Livro analisa por que as ideias de Bolsonaro conquistaram o eleitor
Em 'A linguagem da destrui��o', Heloisa Starling, Newton Bignotto e Miguel Lago analisam por que as ideias do presidente Jair Bolsonaro conquistaram o eleitor
Jair Bolsonaro participa de solenidade para o lan�amento do Programa Renda e Oportunidade, no Pal�cio do Planalto, no �ltimo dia 25 (foto: Evaristo S�/AFP)
A ideia central � compartilhada pelo trio. Jair Bolsonaro mira em um s� ponto: a destrui��o. A partir desta quest�o, tr�s professores universit�rios de diferentes �reas se uniram para refletir sobre o fen�meno do bolsonarismo.
Com lan�amento nesta segunda-feira (11/4), o livro “A linguagem da destrui��o – A democracia brasileira em crise” (Companhia das Letras) uniu dois mineiros, a historiadora Heloisa Starling e o fil�sofo Newton Bignotto, e o cientista pol�tico carioca Miguel Lago.
O texto de Lago, que abre o livro, � mais conjuntural, abordando a resili�ncia de Bolsonaro a partir do pr�prio discurso amplificado pelas redes sociais. Heloisa trata do reacionarismo do grupo pol�tico no poder e Bignotto reflete sobre as influ�ncias do populismo e do fascismo no bolsonarismo.
“Evitamos certo ‘profetismo’. Vai acontecer isso, aquilo, mas por qu�? Na maior parte das vezes, n�o sabemos o que vai acontecer. � um cen�rio de possibilidades, e n�o de verdades”, comenta Newton Bignotto na conversa a seguir, realizada tamb�m com Heloisa Starling e Miguel Lago.
Miguel, sem redes sociais n�o haveria Bolsonaro?
Miguel Lago – Temos que tomar cuidado para n�o cairmos em um determinismo tecnol�gico. Dito isso, acho que n�o aconteceria o bolsonarismo sem rede social. Acho que haveria extrema direita, tanto o Newton quanto Heloisa abordam o passado hist�rico em seus textos, ou seja, o substrato em si estava l�. Mas n�o vejo o Bolsonaro como uma lideran�a pr�-rede social, tanto que ele n�o era. Ele n�o sabe falar. Ele � muito bom de falar frases supercurtas. � mem�tico, mas quando o vemos na televis�o � uma trag�dia, n�o junta uma frase com outra. N�o � uma lideran�a populista cl�ssica, � carism�tico, mas n�o como no passado. As redes sociais s�o fundamentais para a gente entender que a extrema direita poderia ter outras caras, mais qualificadas inclusive.
(foto: Fernando Rabelo/Divulga��o)
"A minha hip�tese � que esse sujeito ressentido encontrou uma acolhida (em Bolsonaro)"
Heloisa Starling, historiadora
Heloisa Starling – O Miguel chama a aten��o para como linguagem do Bolsonaro se constr�i e funciona nas redes. Ela � disseminada pelos afetos tristes. O ataque a Miriam Leit�o (o deputado Eduardo Bolsonaro debochou, via Twitter, da tortura que ela sofreu durante a ditadura) � uma quest�o muito importante. N�o se faz chacota com a tortura. E isso virou um assunto para o filho do Bolsonaro que passou a render, ganhou palco. A gente precisa chamar a aten��o para essa linguagem, pois o que ela est� desdobrando � o mal como instrumento da luta pol�tica. O que ele fez � muito mais do que chacota, falou que as pessoas s�o sup�rfluas, s�o coisas e, portanto, podem ser eliminadas. E foi com uma mulher, e uma mulher com voz p�blica. L� atr�s (em 2016, na vota��o da abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff), o pai dele evocou e colocou o (coronel Carlos Alberto Brilhante) Ustra, o �nico torturador condenado pela Justi�a brasileira, ao lado de (Duque de) Caxias, dentro do Congresso Nacional, e ningu�m fez nada. Vai chegar uma hora em que n�s j� n�o vamos mais poder fazer nada, como diria Brecht.
