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Estado de Minas CINEMA

Diretor de "As verdades" diz que n�o cansa de se chocar com o Brasil

Longa-metragem de Jos� Eduardo Belmonte tem trama que mescla pol�tica e crime e em cartaz em BH, no UNA Cine Belas Artes


12/07/2022 04:00 - atualizado 11/07/2022 19:25

atriz Bianca Bin de perfil, com Lázaro Ramos, usando regata laranja, ao fundo, desfocado ator de as verdades ao volante de carro verde
Com roteiro assinado por Pedro Furtado, "As verdades" foi filmado na Bahia e tem Bianca Bin e L�zaro Ramos no elenco (foto: Gullane Filmes/Divulga��o )

Numa mirada pela carreira, que atravessa mais de 25 anos, o cineasta brasiliense Jos� Eduardo Belmonte at� leva em conta a possibilidade de ter sido autorreferente. "Confesso que nunca pensei nisso. Mas talvez eu n�o seja a melhor pessoa para ver isso", desconversa, aos risos. Da� a viv�ncia pessoal, assumidamente, revitalizar o percurso criativo dele, como no exemplo do filme “As verdades”, em cartaz no UNA Cine Belas Artes, em Belo Horizonte.

Com uma trama disposta entre os anos 1960 e 1970, e ainda marcante em 1999, o longa-metragem “O pastor e o guerrilheiro”, que traz imagens do DF e do Tocantins, levar� Belmonte a disputar trof�us Kikito, no 50º Festival de Cinema de Gramado (12/8 a 20/8). 

"Desde ‘O gorila’ (2011), n�o entro em competi��o. � mais do que uma data emblem�tica do Festival de Gramado, e � um evento do qual gosto muito. Al�m de tudo, fui separado para uma competi��o que achei bem forte. Gostei muito", comenta Belmonte.

Decis�es dos produtores Nilson Rodrigues (Mercado Filmes) e Caetano Curi levaram o novo longa para Gramado, depois de uma sedimentada participa��o de Belmonte nas edi��es do Festival de Bras�lia do Cinema Brasileiro, com o curta-metragem “Tep�” (2000) e os longas “A concep��o” (2005) e “Meu mundo em perigo” (2007). 



Com enredo alinhavado pelo transcorrer da ditadura militar no pa�s, “O pastor e o delegado” tem no elenco Julia Dalavia, Johnny Massaro, Anna Hartman e C�ssia Kiss. "Um filme nasce das experi�ncias de vida. Mesmo nos filmes que vieram at� mim por produtores – basicamente os que fiz na �ltima d�cada –, me coloco bastante neles", afirma. 

Um dos elementos claros na produ��o de Belmonte, o trabalho com int�rpretes autores transparece no novo longa. "Gosto de atores que criam o filme junto comigo", comenta.

"Tenho uma vis�o hol�stica sobre as coisas. Penso que est� tudo interligado. Mas, sim, � importante treinar o discernimento e detectar os oportunistas que unem religi�o e pol�tica apenas por desejo de poder"

Jos� Eduardo Belmonte, diretor



Na leva de atores do filme “As verdades”, que tem Bianca Bin, Z� Carlos Machado e Drica Moares, desponta o nome de L�zaro Ramos, que recentemente estreou como diretor com “Medida provis�ria”. "Considero o L�zaro um dos grandes atores da atualidade: sens�vel e um pensador do pa�s e do seu tempo", diz Belmonte.

Filho de Jorge Furtado, um dos maiores expoentes do cinema nacional, Pedro Furtado responde pelo roteiro de “As verdades”, centrado num caso de viol�ncia e politicagem, no interior do pa�s. "Pedro � bastante talentoso. Nunca trabalhei com Jorge, apesar de admir�-lo, mas acho que, no roteiro, Pedro e Jorge t�m estilos e talentos diferentes", observa.

Num caldeir�o cultural promissor para o futuro longa “Quase deserto”, Belmonte ter� no elenco o ator argentino Leonardo Sbaraglia e o astro brasileiro Cau� Reymond. “Se tudo der certo, rodaremos no primeiro semestre de 2023", adianta.


Qual o tipo de literatura e de artes visuais que mais influenciaram seu olhar? H� quem se afirme como refer�ncia?

Minha grande influ�ncia � o cinema. Acontece de alguns projetos nascerem de outras artes. “Se nada mais der certo” � muito influenciado por livros que li na �poca. Em “As verdades”, achei o tom do filme ao conhecer o trabalho do fot�grafo iraniano Hojiat Hamid. N�o tem um estilo espec�fico que me interesse. Gosto de artistas que criam universos interessantes, que me estimulem.

Em “As verdades”, voc� trata da explora��o p�blica de crimes que v�m acobertados pelas camadas de pol�tica e de v�us de impunidade. Que radar � este, capaz de antecipar desgra�as debatidas atualmente pela sociedade — com estupros, cala-te boca e afins?

Os �ltimos projetos que chegaram a mim via produtores tocam em grandes temas da realidade brasileira: o abismo social, os preconceitos, a cultura autorit�ria, os v�rios tipos de viol�ncia do pa�s.

