
Numa mirada pela carreira, que atravessa mais de 25 anos, o cineasta brasiliense Jos� Eduardo Belmonte at� leva em conta a possibilidade de ter sido autorreferente. "Confesso que nunca pensei nisso. Mas talvez eu n�o seja a melhor pessoa para ver isso", desconversa, aos risos. Da� a viv�ncia pessoal, assumidamente, revitalizar o percurso criativo dele, como no exemplo do filme “As verdades”, em cartaz no UNA Cine Belas Artes, em Belo Horizonte.
Com uma trama disposta entre os anos 1960 e 1970, e ainda marcante em 1999, o longa-metragem “O pastor e o guerrilheiro”, que traz imagens do DF e do Tocantins, levar� Belmonte a disputar trof�us Kikito, no 50º Festival de Cinema de Gramado (12/8 a 20/8).
"Desde ‘O gorila’ (2011), n�o entro em competi��o. � mais do que uma data emblem�tica do Festival de Gramado, e � um evento do qual gosto muito. Al�m de tudo, fui separado para uma competi��o que achei bem forte. Gostei muito", comenta Belmonte.
Decis�es dos produtores Nilson Rodrigues (Mercado Filmes) e Caetano Curi levaram o novo longa para Gramado, depois de uma sedimentada participa��o de Belmonte nas edi��es do Festival de Bras�lia do Cinema Brasileiro, com o curta-metragem “Tep�” (2000) e os longas “A concep��o” (2005) e “Meu mundo em perigo” (2007).
Com enredo alinhavado pelo transcorrer da ditadura militar no pa�s, “O pastor e o delegado” tem no elenco Julia Dalavia, Johnny Massaro, Anna Hartman e C�ssia Kiss. "Um filme nasce das experi�ncias de vida. Mesmo nos filmes que vieram at� mim por produtores – basicamente os que fiz na �ltima d�cada –, me coloco bastante neles", afirma.
Um dos elementos claros na produ��o de Belmonte, o trabalho com int�rpretes autores transparece no novo longa. "Gosto de atores que criam o filme junto comigo", comenta.
Na leva de atores do filme “As verdades”, que tem Bianca Bin, Z� Carlos Machado e Drica Moares, desponta o nome de L�zaro Ramos, que recentemente estreou como diretor com “Medida provis�ria”. "Considero o L�zaro um dos grandes atores da atualidade: sens�vel e um pensador do pa�s e do seu tempo", diz Belmonte.
"Tenho uma vis�o hol�stica sobre as coisas. Penso que est� tudo interligado. Mas, sim, � importante treinar o discernimento e detectar os oportunistas que unem religi�o e pol�tica apenas por desejo de poder"
Jos� Eduardo Belmonte, diretor
Na leva de atores do filme “As verdades”, que tem Bianca Bin, Z� Carlos Machado e Drica Moares, desponta o nome de L�zaro Ramos, que recentemente estreou como diretor com “Medida provis�ria”. "Considero o L�zaro um dos grandes atores da atualidade: sens�vel e um pensador do pa�s e do seu tempo", diz Belmonte.
Filho de Jorge Furtado, um dos maiores expoentes do cinema nacional, Pedro Furtado responde pelo roteiro de “As verdades”, centrado num caso de viol�ncia e politicagem, no interior do pa�s. "Pedro � bastante talentoso. Nunca trabalhei com Jorge, apesar de admir�-lo, mas acho que, no roteiro, Pedro e Jorge t�m estilos e talentos diferentes", observa.
Num caldeir�o cultural promissor para o futuro longa “Quase deserto”, Belmonte ter� no elenco o ator argentino Leonardo Sbaraglia e o astro brasileiro Cau� Reymond. “Se tudo der certo, rodaremos no primeiro semestre de 2023", adianta.
Qual o tipo de literatura e de artes visuais que mais influenciaram seu olhar? H� quem se afirme como refer�ncia?
Minha grande influ�ncia � o cinema. Acontece de alguns projetos nascerem de outras artes. “Se nada mais der certo” � muito influenciado por livros que li na �poca. Em “As verdades”, achei o tom do filme ao conhecer o trabalho do fot�grafo iraniano Hojiat Hamid. N�o tem um estilo espec�fico que me interesse. Gosto de artistas que criam universos interessantes, que me estimulem.