Heloisa, voc� escreveu que o “homem da massa”, aquele que vai �s manifesta��es bolsonaristas, sabe que “sem Bolsonaro, todos voltam � situa��o original de irrelev�ncia pol�tica”. � o que une as pessoas?
Heloisa Starling – Quando comecei a trabalhar no livro, uma das quest�es importantes para tentar entender o que o Miguel chama de “resili�ncia do Bolsonaro” era o que teria acontecido com a sociedade brasileira para que ela n�o s� o apoiasse, mas que continuasse apoiando tr�s anos depois e agora, com tal vigor, est� disposta a reeleg�-lo. Acho que num ponto houve o processo do esgar�amento do sentido de pertencimento social, da rela��o das pessoas na sociedade. Na hora em que o sujeito est� sozinho, ele n�o opera mais com a classe, n�o tem mais comunidade. Ent�o, de um lado, a sociedade perdeu esse sentido, cada um est� sozinho por sua conta. As desigualdades s�o vistas individualmente. Tudo aquilo que perdi, meus privil�gios, meu emprego, eu vivo individualmente. A minha hip�tese � que esse sujeito ressentido encontrou uma acolhida (em Bolsonaro). Diz que a culpa n�o � sua, constr�i uma hist�ria para voc�, dizendo de que teve um tempo em que tudo funcionava bem no Brasil, todos eram felizes, e que temos que voltar a este tempo. Voc� tem um conjunto que chamei de afetos tristes que vai disseminar a linguagem – o ressentimento � o caldo que est� fervendo.
(foto: Rodrigo Valente/divulga��o)
"Bolsonaro, no plano emocional, foi capaz de capturar uma demanda por exclus�o"
Newton Bignotto, fil�sofo
Newton, a partir da an�lise de Freud em “Psicologia das massas e a an�lise do eu” (1921), voc� escreve que Bolsonaro “� a conflu�ncia de uma ideia com um l�der que tornou vis�vel e aplic�vel um conjunto de proposi��es, mais ou menos extremadas, que j� faziam parte do universo pol�tico brasileiro”. Ou seja, ele foi o canal?
Newton Bignotto – Rupturas v�o sendo feitas e, �s vezes, n�o s�o identificadas mesmo pelos estudiosos mais argutos. Na quest�o do Freud, um dos pontos � a puls�o de morte. Ela diz respeito ao indiv�duo, mas tamb�m �s sociedades de massa. Todos n�s fomos pouco atentos para a transforma��o do Brasil da primeira metade do s�culo 20 para o de hoje, que � plenamente uma sociedade de massa. E tais sociedades respondem a quest�es pol�ticas de maneira diferente das sociedades tradicionais, como era o Brasil ainda rural em boa parte da primeira metade do s�culo 20. O bolsonarismo e o Bolsonaro nascem como uma quebra dos padr�es de comunidade, de uma massa � cata de um l�der. A identifica��o com o l�der n�o se d� com a express�o de interesses racionalmente propugnados, mas em grande parte com ades�o emocional, e esta faz com que a massa se torne infensa � pr�pria realidade. Em qualquer lugar, eu diria que a popularidade de um presidente, que tem atua��o de tal maneira ruim numa crise sanit�ria que provoca o aumento do n�mero de mortes, estaria altamente comprometida. A morte nos interpela nesse di�logo entre puls�o de vida e de morte. S� que o encontro de puls�o de morte produz um resultado inesperado, um bolsonarismo resiliente. Acho que nos preparamos mal para a compreens�o das din�micas das sociedades de massa. Agora, com meios de comunica��o horizontais, a expectativa de pertencimento � exatamente o qu�? Uma abstra��o, que � a rede. O Bolsonaro, no plano emocional, foi capaz de capturar uma demanda por exclus�o. Somos unos desde que excluamos todos os outros das comunidades fr�geis, como os ind�genas, a comunidade LGBT. � uma comunidade fict�cia baseada no ressentimento e no elogio da viol�ncia.
