – os de “Amai...” foram inspirados nos artigos que ela escreveu para O Combate, jornal anarquista e oper�rio que circulou em S�o Paulo nas primeiras d�cadas do s�culo 20.

Nascida em Manhua�u, na Zona da Mata mineira, em uma fam�lia de classe m�dia baixa esp�rita e anticlerical, Maria Lacerda foi criada em Barbacena. Naquela cidade, formou-se professora. As quest�es sociais sempre estiveram em seu foco: j� no in�cio da carreira, participou de campanhas de alfabetiza��o e reformas educacionais. Viveu em Minas at� 1921, quando se mudou para S�o Paulo. 

Na �poca, j� preocupada com a emancipa��o das mulheres, teve um flerte com o movimento feminista. Romperia com o movimento mais tarde, pois entendeu que a luta pelo direito pelo voto (conquistado pelas mulheres no Brasil em 1932) respondia a uma pequena parcela das demandas femininas. “De que serve o direito pol�tico para meia d�zia de mulheres, se toda a multid�o feminina continua v�tima de uma organiza��o social de privil�gios e castas em que o homem tomou todas as partes do le�o?”, escreveu.

Na capital paulista, tamb�m se ligou ao movimento oper�rio, colaborando na imprensa independente. Em 1928, mudou-se para Guararema, interior de S�o Paulo. Foi viver em uma comunidade agr�cola anarquista. Foram nove anos morando com um grupo de pessoas, brasileiros como tamb�m europeus exilados, que viviam sem hierarquias e longe dos ideais da sociedade burguesa.

Perseguida pela pol�cia pol�tica de Get�lio Vargas, a comunidade rural se desfez e Maria Lacerda voltou a Barbacena por um curto per�odo. Mudou-se, no final dos anos 1930, para o Rio de Janeiro, onde viveu at� a morte. Publicou muito em vida. 

Foi casada durante 20 anos com o funcion�rio p�blico Carlos Ferreira de Moura. Divorciou-se dele, mas manteve a amizade at� o fim da vida. Foi companheira do franc�s Andr� N�blind, mentor da comunidade de Guararema, que foi preso e deportado em 1937. N�o teve filhos, mas adotou uma menina e um menino, Jair, que era seu sobrinho.

FILHO 

Cortaram os la�os, conforme Maria Lacerda revelou no artigo “Profiss�o de f�”, publicado em 1935 na revista A lanterna. “H� meia d�zia de dias, tive a confirma��o: n�o s� Jair � integralista, como at� j� � tenente. Pois bem. Meu filho adotivo morreu. Somos a ponte entre duas �pocas. N�o � mais poss�vel nenhuma atitude amb�gua.”

“Acho que hoje, infelizmente, estamos muito pr�ximos dos anos 1930. E n�o s� no Brasil como no mundo. Por isso o texto dela volta com tanta atualidade, pois o fundamentalismo religioso, o fanatismo atravessam gera��es”, comenta Mariana Fernandes, lembrando-se da import�ncia da historiografia feminista. A principal pesquisadora da obra de Maria Lacerda, Miriam Moreira Leite, publicou em 1984 o ensaio biogr�fico “Outra face do feminismo”.

Para Mariana Fernandes, o pouco conhecimento que se tem da obra e da trajet�ria de Maria Lacerda fora dos meios especializados � comum a outras figuras femininas. “A historiografia feminista faz um esfor�o enorme para sair do processo de esquecimento. A Pagu (Patr�cia Galv�o) ficou um temp�o sem ser publicada, a Tia Ciata teve uma import�ncia enorme na hist�ria do samba carioca (e seu nome � pouco falado). Mas tamb�m acho que o feminismo, principalmente a partir dos anos 1990, tem tentado se conectar com vozes do passado, ainda que dentro da grande m�dia as mulheres sejam, em geral, secund�rias. Mas acho que a situa��o est� mudando.”

O importante, diz a pesquisadora, � que o pensamento de Maria Lacerda permanece atual. “A maneira como ela escreve sobre maternidade, sexualidade, prazer, de como pensar o amor e o sexo �, na verdade, um modo de resist�ncia ao capitalismo e ao patriarcado. S�o temas do feminismo russo, da Revolu��o Russa (1917), que � contempor�nea dela. Maria Lacerda pensa como os afetos s�o pol�ticos, tema que desdobrou no s�culo 20 e que no 21 � ainda muito debatido. E veio antes de Simone de Beauvoir (1908-1986), antes do movimento feminista dos anos 1960 e 1970”, conclui.
Capa da primeira edição do livro 'AMAI E... NÃO VOS MULTIPLIQUEIS'
A primeira edi��o do livro, que re�ne textos publicados no jornal O Combate, saiu em 1932 (foto: Acervo Edgard Leurenroth)

TRECHO

“Por si mesma, a moral, de que se alimenta a sociedade vigente, decreta a pr�pria fal�ncia. Essa moral odiosa, de classes de ricos piedosos e de pobres a receberem esmolas, de exploradores caridosos e explorados calculadamente vigiados pela for�a armada, mantenedora da passividade exterior e da revolta latente dos ilotas modernos, essa moral farisaica, para os ricos aconselha a caridade, a distribui��o ostentosa do sup�rfluo adquirido � custa do suor prolet�rio e para os pobres recomenda a resigna��o passiva, o receber, humildemente, as sobras que espirram, por acaso, das mesas dos ricos e olhar ainda, agradecidos, para essas m�os orgulhosas que se divertem nas caridades exibicionistas dos sal�es elegantes, tirando partido das mis�rias sociais para o seu prazer.”
 
 
 
 

Capa do livro 'AMAI E... NÃO VOS MULTIPLIQUEI'
(foto: Ch�o Editora/Divulga��o)

“AMAI E... N�O VOS MULTIPLIQUEIS”

Maria Lacerda de Moura
Ch�o Editora (328 p�gs.)
R$ 74
Nas livrarias em 7 de mar�o


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