
Sexto t�tulo da discografia de Marina de la Riva, o rec�m-lan�ado “Raices compartidas” n�o � um trabalho de agora, mas sim de toda uma vida, conforme aponta a cantora. Com nove faixas – sete cantadas em castelhano e duas em portugu�s –, sendo uma delas, “Y que sabes tu?”, a primeira composi��o autoral que ela traz a p�blico, o �lbum sintetiza uma trajet�ria que sempre se deu entre as culturas cubana, por heran�a paterna, e brasileira.
As ra�zes compartilhadas a que o t�tulo alude s�o, na verdade, amalgamadas, segundo Marina. Ela conta que, em sua casa, ouvia-se tanto m�sica cubana como brasileira e tamb�m de outros pa�ses, sem que se fizesse qualquer tipo de distin��o. “Foi um privil�gio que tive na minha casa. N�o havia diferen�a, era s� m�sica e pronto, para absorver, se deleitar, se maravilhar”, afirma.
Marina diz que esse caldo cultural convergiu em sua sensibilidade art�stica e, desde o in�cio de sua carreira, h� 15 anos, ela sempre respondeu a essa converg�ncia em forma de m�sica. “Meu pai veio de Cuba, nasci no Brasil, fui criada junto com uma grande comunidade cubana, ent�o sempre falei dessa di�spora, sempre levantei essa bandeira do compartilhamento. Agora estou dando nome a tudo o que aconteceu”, diz.
Na verdade, nem o nome � exatamente de agora. Marina conta que, em 2005, quando foi a Cuba pela primeira vez para come�ar a projetar o que seria seu disco de estreia, j� levou consigo o nome “Raices compartidas”. O debute fonogr�fico da cantora acabou batizado apenas como “Marina de la Riva” e aquele t�tulo inicialmente planejado ficou guardado at� agora, quando ela, de certa forma, estreia novamente – agora como compositora.
'Outro dia, estava conversando com a C�u sobre a partir de quando decidimos ser cantoras, e ela me dizia que tinha essa vontade e essa certeza desde menina. Eu, pelo contr�rio, meio que sempre lutei contra isso, porque a m�sica era para mim uma coisa t�o �ntima que eu n�o me via cantando, compartilhando com outras pessoas. Hoje, entendo que preciso estar mergulhada num mar de m�sica e me expressar por meio dela. Meu farol � esse sentimento art�stico indom�vel'
Marina de la Riva, cantora e compositora
REPERT�RIO
O repert�rio do �lbum, que inclui temas como “Besame mucho” e “Cochito”, ambas de Consuelo Vel�squez; “La gloria eres tu”, de Jos� Antonio M�ndez, “Influ�ncia do jazz”, de Carlos Lyra, e “Ai, ai, ai, ai, ai”, de Ivan Lins e Vitor Martins – que aparece em duas vers�es, portugu�s e castelhano –, � resultado de uma escolha afetiva, segundo a cantora. Ela conta que, desde que resolveu se lan�ar como artista, seu farol sempre foi o cora��o.
“Outro dia, estava conversando com a C�u sobre a partir de quando decidimos ser cantoras, e ela me dizia que tinha essa vontade e essa certeza desde menina. Eu, pelo contr�rio, meio que sempre lutei contra isso, porque a m�sica era para mim uma coisa t�o �ntima que eu n�o me via cantando, compartilhando com outras pessoas. Hoje, entendo que preciso estar mergulhada num mar de m�sica e me expressar por meio dela. Meu farol � esse sentimento art�stico indom�vel.”
Um olhar mais atento ao repert�rio de “Raices compartidas” vai revelar que quase todas as m�sicas remontam a meados do s�culo passado; foram originalmente lan�adas entre os anos 1940 e 1960. Marina assente sua predile��o por essa produ��o de outrora.