Em “As verdades”, voc� trata da explora��o p�blica de crimes que v�m acobertados pelas camadas de pol�tica e de v�us de impunidade. Que radar � este, capaz de antecipar desgra�as debatidas atualmente pela sociedade — com estupros, cala-te boca e afins?
Os �ltimos projetos que chegaram a mim via produtores tocam em grandes temas da realidade brasileira: o abismo social, os preconceitos, a cultura autorit�ria, os v�rios tipos de viol�ncia do pa�s.
Como vivemos h� muito tempo um looping de viol�ncia, vejo que todo filme que toca nesses temas sempre se torna atual, infelizmente. Importante ressaltar que, apesar de a viol�ncia estar impregnada no tecido social, n�o canso de me chocar. Ainda mais com as �ltimas not�cias. Precisa-se sempre pensar em como reagir ao choque. Pela cultura, pela educa��o, pelo senso de comunidade, por um posicionamento humanista.
Como vivemos h� muito tempo um looping de viol�ncia, vejo que todo filme que toca nesses temas sempre se torna atual, infelizmente. Importante ressaltar que, apesar de a viol�ncia estar impregnada no tecido social, n�o canso de me chocar. Ainda mais com as �ltimas not�cias. Precisa-se sempre pensar em como reagir ao choque. Pela cultura, pela educa��o, pelo senso de comunidade, por um posicionamento humanista.
Qual a experi�ncia de se afundar num local in�spito ou de poucos recursos? Que riqueza brota disso?
Mara� e Itacar� (Bahia) n�o trazem nada de in�spito. Pelo contr�rio. Creio que foi umas das filmagens mais afetivas e prazerosas da vida. Tinha umas loca��es que eram complicadas de chegar, cenas complexas para executar, mas isso tem em quase todo filme.
Comecei fazendo cinema de guerrilha, que � �timo para dar experi�ncia, racioc�nio r�pido e criatividade, mas pode ser muito frustrante tamb�m. Evito romantizar adversidades. O fato de optar por projetos com ou sem recursos s�o circunst�ncias. Vale a m�xima do Hector Babenco: "Filmar com dinheiro � t�o complicado quanto filmar sem".
Comecei fazendo cinema de guerrilha, que � �timo para dar experi�ncia, racioc�nio r�pido e criatividade, mas pode ser muito frustrante tamb�m. Evito romantizar adversidades. O fato de optar por projetos com ou sem recursos s�o circunst�ncias. Vale a m�xima do Hector Babenco: "Filmar com dinheiro � t�o complicado quanto filmar sem".
Como v� a cena da produ��o nacional? A Ancine se ajeitou, finalmente, ou enjeitou: tudo � fim de festa e oportunismo?
Vivemos um ciclo virtuoso nos �ltimos anos que ach�vamos que iria durar para sempre. Infelizmente, a realidade do cinema brasileiro sempre foi de avan�os e recuos, � uma estrada acidentada. Se n�o me engano, era o Arnaldo Jabor quem falava que o cinema brasileiro estava sempre renascendo. Mas creio que agora as coisas est�o sendo retomadas.
O audiovisual hoje � uma ind�stria muito inserida no cotidiano das pessoas – mais do que quando comecei. Isso ajuda a criar uma estrutura s�lida. Tor�o para que cada vez mais a classe pol�tica se sensibilize para entender o quanto � estrat�gica a ind�stria do audiovisual para uma sociedade.
Vivemos um ciclo virtuoso nos �ltimos anos que ach�vamos que iria durar para sempre. Infelizmente, a realidade do cinema brasileiro sempre foi de avan�os e recuos, � uma estrada acidentada. Se n�o me engano, era o Arnaldo Jabor quem falava que o cinema brasileiro estava sempre renascendo. Mas creio que agora as coisas est�o sendo retomadas.
O audiovisual hoje � uma ind�stria muito inserida no cotidiano das pessoas – mais do que quando comecei. Isso ajuda a criar uma estrutura s�lida. Tor�o para que cada vez mais a classe pol�tica se sensibilize para entender o quanto � estrat�gica a ind�stria do audiovisual para uma sociedade.
