
Criado em 2016 pelo gestor cultural e diretor art�stico Pedrinho Alves Madeira, o projeto Uma Voz, Um Instrumento est� de volta � cena, e quem marca a abertura da nova temporada � Zez� Motta, com o show em que interpreta a obra de Caetano Veloso. Acompanhada pelo pianista Ricardo Mac Cord, ela ocupa o palco do teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas no pr�ximo s�bado (16/7).
O formato intimista, em que o artista se apresenta sozinho ou acompanhado apenas por um instrumentista, � uma premissa do projeto, como o pr�prio nome entrega. Batizado “Cora��o vagabundo – Zez� canta Caetano”, o show estreou em 1990 e, volta e meia, vem � baila. Neste ano em que o cantor e compositor baiano completa oito d�cadas de vida, a apresenta��o emerge muito apropriadamente.
Zez� Motta diz que, com o passar dos anos, tanto a estrutura quanto o roteiro musical de “Cora��o vagabundo” sofreram altera��es. Ela conta que, quando estreou, o show contava com as presen�as de um violoncelista e um baixista, al�m de um pianista.
“Eu era acompanhada por um trio, mas, de uns tempos para c�, tenho apresentado esse show no formato piano e voz, para baixar os custos. Mas o importante � que fica bonito de qualquer forma”, ressalta.
“Eu era acompanhada por um trio, mas, de uns tempos para c�, tenho apresentado esse show no formato piano e voz, para baixar os custos. Mas o importante � que fica bonito de qualquer forma”, ressalta.
"Cora��o vagabundo"
Ela conta que � com esse espet�culo que tem circulado desde que a melhora da situa��o epidemiol�gica permitiu a retomada das atividades presenciais. Al�m de prestar tributo a Caetano por seu anivers�rio de 80 anos, “Cora��o vagabundo” preenche a lacuna que a chegada da pandemia criou na agenda de divulga��o do mais recente �lbum da cantora e atriz, “O samba mandou me chamar”, que veio � luz em 2018.
“A gente tinha um cronograma de lan�amento, mas, infelizmente, acabei s� fazendo um show no Rio de Janeiro e um em S�o Paulo. Quando ia come�ar a rodar o pa�s, chegou a pandemia. Foi um trabalho que fiz de forma independente e, agora, com a retomada das atividades, chegamos � conclus�o de que circular com ‘O samba mandou me chamar’ sem patroc�nio seria invi�vel. O ‘Cora��o vagabundo’ tem essa estrutura mais simples, que nos permite viajar mais”, diz.
Mexida no repert�rio
Diante da vastid�o e riqueza da obra de Caetano, ela destaca que sempre d� uma mexida no repert�rio. “Sempre coloco uma m�sica aqui, outra ali, substituo uma acol�”, diz. Zez� cita como exemplo “O ci�me”, que entrou a partir da retomada do show – que tamb�m foi apresentado de forma remota durante o per�odo mais severo da pandemia. “� uma m�sica pela qual estou apaixonada e que eu ainda n�o tinha descoberto, n�o tinha me atentado para ela”, aponta.
A cantora diz que o roteiro da apresenta��o traz outras novidades em rela��o ao que o p�blico j� tinha visto e ouvido anteriormente. “Algu�m cantando” � outra “descoberta” recente de Zez�, que acabou inclu�da meio a f�rceps no repert�rio, num lugar que, afinal, acabou conferindo um destaque extra � m�sica.
“Quando resolvi que queria cantar, j� est�vamos com um roteiro redondinho e ficamos meio sem saber como encaixar. Eu j� estava cantarolando no camarim e veio a ideia de deixar como m�sica de abertura, que eu carrego na voz dos bastidores at� o palco, o que tem tudo a ver com a letra”, diz Zez�, entoando a m�sica: “Algu�m cantando longe / algu�m cantando muito / algu�m cantando bem / algu�m cantando � bom de se ouvir”.
“Sampa” � outra m�sica inclu�da na atual vers�o do show. Zez� lembra que a can��o, originalmente, estaria no roteiro, mas acabou ficando de fora porque ela n�o conseguia decorar a letra. “Agora estou lendo mesmo, ent�o ela est� l�. � uma m�sica de muito peso no repert�rio de Caetano, n�o dava para ficar de fora”, pontua.
"O telefone tocou, eu atendi e era nada mais nada menos que Caetano Veloso. A gente se encontrava nos eventos, mas da� a ele me ligar em casa tinha uma dist�ncia. Ele se apresentou e perguntou se eu topava gravar essa m�sica ("Miragem de carnaval") que ele tinha feito para o filme ("Tieta")
Zez� Motta, cantora e atriz
Roteiro musical
A cantora e atriz explica que, na hora de pensar o roteiro musical de uma apresenta��o, se deixa guiar por seu pr�prio gosto e intui��o, mas tamb�m pensa no que o p�blico gostaria de ouvir. Zez� aponta que n�o pode deixar de cantar, por exemplo, “Pecado original”, que registrou com grande �xito em seu primeiro �lbum, lan�ado em 1978, ou “Tigresa”, que Caetano comp�s pensando nela.
“Eu achava que essa hist�ria de ele ter feito ‘Tigresa’ para mim era inven��o do povo, mas numa entrevista que deu h� uns tr�s anos, o pr�prio Caetano disse que, sim, tinha feito para mim. E na �poca eu tinha esse visual mesmo, usava esmalte preto, batom preto, era bem ex�tica, extravagante, sei l�”, diz, orgulhosa.
O p�blico que for ao teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas poder� conferir, ainda, temas como “Luz do sol”, “Odara”, “Esse cara” e “Miragem de carnaval”, que Zez� gravou para a trilha sonora do filme “Tieta”, a convite de Caetano.