“Sou uma pesquisadora nata e sinto que tenho interesse por essa m�sica mais distante no tempo, primeiro porque esse � o ambiente de identifica��o e de mem�ria afetiva que guardo, e segundo porque � um ba� de obras com melodias imbat�veis, e � a� onde eu me deito, nas asas da melodia, sempre atenta ao ritmo, para fazer soar meu canto.”
Al�m de “Humo de tabaco”, uma composi��o contempor�nea, de pegada pop, assinada pelo cubano radicado no Canad� Alex Cuba, a outra �nica faixa nova � a composi��o da pr�pria Marina. Ela diz que “Y que sabes tu?” representa muito para sua carreira, para seu atual momento, e que foi importante apresent�-la dentro desse corpo musical que � “Raices compartidas”.
PLANETAS
A decis�o de somente agora se apresentar como compositora � resultado de um “alinhamento de planetas”, segundo a cantora. Ela diz que a can��o, que ganhou um elegante arranjo orquestral, � uma esp�cie de provoca��o.
“Sa� de um jantar onde havia alguns amigos queridos conversando sobre quest�es diversas, mas essa conversa me deu uma dor. Hoje em dia todo mundo tem uma opini�o formada sobre tudo e eu me senti insultada ao ouvir pessoas falando sobre situa��es em geral e sobre Cuba, em particular, sem ter nenhuma autoridade ou propriedade para isso”, diz.
Ela conta que, em vez de iniciar uma discuss�o com os convivas, apenas se despediu e foi para casa, onde, num fluxo, comp�s ao piano “Y que sabes tu?”. O mote simb�lico da m�sica, conforme conta, foi a imagem de uma cadeira vazia que seu marido lhe apresentou.
“Existe um h�bito nas fam�lias cubanas de ficarem nas varandas, nas cadeiras de balan�o, conversando ao entardecer; � a hora do charuto. Essas cadeiras, com os rompimentos das fam�lias a partir do �xodo grande que houve em Cuba, ficaram vazias. Uma cadeira vazia, em sil�ncio, � uma dor muito grande, porque voc� sente a pessoa ali”, comenta.
Marina conta que seu av� saiu de Cuba rumo ao Brasil e, em tr�nsito, ligou para a esposa, que havia ficado na ilha, para dizer que tinha achado um lugar para construir um novo lar e uma nova hist�ria.
“Mas ela morreu antes de chegar ao Brasil. Teve um ataque card�aco. Meu av� teve que voltar para enterrar minha av�. A gente vive essas situa��es muito tristes apenas por disparidades ideol�gicas”, diz.
ATUALIDADE
A compositora considera que “Y que sabes tu?” ganha ares de atualidade diante de um cen�rio de retomada do Afeganist�o pelo Talib� e da guerra na Ucr�nia. “Imagina as fam�lias na fronteira com a Pol�nia, com os homens tendo que voltar para lutar uma guerra que n�o � deles e as mulheres e crian�as tendo que seguir para o ex�lio. Uma imagem muito forte para mim � aquele momento em que um pai e uma m�e est�o entregando um beb� para um soldado do Ex�rcito americano, para que aquele beb� pudesse ter uma vida. ‘Y que sabes tu?’. E quando esse beb� crescer e disser que os pais o deram a um desconhecido? Com essa for�a interna t�o grande, essa m�sica veio � tona e eu tive coragem de traz�-la a p�blico”, detalha. A m�sica abre as comportas para que mais composi��es autorais possam ocupar um maior espa�o nos shows e discos da cantora. Ela pondera que acha dif�cil se expor, mas diz que, ao mesmo tempo, � um desejo mostrar sua verve criativa.
“Como int�rprete, eu me aproprio da obra alheia. Como compositora, eu tenho um n�vel de exposi��o bem maior, mas, sim, quero cada vez mais experimentar isso de trazer minhas m�sicas para o p�blico”, afirma, acrescentando que no pr�prio show de lan�amento de “Raices compartidas” pode incluir outros temas autorais.
