(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas AUDIOVISUAL

Xenofobia ou diferen�a cultural? Produ��es japonesas estimulam o debate

'Crescidinhos' e 'Kotaro vai morar sozinho' recebem cr�ticas no Brasil, mas especialistas destacam incentivo do Jap�o � autonomia de crian�as e adultos


26/04/2022 04:00 - atualizado 26/04/2022 00:43

Desenho Kotaro vai morar sozinho mostra criança japonesa à frente da mesa de refeições
Em 'Kotaro vai morar sozinho', crian�a de 4 anos toma conta da pr�pria vida (foto: Netflix/divulga��o)

Para quem assistiu ao anime “Kotaro vai morar sozinho”, na Netflix, a premissa de uma crian�a de 4 anos viver por conta pr�pria pode parecer absurda. Uma vers�o mais moderada, entretanto, pode ser assistida em “Crescidinhos”, reality show tamb�m dispon�vel na plataforma de streaming.

Produzido desde 1991 pela Nippon TV, o reality filma crian�as entre 2 e 4 anos de idade realizando pequenas miss�es para seus pais, desde entregar pacotes at� fazer compras no mercadinho do bairro. O pr�prio t�tulo original em japon�s, “Hajimete no Otsukai” (“Minha primeira tarefa”), j� indica a ess�ncia do programa, que, na plataforma, conta com 20 epis�dios de cerca de 10 minutos cada.

O lan�amento da s�rie pela Netflix nos Estados Unidos e no Brasil, entretanto, reacendeu uma discuss�o latente: como as diferen�as culturais devem ser enxergadas sem estimular a xenofobia?.

No Twitter, o perfil @yuri_kaaa comentou a repercuss�o que a revista Veja deu ao programa, ao retrat�-lo, em sua manchete, como "o bizarro reality japon�s que 'abandona' crian�as pelas ruas".

Para Yuri, que � tradutora e revisora de japon�s para ingl�s e portugu�s e atualmente mora em T�quio, se banir o uso da palavra bizarro em reportagens sobre o Jap�o, grande parte dos jornalistas n�o conseguir�o mais escrever sobre o pa�s asi�tico.

Gabriel Akira, professor de japon�s, estudante de direito da USP e integrante do coletivo asi�tico-brasileiro Dinamene, que discute quest�es das di�sporas asi�ticas, essa n�o � a primeira vez em que uma situa��o assim ocorre em rela��o a retratos da cultura japonesa no Brasil. O pr�prio uso da palavra oriente j� indica algo ex�tico em contraposi��o a um suposto “ocidente” civilizado, ao seu ver.

Menina japonesa pequena anda na rua, sozinha. Atrás dela há um adulto
No reality show 'Crescidinhos', crian�as entre 2 e 4 anos executam pequenas miss�es para seus pais (foto: Netflix/divulga��o)

"N�o � um caso isolado. A gente v� esse tipo de repercuss�o em diferentes coisas, n�o s� ligadas ao Jap�o, mas, de maneira geral, a qualquer coisa asi�tica. O Jap�o acaba ganhando um certo protagonismo na m�dia. Hoje, vemos isso em diferentes formas, desde estere�tipos negativos at�, inclusive, estere�tipos positivos, de certa maneira, e a� entre aspas. Mas, por exemplo, no caso do Jap�o, a gente sempre v� o pa�s sendo retratado ou como uma coisa bizarra ou como um lugar muito avan�ado tecnologicamente, sendo que n�o � nem uma coisa nem outra”, comenta.

Para ele, o Jap�o � uma sociedade de seres humanos que tem seus problemas, seus aspectos interessantes, enfim, quest�es positivas e negativas como qualquer sociedade. “A brasileira tamb�m � assim. Basta tentar inverter um pouco a rela��o, o ponto de vista. Tentar estigmatizar isso como uma coisa �nica do 'bizarro japon�s' � um problema. Se fosse um caso isolado, passaria, mas n�o � isolado”, acrescenta.

Akira, que j� morou no Jap�o, confessa ter ficado surpreso ao saber do lan�amento do reality por aqui e credita essa repercuss�o ao fato de os japoneses incentivarem as crian�as a serem mais independentes em rela��o aos pais do que os brasileiros. A preocupa��o dos japoneses quanto � seguran�a, entretanto, � a pedra fundamental n�o apenas dessa cultura de incentivo, mas tamb�m do reality show.

Em “Crescidinhos”, as crian�as que participam das grava��es s�o selecionadas ap�s longa avalia��o e contato com os respons�veis. Os vizinhos e comerciantes da regi�o tamb�m s�o avisados sobre a produ��o e as �nicas pessoas que n�o sabem sobre o programa s�o justamente as crian�as. Os pequenos s�o seguidos por equipes de grava��o com c�meras escondidas ou disfar�adas como malas de m�o.

''No caso do Jap�o, a gente sempre v� o pa�s sendo retratado ou como coisa bizarra ou como lugar muito avan�ado tecnologicamente, sendo que n�o � nem uma coisa nem outra''

Gabriel Akira, professor de japon�s e integrante do coletivo asi�tico-brasileiro Dinamene


AUTONOMIA

Akira destaca que, em ambas as situa��es, as crian�as est�o em ambientes controlados, quer pela produ��o do programa, quer pelos grupos comunit�rios de moradores que prezam pela seguran�a dos pequenos a caminho da escola.