“O auto da boa mentira” trouxe uma engrenagem nutrida pelo Ariano Suassuna. O que mudou em “As verdades”, dotado de m�ltiplas vers�es para um enredo?
S�o filmes muito distintos. N�o s� na abordagem, mas como enxergam o tema. Um � uma cr�nica de costumes da mentira como estrat�gia de sobreviv�ncia social.
L�, as consequ�ncias sempre resultam em confus�o e a verdade aparecia de alguma forma. “As verdades” amplia a leitura disso. Mostra a relativiza��o dos fatos, as mentiras como um elemento de uma cultura autorit�ria que sufoca as pessoas. Que n�o permite que a verdade venha � tona.
L�, as consequ�ncias sempre resultam em confus�o e a verdade aparecia de alguma forma. “As verdades” amplia a leitura disso. Mostra a relativiza��o dos fatos, as mentiras como um elemento de uma cultura autorit�ria que sufoca as pessoas. Que n�o permite que a verdade venha � tona.
Religi�o e pol�tica nortear�o “O pastor e o guerrilheiro”? S�o ingredientes � la �leo e �gua, na cena atual do Brasil?
Quando estava filmando “Alem�o 1” e sugeri uma solu��o de cena, lembro-me de um coment�rio de um dos produtores executivos que me marcou: "T�pica ideia sua. Unir pol�tica e espiritualidade". De fato, se olhar com aten��o, isso est� em todos os meus filmes: em “Subterr�neos” (2004), creio que � mais expl�cito. Tenho uma vis�o hol�stica sobre as coisas.
Penso que est� tudo interligado. Mas, sim, � importante treinar o discernimento e detectar os oportunistas que unem religi�o e pol�tica apenas por desejo de poder.
Penso que est� tudo interligado. Mas, sim, � importante treinar o discernimento e detectar os oportunistas que unem religi�o e pol�tica apenas por desejo de poder.
Que cinema e ideias s�o preconizados pelo Belmonte? H� um eixo?
Nos anos 2000, fiz filmes muito pessoais e dram�ticos. Quando comecei os anos 2010, realizei basicamente filmes de g�nero que chegaram a mim atrav�s de produtores. Essa op��o teve um car�ter �ntimo (queria "sair um pouco de mim", me confrontar), pol�tico (n�s, realizadores independentes, precis�vamos ocupar mais espa�os) e pr�tico (precisava viver do meu of�cio). Todas as escolhas tiveram o mesmo peso.
E foi interessante, porque acompanhou um processo interno de autoconhecimento. Eu me entendi melhor como pessoa, minhas qualidades e defeitos. Creio que me tornei um diretor com maior dom�nio das t�cnicas e meios para contar uma hist�ria. Entendi mais o mercado de cinema e suas imensas complexidades.
E foi interessante, porque acompanhou um processo interno de autoconhecimento. Eu me entendi melhor como pessoa, minhas qualidades e defeitos. Creio que me tornei um diretor com maior dom�nio das t�cnicas e meios para contar uma hist�ria. Entendi mais o mercado de cinema e suas imensas complexidades.
E que refletiu em...
Nesse processo, quanto mais interessante era o desafio, mais achava importante aceitar. Fiz terror, com�dia, drama, thriller, a��o... Em cada trabalho, penso que sempre enxertei drama em todos os g�neros, at� porque uma das grandes motiva��es para os convites que eu recebia vinha do fato de que, como sou um diretor de atores, sempre havia a necessidade de o elenco pensar na densidade dram�tica dos seus personagens.
Independentemente do g�nero – e tanto nos projetos pessoais quanto nos de produtores –, alguns temas sempre permearam os filmes: pessoas tentando sair do seu isolamento, tentando se conectar � realidade; grupos criando uma fam�lia n�o pelos la�os de sangue, mas pelos afetos; e quase sempre h� um personagem que tem uma f�, ainda que na�f, na utopia.
Independentemente do g�nero – e tanto nos projetos pessoais quanto nos de produtores –, alguns temas sempre permearam os filmes: pessoas tentando sair do seu isolamento, tentando se conectar � realidade; grupos criando uma fam�lia n�o pelos la�os de sangue, mas pelos afetos; e quase sempre h� um personagem que tem uma f�, ainda que na�f, na utopia.