Como vivemos h� muito tempo um looping de viol�ncia, vejo que todo filme que toca nesses temas sempre se torna atual, infelizmente. Importante ressaltar que, apesar de a viol�ncia estar impregnada no tecido social, n�o canso de me chocar. Ainda mais com as �ltimas not�cias. Precisa-se sempre pensar em como reagir ao choque. Pela cultura, pela educa��o, pelo senso de comunidade, por um posicionamento humanista.

Qual a experi�ncia de se afundar num local in�spito ou de poucos recursos? Que riqueza brota disso?

Mara� e Itacar� (Bahia) n�o trazem nada de in�spito. Pelo contr�rio. Creio que foi umas das filmagens mais afetivas e prazerosas da vida. Tinha umas loca��es que eram complicadas de chegar, cenas complexas para executar, mas isso tem em quase todo filme.

Comecei fazendo cinema de guerrilha, que � �timo para dar experi�ncia, racioc�nio r�pido e criatividade, mas pode ser muito frustrante tamb�m. Evito romantizar adversidades. O fato de optar por projetos com ou sem recursos s�o circunst�ncias. Vale a m�xima do Hector Babenco: "Filmar com dinheiro � t�o complicado quanto filmar sem".

Como v� a cena da produ��o nacional? A Ancine se ajeitou, finalmente, ou enjeitou: tudo � fim de festa e oportunismo?

Vivemos um ciclo virtuoso nos �ltimos anos que ach�vamos que iria durar para sempre. Infelizmente, a realidade do cinema brasileiro sempre foi de avan�os e recuos, � uma estrada acidentada. Se n�o me engano, era o Arnaldo Jabor quem falava que o cinema brasileiro estava sempre renascendo. Mas creio que agora as coisas est�o sendo retomadas.

O audiovisual hoje � uma ind�stria muito inserida no cotidiano das pessoas – mais do que quando comecei. Isso ajuda a criar uma estrutura s�lida. Tor�o para que cada vez mais a classe pol�tica se sensibilize para entender o quanto � estrat�gica a ind�stria do audiovisual para uma sociedade.

“O auto da boa mentira” trouxe uma engrenagem nutrida pelo Ariano Suassuna. O que mudou em “As verdades”, dotado de m�ltiplas vers�es para um enredo?

S�o filmes muito distintos. N�o s� na abordagem, mas como enxergam o tema. Um � uma cr�nica de costumes da mentira como estrat�gia de sobreviv�ncia social.

L�, as consequ�ncias sempre resultam em confus�o e a verdade aparecia de alguma forma. “As verdades” amplia a leitura disso. Mostra a relativiza��o dos fatos, as mentiras como um elemento de uma cultura autorit�ria que sufoca as pessoas. Que n�o permite que a verdade venha � tona.

Religi�o e pol�tica nortear�o “O pastor e o guerrilheiro”? S�o ingredientes � la �leo e �gua, na cena atual do Brasil?

Quando estava filmando “Alem�o 1” e sugeri uma solu��o de cena, lembro-me de um coment�rio de um dos produtores executivos que me marcou: "T�pica ideia sua. Unir pol�tica e espiritualidade". De fato, se olhar com aten��o, isso est� em todos os meus filmes: em “Subterr�neos” (2004), creio que � mais expl�cito. Tenho uma vis�o hol�stica sobre as coisas.

Penso que est� tudo interligado. Mas, sim, � importante treinar o discernimento e detectar os oportunistas que unem religi�o e pol�tica apenas por desejo de poder.

Que cinema e ideias s�o preconizados pelo Belmonte? H� um eixo?

Nos anos 2000, fiz filmes muito pessoais e dram�ticos. Quando comecei os anos 2010, realizei basicamente filmes de g�nero que chegaram a mim atrav�s de produtores. Essa op��o teve um car�ter �ntimo (queria "sair um pouco de mim", me confrontar), pol�tico (n�s, realizadores independentes, precis�vamos ocupar mais espa�os) e pr�tico (precisava viver do meu of�cio). Todas as escolhas tiveram o mesmo peso.

E foi interessante, porque acompanhou um processo interno de autoconhecimento. Eu me entendi melhor como pessoa, minhas qualidades e defeitos. Creio que me tornei um diretor com maior dom�nio das t�cnicas e meios para contar uma hist�ria. Entendi mais o mercado de cinema e suas imensas complexidades.

E que refletiu em...

Nesse processo, quanto mais interessante era o desafio, mais achava importante aceitar. Fiz terror, com�dia, drama, thriller, a��o... Em cada trabalho, penso que sempre enxertei drama em todos os g�neros, at� porque uma das grandes motiva��es para os convites que eu recebia vinha do fato de que, como sou um diretor de atores, sempre havia a necessidade de o elenco pensar na densidade dram�tica dos seus personagens.

Independentemente do g�nero – e tanto nos projetos pessoais quanto nos de produtores –, alguns temas sempre permearam os filmes: pessoas tentando sair do seu isolamento, tentando se conectar � realidade; grupos criando uma fam�lia n�o pelos la�os de sangue, mas pelos afetos; e quase sempre h� um personagem que tem uma f�, ainda que na�f, na utopia.


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