Ele comenta que a crian�a � incentivada, desde cedo, a ir para a escola sozinha ou acompanhada de colegas, sobretudo em cidades menores, mas tamb�m, em menor medida, nas grandes metr�poles. Raramente as crian�as n�o v�o sozinhas ou em grupo para a escola. H� um processo de educa��o por parte das pr�prias escolas sobre os cuidados a serem tomadas ao atravessar as ruas, evitar contato com estranhos, e outros protocolos.

“O programa � t�o antigo que chegou a ter epis�dios especiais de crian�as que foram filmadas e depois de crescidas s�o entrevistadas de novo. De fato, tem um certo choque cultural, porque isso � realmente algo cultural do Jap�o. N�o nesse n�vel de exagero do programa de mandar uma crian�a de 2 anos andar quil�metros para comprar alguma coisa no supermercado, mas � algo cultural bem forte incentivar que as crian�as tenham de fazer determinadas tarefas, como aparece at� no t�tulo original, algo como minha primeira tarefa. Isso � muito incentivado, porque valoriza a autonomia da crian�a”, comenta Akira, destacando a preocupa��o japonesa com a seguran�a p�blica.
 
Com olhar tenso, três personagens da série Round 6 estão lado a lado, olhando para o alto. Um deles carrega um pau para se defender
Com s�rie sul-coreana 'Round 6', Netflix chamou a aten��o do mundo para produ��es asi�ticas
 

Plataforma aposta na influ�ncia asi�tica

A Netflix est� apostando firme na influ�ncia cultural asi�tica. Depois do sucesso da s�rie sul-coreana “Round 6”, a plataforma de streaming j� lan�ou a vers�o japonesa do reality “Casamento �s cegas”, al�m de “Crescidinhos” e diversos animes antigos e mais recentes.

Para Gabriel Akira, professor de japon�s e integrante do coletivo asi�tico-brasileiro Dinamene, entretanto, a quest�o � como se d� o interesse do p�blico em rela��o a produ��es asi�ticas feitas para japoneses, em ambientes pr�prios e que muitas vezes passeiam por diferentes lugares do Jap�o, o que � interessante para quem deseja conhecer melhor diferentes aspectos da cultura nip�nica.

“Muitas vezes, as pessoas consomem essas coisas de maneira muito superficial e acabam esquecendo que existe uma quest�o cultural por tr�s. N�o � que voc� precise ser doutor em sociologia para assistir a um seriado. O problema n�o � esse. Voc� pode assistir ao seriado antes de dormir, como divers�o. A quest�o � trazer certas pautas sociais em cima disso sem fazer nenhum filtro. Sinto que, �s vezes, as pessoas acessam esses conte�dos e pulam etapas para tirar conclus�es muito precipitadas”, ressalta.

Para o professor de japon�s, a tradu��o para l�nguas latinas e anglo-sax�s esbarra em problemas t�cnicos de revis�o que podem passar despercebidos para leigos, mas, para olhos mais atentos, s�o reconhec�veis e n�o ocorrem, por exemplo, do ingl�s para o portugu�s. Ele tamb�m cita a falta de representatividade na escolha de dubladores n�o �tnicos em filmes com personagens �tnicos.
 
Homem está ajoelhado e segura a mão de mulher, sob fundo cor de rosa, na serie Casamento às cegas: Japão
Netflix j� lan�ou a vers�o japonesa do reality 'Casamento �s cegas' (foto: Netflix/divulga��o)

REPRESENTATIVIDADE

 “Na quest�o da dublagem, uma coisa que sempre acabam usando como argumento � de que '� s� uma voz e as pessoas n�o v�o ver', mas � justamente a preocupa��o com os postos de trabalho dessas pessoas e com a aus�ncia dessas pessoas que faz com que a gente discuta a representatividade. � claro que representatividade n�o � um fim em si mesmo, mas essa discuss�o est� ligada, na verdade, a um fator anterior, que � o fato de que o mercado tem um padr�o branco, masculino. A representatividade n�o seria necess�ria se essa n�o fosse a regra, mas essa � a regra. E a� existe um pouco essa l�gica de ter que, artificialmente, for�ar com que exista o m�nimo de diversidade em certas atua��es, no caso a dublagem, para que essas pessoas consigam ter algum espa�o”, explica.

Para o professior Akira, n�o h� espa�o melhor do que filmes que tratam dessas tem�ticas. 
“Agora, isso n�o significa que deva se restringir a 'ah, ent�o a gente s� vai ter dubladores asi�ticos quando a gente estiver falando de filmes com asi�ticos'. N�o! Porque essa n�o foi a realidade com dubladores brancos. Ent�o, acho que o debate precisa ser expandido um pouco para isso tamb�m. E ele �, claro, mas acaba ficando restrito � representatividade como um fim em si mesmo”, finaliza Akira.  
 
* Estagi�rio sob a supervis�o da subeditora Tet� Monteiro


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)