
Quando aceita conduzir uma oficina de teatro para um grupo de detentos numa pris�o onde 500 homens cumprem pena por seus crimes, o ator �tienne Carboni (Kad Merad) est� pensando em garantir seu ganha-p�o.
Afastado do palco h� tr�s anos –por falta de convites para atuar –, ele vem pagando as contas com workshops de t�cnicas teatrais para empresas que almejam transformar seus funcion�rios em feras competitivas, por via da desinibi��o de seus comportamentos.
Embora pare�a ter fracassado na profiss�o, �tienne mant�m pelo teatro doses iguais (e gigantescas) de amor e rever�ncia. E exige de seu grupo de “atores” o mesmo compromisso, no longa franc�s “A noite do triunfo”, que estreia nesta quinta-feira (28/4), em Belo Horizonte.
De in�cio, �tienne prop�e aos detentos exercitarem suas habilidades de interpreta��o com as “F�bulas”, de La Fontaine. Quando a conviv�ncia com os internos se torna mais estreita, o diretor percebe que a espera (por uma visita, pelas refei��es, pelo fim do dia, pelo t�rmino da pena) est� no centro de suas vidas e prop�e a eles encenar “Esperando Godot”, de Samuel Beckett.
IMPROVISO
A empreitada soa desproporcional � capacidade do grupo, considerando que um dos atores nem sequer � alfabetizado. Mas �tienne consegue envolv�-los na ideia de montar uma bela pe�a, estender os tempos de ensaio e at� tir�-los da cadeia para marcar as cenas no ambiente de um verdadeiro teatro, quando a estreia se aproxima.
Com surpresas de �ltima hora e um improviso que surpreende at� o diretor, o “Godot” dos encarcerados arranca efusivos aplausos de seus primeiros espectadores. A not�cia do “sucesso” da pe�a se espalha; os convites de teatros e festivais se acumulam, proporcionando ao grupo uma turn�.
A noite do triunfo a que o t�tulo se refere � a apresenta��o marcada para o Teatro Od�on, em Paris, uma esp�cie de gl�ria com que �tienne nem sequer ousara sonhar. Os acontecimentos dessa noite, no entanto, ir�o obrig�-lo a rever sua ideia de triunfo, assim como a proximidade com seus “atores” o obrigou a reconsiderar seu conceito de liberdade.
DESCOBERTA
A necessidade de fazer pequenos trabalhos para assegurar o or�amento dom�stico n�o � estranha ao diretor do filme, Emmanuel Courcol. “Tenho uma fam�lia e j� estive nessa condi��o. Fiz publicidade, por exemplo”, comenta, em entrevista ao Estado de Minas.
Mas o que o seduziu na hist�ria real (ocorrida na Su�cia), a partir da qual ele escreveu o roteiro de “A noite do triunfo”, �, segundo diz, a descoberta do “universo carcer�rio”, que ele desconhecia, e “ver que homens que se encontram condenados por fatos graves podem mudar, de certo modo, gra�as ao teatro, � cultura, a uma abertura para outra coisa al�m de seu mundo de delinquentes”. Em resumo, Courcol se encantou por uma demonstra��o “fascinante” da “pot�ncia” do teatro.
O interesse do diretor pela capacidade transformadora da arte fez com que ele optasse por se “apartar dos filmes de pris�o muito duros e muito sombrios e tamb�m de um imagin�rio da pris�o muito negativo”. � a raz�o pela qual o diretor e roteirista n�o se “det�m de modo algum sobre o passado e os fatos que os conduziram � pris�o”, diz Courcol.
“Quando um artista vai trabalhar com os detentos, n�o sabe por que eles foram condenados, porque isso n�o deve interferir na rela��o”, observa. Aut�ntica com�dia dram�tica, “A noite do triunfo” alterna diversos momentos hil�rios com outros densos, mas nenhum deles envolve os crimes pregressos dos condenados.
Por se tratar de uma declara��o filmada de amor ao teatro, Courcol procurou reunir atores que tivessem intimidade com o palco. “A abordagem (da atua��o) � diferente quando se trata de subir num palco. � preciso aprender o texto, colocar-se em risco em cena e ter um esp�rito de trupe”, comenta. O “esp�rito de trupe” surgiu, em suas palavras, tanto no grupo que monta a pe�a no filme quanto na equipe mais estendida, para seu orgulho e al�vio.
Kad Merad n�o era o ator que Courcol imaginou como seu protagonista, “mas, como frequentemente acontece, o ator que se imp�e num papel � aquele que, retrospectivamente, se revela a melhor escolha”.