O que Bolsonaro tem de original diante de outros l�deres de calibre destrutivo como Viktor Orb�n (Hungria), Donald Trump (EUA) e Rodrigo Duterte (Filipinas)?
Newton Bignotto – Acho que o Bolsonaro radicaliza a no��o de ditadura. H� um elemento de destrui��o que � absoluto, pois ele n�o quer construir rigorosamente nada. � um projeto de destrui��o que n�o se v� em outros l�deres, ent�o acho que isso � original dele. � algo que n�o se v� nem mesmo no Trump: ele n�o desmontou, por exemplo, a Receita Federal dos EUA, coisa que do ponto de vista da governabilidade � insana. Bolsonaro d� centralidade � ideia da destrui��o.
Heloisa Starling – Talvez seu tra�o original seja a radicaliza��o da morte. Como assumir o poder, levar a morte �s �ltimas consequ�ncias e a sociedade assistir a isso. A sociedade precisa reagir, pois se n�o houver limites, significa que ela sofre de apatia e de degrada��o dos la�os da comunidade. Todos os governantes evocam o passado. O Trump tem sua utopia regressiva, que � a de fazer os EUA grandes novamente. Mas quando ele olha para o passado, faz um gesto em dire��o a um projeto de pa�s. O Bolsonaro, em sua utopia regressiva, mostra aus�ncia de projeto de pa�s. Ele n�o evoca a ditadura dos generais, do Geisel, do Golbery, do Costa e Silva, mas a ditadura do por�o, da linha dura, dos oficiais de baixo escal�o que se comprometeram com a repress�o. Era ocupar o poder e destruir a democracia. E foi esta turma que procedeu �s mortes.
(foto: Acervo pessoal)
"Bolsonaro se comporta como ativista, mesmo governando. E o ativista precisa radicalizar"
Miguel Lago, cientista pol�tico
Miguel Lago – O Orb�n, que vem de uma estrutura mais tradicional pol�tico-partid�ria, tem um partido que construiu com movimento social atrav�s de um trabalho de mobiliza��o bem feito. O Trump � um outsider que se especializou em trabalhar a pr�pria imagem, uma celebridade que acabou sendo abra�ada, ap�s as pr�vias, pelo Partido Republicano. O (primeiro-ministro Narendra) Modi foi um governador bem avaliado na �ndia, de um partido importante. O Bolsonaro chegou de paraquedas: n�o tinha partido pol�tico, n�o tinha trajet�ria pol�tica de gest�o que o qualificasse para o cargo, tamb�m n�o era uma personalidade. Era um grande youtuber. Ele entrou com menos amarras, se elegeu muito mais sozinho do que os outros e ent�o devia muito menos favor, tinha mais liberdade de atua��o. O que acho interessante na atua��o dele � que Bolsonaro se comporta como ativista, mesmo governando. E o ativista precisa radicalizar. � uma postura revolucion�ria nesse sentido: vou radicalizar, radicalizar, at� ver onde me deixam ir.
ENCONTRO MARCADO
Os tr�s autores de “Linguagem da destrui��o” v�o se encontrar em 28 de abril, no projeto Sempre um Papo. O bate-papo com Heloisa Starling, Newton Bignotto e Miguel Lago ser� �s 19h no Teatro Jo�o Ceschiatti do Pal�cio das Artes (Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro), com entrada franca. O evento ser� transmitido pelas redes sociais do projeto.
(foto: Companhia das Letras/reprodu��o)
“LINGUAGEM DA DESTRUI��O – A DEMOCRACIA BRASILEIRA EM CRISE”
>> De Heloisa Starling, Miguel Lago e Newton Bignotto