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Estado de Minas LITERATURA

Cientista pol�tico transfere para a fic��o o cen�rio de polariza��o e �dio

S�rgio Abranches lan�a nesta ter�a-feira (21/6) no Sempre um Papo o romance "O int�rprete de borboletas", com a participa��o de Itamar Vieira J�nior


21/06/2022 04:00 - atualizado 21/06/2022 00:00

De camisa preta e branca e usando óculos, Sérgio Abranches olha para a câmera. Ao fundo, vê-se estante cheia de livros
Soci�logo e cientista pol�tico, S�rgio Abranches diz recorrer � fic��o para poder tratar de sentimentos. Na conversa de hoje, ele ter� a companhia de Itamar Vieira J�nior (foto: Rafaela Cassiano/Divulga��o)


Foi com base na observa��o do atual cen�rio pol�tico e social brasileiro, cindido e com diverg�ncias cada vez mais alimentadas pelo �dio, que o escritor S�rgio Abranches elaborou seu novo livro, “O int�rprete de borboletas”. Ele promove o lan�amento da obra nesta ter�a-feira (21/6), participando do projeto Sempre um Papo, com media��o de seu criador, Afonso Borges, e tamb�m do escritor Itamar Vieira J�nior.

No bate-papo – que ser� on-line, com transmiss�o pelo YouTube e Facebook do Sempre um Papo, �s 19h, com acesso gratuito –, Abranches pretende abordar o processo de concep��o e cria��o deste que � seu terceiro romance. Tamb�m soci�logo e cientista pol�tico, ele diz que “O int�rprete de borboletas” � uma hist�ria do presente, deste tempo atual que lhe tem suscitado tantas reflex�es.

O enredo do livro � estruturado a partir de dois n�cleos familiares: um deles formado por uma menina entrando na adolesc�ncia e tentando se encontrar; por sua m�e, rec�m-convertida � religi�o, que tenta moldar a filha ao seu novo comportamento; e pelo pai, mais compreensivo, que busca ajudar a filha e impedir rupturas definitivas na rela��o entre elas. O outro n�cleo � composto por dois irm�os que passaram a se detestar por diverg�ncias pol�ticas.

Nesse contexto de turbul�ncias, em que pessoas com ideias contr�rias n�o conseguem dialogar, desponta um outro personagem: o Velho, cuja viv�ncia na pol�tica teve in�cio nas ruas de Paris, em 1968, quando os protestos dos estudantes tiveram seu �pice.

Ao voltar ao Brasil, o Velho aderiu � luta contra a ditadura militar, foi preso, torturado e mantido em uma solit�ria por anos. Passados os anos, ele vive recolhido e isolado em um s�tio, rodeado de �rvores e borboletas. Com um discurso carregado de experi�ncia, esse personagem procura abrir um caminho pac�fico entre os radicalismos e mostrar que � poss�vel conviver com as diferen�as.

"Existe um narrador, na terceira pessoa, que vez por outra entra na hist�ria com algum coment�rio que, sim, expressa minha vis�o. Mas tem as vozes dos personagens; eles falam, d�o seu depoimento sobre o que est�o vivendo, e a� tentei ser o mais fiel poss�vel ao pensamento divergente do meu, de gente que n�o tem nada a ver comigo, com ideias das quais discordo"

S�rgio Abranches, cientista pol�tico e escritor

POLARIZA��O

Abranches aponta que um dos nascedouros de “O int�rprete de borboletas” foi um ensaio que ele pr�prio escreveu para a Editora Companhia das Letras sobre a polariza��o do atual cen�rio pol�tico e social. “Tinha ali uma quest�o de psicologia social que teria uma contrapartida importante na psicologia mesmo, reverberando a forma como esses �dios afetam as pessoas, como invadem a vida pessoal e �ntima de cada cidad�o”, diz.

Outro estopim para a feitura da obra foi o encontro casual com uma adolescente, pertencente ao seu c�rculo de amizades, que estava deprimida por ter sido “cancelada” pelas amigas do col�gio, por pensar de modo diferente delas. Essa adolescente, ele conta, estava muito triste e fragilizada, e chegou, inclusive, a mudar de escola.

“Esses �dios, essas paix�es extremadas, eles invadem a vida das pessoas, deixam de pertencer a uma esfera social e, de repente, est�o dentro da sua casa. Entendi que n�o era poss�vel lidar com essa quest�o bem, de forma satisfat�ria, em um ensaio de n�o fic��o. Pensei que s� era poss�vel abordar o tema de forma mais aguda por meio da fic��o”, diz.

“O caso dessa adolescente detonou o processo de escrita, da� comecei a fazer uma pesquisa e a ter um olhar mais atento para construir os personagens que eu queria abordar”, acrescenta, chamando a aten��o para o fato de que sua pr�pria hist�ria serve de par�metro para o que pretendia com “O int�rprete de borboletas”.

Ele conta que viveu a adolesc�ncia em plena ditadura militar, num momento em que j� se entendia como uma pessoa de esquerda, o que lhe rendeu problemas e diverg�ncias dentro da pr�pria fam�lia – por exemplo, com um tio, industrial, que apoiava o regime. Abranches acredita que a maneira como essas diferen�as e discord�ncias se davam, no entanto, era diferente. 

“� medida que foram crescendo a repress�o, as pris�es e as persegui��es, as fam�lias se tornaram mais solid�rias. N�o � como agora, uma coisa muito visceral, um �dio que � muito concreto, que invade o cotidiano, as redes sociais, que cerca as pessoas, o que � um impacto muito duro”, compara.