Ao lado de Merad, atuam alguns nomes da Com�die Fran�aise, que o pr�prio diretor caracteriza como a “aristocracia do teatro”. � o caso de Marina Hands, a diretora da pris�o e autora da ideia de promover uma oficina teatral para os detentos.
O russo radicado na Fran�a Alexsandr Medvedev interpreta o detento que se torna assistente do diretor na prepara��o da montagem. Courcol afirma que, se tivesse que escalar hoje o elenco de “A noite do triunfo”, voltaria a trabalhar com Medvedev sem titubear.
O diretor se diz contr�rio � convoca��o de boicotes gerais a artistas russos, como forma de protesto � invas�o da Ucr�nia pela R�ssia. “O que eu n�o suportaria seria trabalhar com algu�m abertamente pr�-Putin e pr�-guerra, e isso definitivamente n�o � o caso de Medvedev”, afirma.
Ainda no territ�rio mais amplo do teatro pol�tico, Courcol conta ter apoiado a candidatura de Emmanuel Macron � reelei��o e assinala que discorda da decis�o dos abstencionistas, que se posicionaram com a recusa a ambos os candidatos na elei��o de domingo passado.
“Eu escolho o menos pior. Prefiro ter discord�ncias com um governo Macron a ter discord�ncias com um governo (de extrema-direita) Marine Le Pen. Logo vir�o as elei��es legislativas. Ainda estamos numa democracia. Vamos seguindo com o encaminhamento das quest�es.”
“A NOITE DO TRIUNFO”
(“Un triomphe”, Fran�a, 2020, 116min) Dire��o: Emmanuel Courcol. Com Kad Merad, Sofian Khammes, Wabinl� Nabi�, Said Benchnafa, Pierre Lottin, Marina Hands. Em cartaz a partir desta quinta (28/4), no Minas T�nis Clube (Sala 1, 16h e 20h30)
'O que me seduziu (na hist�ria) foi descobrir o universo carcer�rio, que eu desconhecia, e ver que homens que se encontram condenados por fatos graves podem mudar, de certo modo, gra�as ao teatro, � cultura, a uma abertura para outra coisa al�m de seu mundo de delinquentes'
Emmanuel Courcol, diretor e roteirista
Filme abriu o Festival de Cannes “da pandemia”
Conclu�do em 2020, “A noite do triunfo” foi o filme de abertura do Festival de Cannes daquele ano. Ocorre que, no ano da eclos�o da pandemia do novo coronav�rus, a mostra de cinema mais famosa do mundo “foi bem particular”, nas palavras do diretor Emmanuel Courcol.
A organiza��o adiou o festival de seu tradicional m�s de realiza��o, maio, para o segundo semestre, � espera de condi��es sanit�rias mais favor�veis, que n�o vieram. Para n�o cancelar definitivamente a edi��o 2020 de Cannes, foi feito “um minifestival com alguns filmes franceses”, conforme lembra o diretor.
Seu filme “efetivamente abriu o festival, numa sala com p�blico pela metade, j� que uma cadeira a cada duas tinha que ficar vazia”. No entanto, “a repercuss�o cr�tica foi muito boa”, ele diz.
COM�DIA SOCIAL
Com as condi��es de filmagens “de volta ao normal” na Fran�a, Courcol seleciona atualmente o elenco para o seu pr�ximo filme. Desta vez, ele far� “uma com�dia social sobre dois irm�os que foram adotados na inf�ncia e n�o se conhecem. Quando adultos, eles se encontram. Um � um maestro de alto n�vel em Paris; outro � um m�sico amador numa fanfarra numa cidadezinha no Norte da Fran�a. S�o, portanto, dois universos sociais e musicais”.
Enquanto filmava “A noite do triunfo”, Courcol rodou tamb�m um document�rio sobre uma iniciativa semelhante de oficina teatral que ocorria na penitenci�ria que serviu de cen�rio ao filme. O longa documental se chama “Boxear as palavras”, em refer�ncia aos dois temas da encena��o que vinha sendo preparada – o boxe e a literatura.
O diretor tem a expectativa de que seu document�rio chegue a uma plataforma de streaming para que possa ser visto por um p�blico amplo e o considera como um bom “complemento” � narrativa ficcional de “A noite do triunfo”.
Por ora, no entanto, ele afirma que a prioridade � “fazer bons filmes para levar as pessoas de volta �s salas de cinema”. (SA)