LOS ANGELES
Curiosamente, apesar de transitar entre Brasil e Cuba, o novo disco de Marina foi gravado em Los Angeles, com produ��o do brasileiro radicado nos EUA Moogie Canazio, que j� ganhou o Grammy principal com os artistas S�rgio Mendes e Jo�o Gilberto. Marina diz que sempre quis trabalhar com ele, com quem j� cultivava uma amizade. “Precisava dele para tirar o melhor. Eu queria essa experi�ncia qualitativa tamb�m”, aponta.
As grava��es ocorreram no East West Studios, onde Tom Jobim gravou seu c�lebre disco com Frank Sinatra, em 1967. “Gra�as a Deus, s� fiquei sabendo disso depois”, pontua Marina. “Cantei ao vivo com os m�sicos no est�dio. Nunca gostei desse neg�cio de gravar a voz separadamente. Gosto de cantar ali, quando est� tudo acontecendo, porque dou o meu melhor, estou mais atenta. Tem a ver com isso de levar um pouco da experi�ncia do palco para o est�dio. Gravar em Los Angeles foi muito especial.”
Al�m dos arranjos orquestrais que embalam tanto “Y que sabes tu?” quanto “Besame mucho”, uma forma��o instrumental portentosa atravessa todo o �lbum, que tem uma sonoridade encorpada e elegante.
A banda que acompanha Marina � formada pelo argentino Cheche Alara (piano e arranjos), o peruano Ramon Stagnaro (viol�es e guitarra), o cubano Carlito del Puerto (baixo), o norte-americano Vinnie Colaiuta (bateria), os brasileiros Jess� Sadoc (trompete) e Rafael Rocha (trombone), e as percuss�es divididas pelos cubanos Luis Conte e Rafael Padilla.
CONVIDADOS
Al�m desses m�sicos, “Raices compartidas” conta com a presen�a do argentino (que j� morou no Brasil) Torcuato Marino, que assina o arranjo e toca viol�o em “Besame mucho”, e de Ney Matogrosso, que divide com Marina os vocais em “Cachito”. “Eu estava num momento de ang�stia, no meio da pandemia, e entrei em contato com Ney, que � um amigo de longa data que eu adoro”, conta.
Ela diz que se “Raices compartidas” vem � luz agora �, em grande medida, por um empurr�ozinho de Ney. “Ele � desses amigos que te ouvem e respondem. Eu perguntava: por que fazer um �lbum novo? O que tenho para dizer? Eu venho fazendo esse disco ao longo de uma vida inteira e senti que agora, com a maturidade art�stica, era o momento de concretizar, mas com essa ang�stia. O Ney disse que eu tinha que fazer esse disco, e eu disse que sim, desde que ele participasse”, detalha.
A arregimenta��o da sele��o multinacional de m�sicos ficou a cargo de Moogie, segundo Marina. Ela destaca que esta foi a primeira vez que trabalhou com um produtor musical, o que lhe trouxe desafios e conquistas. “O Moogie � quem me apresentou esse time de m�sicos. Alguns eu j� conhecia, como o Luis Conte e o Vinnie Colaiuta. O Carlitos eu n�o conhecia, mas conhecia o trabalho do pai dele”, diz, acrescentando que, at� ent�o, essa situa��o era in�dita em sua trajet�ria.
“Todas as vezes em que entrei em est�dio para gravar foi com m�sicos que s�o amigos. No caso, agora, eu n�o tinha rela��o pr�xima com ningu�m, mas s�o profissionais do mais alto gabarito, que se entregam. Com uma semana, fiquei amiga de inf�ncia desse time. Profissionalmente, foi uma experi�ncia incr�vel”, diz. “Foi emocionante ver a rea��o desses m�sicos quando eles ouviram ‘Y que sabes tu?’ sem saber de quem era a autoria; eles adoraram, genuinamente.”
“RAICES COMPARTIDAS”
. Marina de la Riva
. Lan�amento independente
. Nove faixas
. Dispon�vel nas principais plataformas