“O telefone tocou, eu atendi e era nada mais nada menos que Caetano Veloso. A gente se encontrava nos eventos, mas da� a ele me ligar em casa tinha uma dist�ncia. Ele se apresentou e perguntou se eu topava gravar essa m�sica que ele tinha feito para o filme”, conta.
Tamanho do mundo
Ela n�o esconde sua admira��o pelo homenageado e diz que Caetano tem, para a hist�ria da m�sica popular brasileira, “uma import�ncia do tamanho do mundo”. Zez� diz que pretende continuar circulando com “Cora��o vagabundo” ao longo deste ano e que, dependendo das condi��es, pode, em algum momento, retomar o show de “O samba mandou me chamar”, abortado em virtude da pandemia.
A prop�sito, ela diz que, no per�odo mais rigoroso de isolamento social, quando n�o podia fazer shows, sobreviveu de campanhas publicit�rias – algo at� ent�o raro na sua trajet�ria. “Quando eu era jovem, eu n�o fazia propaganda. Agora, depois de menina idosa, � que eu tenho feito muitas, e estou achando muito legal”, diz, do alto de seus 78 anos.
Preconceito racial
O fato de ter estrelado apenas duas campanhas publicit�rias entre os 30 e os 60 anos, no auge da carreira, Zez� atribui ao preconceito racial, que j� foi bem mais enraizado em alguns meios, como o da propaganda. “Depois de idosa, me descobriram como garota-propaganda. Quando jovem, lembro-me de que s� fiz comercial uma �nica vez, e nem foi ao ar. Achavam que pelo fato de eu ser negra, o produto ficaria encalhado, n�o venderia”, publicou recentemente em sua conta no Twitter.
“Dizer que n�o tivemos avan�os no que diz respeito ao combate ao racismo no Brasil seria um absurdo, mas diariamente a gente ainda v� atitudes e recebe not�cias de fatos que mais parecem indicar um retrocesso. Isso � muito triste. Houve avan�os, mas temos muita luta pela frente, porque o racismo estrutural est� a�, firme e forte”, observa.
Ela vincula esses ind�cios de retrocesso ao atual panorama pol�tico do pa�s. “Estar sob um governo que naturaliza a homofobia e o racismo dificulta muito a nossa luta. A sensa��o que tenho � de que, depois de avan�ar nessas quest�es, estamos dando milhares de passos atr�s, com um governante que usa o espa�o que tem na m�dia para fazer apologia da arma de fogo, da homofobia e do preconceito generalizado. � muito triste.”
Esperan�a Garcia
Al�m dos shows, que ainda est�o engrenando um ritmo mais regular, e da publicidade, com que continua envolvida, Zez� tamb�m acaba de gravar um document�rio, rodado no Piau�. Trata-se de “A carta de Esperan�a Garcia”, do cineasta Douglas Machado.
O filme � baseado na hist�ria de Esperan�a Garcia, uma mulher do s�culo 18, negra, m�e, escravizada, que, em 1770, escreveu uma carta endere�ada ao governador da capitania do Piau� denunciando as situa��es de viol�ncia que ela, seus filhos, outras mulheres e homens negros sofriam na Fazenda de Algod�es, regi�o pr�xima a Oeiras, a 300 quil�metros da futura capital, Teresina.
De acordo com juristas e historiadores brasileiros, o documento hist�rico pode ser considerado uma peti��o, pois apresenta elementos jur�dicos importantes, como endere�amento, identifica��o, narrativa dos fatos, fundamento no direito e um pedido para que ela e os companheiros de senzala fossem resgatados.
Em 2017, a Comiss�o da Verdade da Escravid�o Negra da Ordem dos Advogados do Brasil no Piau� (OAB-PI) publicou uma pesquisa intitulada “Dossi� Esperan�a Garcia: S�mbolo de resist�ncia na luta pelo direito”. No mesmo ano, dois s�culos ap�s a escritura da carta, a OAB-PI reconheceu Esperan�a Garcia como a primeira mulher advogada piauiense.
“Ainda n�o se sabe quase nada sobre ela, s� que era escrava e sabia ler e escrever muito bem. N�o � uma hist�ria conhecida. Sabe-se que Esperan�a Garcia existiu apenas por causa dessa carta”, conta Zez�, detalhando sua participa��o no document�rio. “Visitamos a fazenda onde ela nasceu e a fazenda onde trabalhou como escrava, comigo entrevistando pessoas, gente que tem interesse e pesquisa essa hist�ria. Tamb�m fa�o a narra��o”, diz.
PR�XIMAS VOZES
Confira a programa��o da temporada 2022 do projeto Uma Voz, Um Instrumento
19 de agosto
Z� Manoel (voz/piano) & Alexandre Rodrigues (sax), com o show “Do meu cora��o nu”, em que executa m�sicas dos discos “Can��o e sil�ncio” e “Do meu cora��o nu” (indicado ao Grammy Latino em 2021)
1º de setembro
Z� Renato (voz/viol�o) & Paulino Dias (percuss�o), com o show “O amor � um segredo – Z� Renato canta Paulinho da Viola”
6 de outubro
V�nia Bastos (voz) & Ronaldo Rayol (viol�o), com o show “Superbacana”, em que ela canta m�sicas de Arrigo Barnab�, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Itamar Assump��o, Milton Nascimento
e Paulinho da Viola, entre outros
“CORA��O VAGABUNDO – ZEZ� CANTA CAETANO”
Show de Zez� Motta pelo projeto Uma Voz, Um Instrumento, no pr�ximo s�bado (16/7), no Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244, Lourdes, 31. 3516-1360). Ingressos a R$ 20 e R$ 10 (meia), � venda na bilheteria do teatro e no site Eventim