MOSAICOS

Ele sublinha que n�o h� nada no livro que seja descri��o de fato real. As situa��es s�o inventadas e os personagens, conforme aponta, s�o mosaicos, uma soma de caracter�sticas de v�rios tipos. “De cada situa��o ou pessoa com quem eu me deparava durante o processo de elabora��o desse livro, eu tirava elementos para construir a hist�ria. Os personagens, depois de pronto o molde, voc� burila para que se tornem cr�veis”, afirma.

Abranches diz que “O int�rprete de borboletas” n�o necessariamente expressa a vis�o que ele tem e a an�lise que faz da sociedade como cientista pol�tico. � numa medida equilibrada que o livro serve de ve�culo para sua pr�pria voz. Ele destaca que a pr�pria estrutura da narrativa imp�e esse equil�brio.

“Existe um narrador, na terceira pessoa, que vez por outra entra na hist�ria com algum coment�rio que, sim, expressa minha vis�o. Mas tem as vozes dos personagens; eles falam, d�o seu depoimento sobre o que est�o vivendo, e a� tentei ser o mais fiel poss�vel ao pensamento divergente do meu, de gente que n�o tem nada a ver comigo, com ideias das quais discordo”, diz.

TRANSI��O

Abranches salienta que fazer ressoar essas vozes dissonantes requereu esfor�o, mas era necess�rio dar espa�o a elas para “corporificar essas pessoas que aceitam o �dio”. O escritor diz n�o ver uma sa�da f�cil para esse cen�rio de cis�o, seja no Brasil ou no mundo, e considera que isso se relaciona com uma era de transi��o da humanidade.

“Acho que estamos vivendo um tempo em que os sentimentos extremos, primitivos, s�o parte da nossa vida cotidiana, porque estamos passando por um momento de mudan�as. O mundo em que estamos vivendo hoje vai acabar, com a globaliza��o, a digitaliza��o, as polariza��es pol�ticas, as mudan�as que temos que fazer em fun��o da situa��o clim�tica”, aponta.

Ele observa que essa ponte entre um mundo que termina e outro que come�a � dif�cil de atravessar, porque � inquietante, produz uma expectativa de perda, o que alimenta as paix�es extremadas na pol�tica. � algo que sai da esfera do interesse p�blico, comum, e vai para a �rea das emo��es, segundo avalia.

“A sociedade e os governantes, se conseguirem encontrar formas de mitigar os efeitos dessa transi��o, reeducando as pessoas, eles podem encontrar um caminho de concilia��o, mas � muito dif�cil, porque � algo em curso. Ningu�m preveniu sobre uma transi��o que viria; ela se imp�e, j� �, j� est�”, diz.

CAMINHO

Em sua opini�o, algumas lideran�as pol�ticas t�m clareza desse cen�rio e seus discursos apontam para esse lugar de concilia��o. Abranches cita o presidente do Chile, Gabriel Boric, e o rec�m-eleito presidente da Col�mbia, Gustavo Petro, como exemplos. “Ambos, depois de eleitos, falaram sobre a necessidade de se instaurar a pol�tica do amor e da vida, sobre governar para todos. Parece-me que esse � o caminho”, ressalta.

Em “O int�rprete de borboletas”, essas vozes conciliat�rias est�o sintetizadas na figura do Velho. “� o personagem que reverbera esses discursos, mas ele faz isso de uma forma mais oracular, mais cifrada. O Velho diz que o �nico caminho bom � o da reconcilia��o, das pessoas se pacificarem e tentarem lidar de forma mais coletiva com os problemas que est�o vivendo”, aponta.

Abranches destaca que essa ideia de transi��o � o que coloca seu novo livro em di�logo com os dois romances que lan�ou anteriormente – “O pelo negro do medo” (Record, 2012) e “Que mist�rio tem Clarice?” (Biblioteca Azul, 2015). “Os tr�s romances guardam um pouco essa premissa, meio ‘guimar�esiana’, de que a realidade se disp�e para as pessoas � na travessia. S�o tr�s livros que procuram, cada um � sua maneira, traduzir esse mundo de grandes transforma��es”, comenta.

Ele diz que nos tr�s tenta fazer aquilo que n�o consegue como soci�logo ou cientista pol�tico, que � pensar nos sentimentos das pessoas, nas afli��es, nos medos, nas paix�es e nos dilemas. “� uma �rea pela qual n�o � poss�vel eu transitar como soci�logo, como autor de ensaios. O romance � a janela que abro para a alma das pessoas.”

Com rela��o � participa��o de Itamar Vieira J�nior, ele considera que a presen�a do autor do premiado “Tordo arado” (Editora Todavia, 2019) no Sempre um Papo se dar� mais no n�vel da interlocu��o do que propriamente da media��o. 

“Pensamos determinadas quest�es por um mesmo prisma; ele tem uma vis�o liter�ria do mundo com a qual me identifico muito. ‘O int�rprete de borboletas’ e ‘Torto arado’ s�o projetos liter�rios diferentes em rela��o ao tempo e ao local em que se passam – o meu livro � muito urbano, o dele � rural –, mas que trazem uma vis�o de mundo e de Brasil que � dial�gica”, aponta.

SEMPRE UM PAPO COM S�RGIO ABRANCHES

Media��o de Itamar Vieira J�nior e Afonso Borges. Nesta ter�a-feira (21/6), com transmiss�o pelo Facebook e YouTube do projeto, �s 19h 



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