
"Minha identifica��o com ela (Virginia Woolf) foi muito em cima de um olhar sobre a exist�ncia, em observa��es finas e sens�veis. Eu me interessei tamb�m sobre quem tinha escrito aquilo, tanto que comecei a ler biografias e os di�rios. Os temas s�o muito importantes at� hoje: a condi��o da mulher, a linha t�nue entre sanidade e loucura, a dor da cria��o"
Cl�udia Abreu, atriz e autora do mon�logo "Virginia"
Em mais de 30 anos de teatro, a atriz Cl�udia Abreu, de 51 anos, vai passar por uma situa��o in�dita em Belo Horizonte. Pela primeira vez, far� duas sess�es de um espet�culo. Como as duas apresenta��es regulares (sexta, �s 21h, e s�bado, �s 20h) da pe�a “Virginia”, no Centro Cultural Unimed-BH Minas, se esgotaram no in�cio desta semana, a montagem ganhou outro hor�rio: s�bado (13/8), �s 18h, que, pelo andar da carruagem, tamb�m tende a esgotar.
“Nem sei como vai ser. Devo sair de maca do teatro”, brinca Cl�udia, que fica em cena durante uma hora. “Virginia” n�o � somente mais um espet�culo na trajet�ria da atriz. � seu primeiro mon�logo e marca ainda sua estreia em dramaturgia para teatro. Nasceu a partir de uma imers�o na obra da escritora brit�nica Virginia Woolf (1882-1941), que, coincidentemente, faz parte da forma��o de Cl�udia nos palcos.
Em 1989, ela era uma jovem int�rprete de 18 anos quando se reuniu ao elenco de “Orlando”, montagem de Bia Lessa de um dos romances mais conhecidos de Woolf (para ser levada para o palco, a obra foi adaptada pelo escritor S�rgio Sant’Anna). Na �poca, contracenou com Fernanda Torres e J�lia Lemmertz.
O aristocrata que acordou mulher
Publicado em 1928, “Orlando” � uma biografia inventada de um aristocrata imortal que viveu na Europa – um dia, ele acorda mulher. A autora se inspirou na vida de sua amante, a escritora Vita Sackville-West (1892-1962), para discutir os pap�is de g�nero. Foi escrito em forma de s�tira, e n�o obedece aos fluxos de consci�ncia, uma das marcas da obra de Woolf.
E foi justamente essa caracter�stica que interessava a Cl�udia, que h� alguns anos come�ou a fazer aula de literatura com Carmem Hanning. “Eu queria escrever sobre outras coisas, n�o necessariamente para atuar como atriz.” Quando falou sobre os fluxos de consci�ncia (grosso modo, � o fluxo cont�nuo de pensamentos de um personagem, que na literatura pode abrir m�o de estruturas como par�grafos), Carmem sugeriu a Cl�udia uma imers�o em Woolf.
“Comecei a ler a partir de ‘Mrs. Dalloway’ (1925), depois ‘As ondas’ (1931), e me apaixonei pela obra dela de maneira avassaladora. Minha identifica��o com ela foi muito em cima de um olhar sobre a exist�ncia, em observa��es finas e sens�veis. Eu me interessei tamb�m sobre quem tinha escrito aquilo, tanto que comecei a ler biografias e os di�rios. Os temas s�o muito importantes at� hoje: a condi��o da mulher, a linha t�nue entre sanidade e loucura, a dor da cria��o. Virginia Woolf foi uma mulher extraordin�ria, ent�o quis escrever sobre os fluxos de consci�ncia dela”, conta Cl�udia.
Em 28 de mar�o de 1941, Virginia Woolf encheu de pedras os bolsos de seu casaco, foi at� o Rio Ouse, pr�ximo � sua casa, no condado de Sussex, na Inglaterra, e se afogou. Seu corpo foi encontrado no m�s seguinte, em 18 de abril. “Virginia”, o texto escrito e encenado por Cl�udia Abreu, coloca a escritora em seus �ltimos momentos. J� debaixo d’�gua, Woolf, por meio dos fluxos de consci�ncia, repassa sua pr�pria vida.
“Em seus �ltimos momentos, Virginia faz um invent�rio �ntimo. Eu queria colocar os fluxos de consci�ncia como estrutura da pe�a, pois eles fizeram dela esta pessoa extraordin�ria. Quis que houvesse esse di�logo entre a estrutura da minha pe�a e a literatura dela. Ent�o, s�o esses fluxos que contam a hist�ria dela, da fam�lia, do grupo de Bloomsbury”, descreve a atriz e dramaturga.
Ao dar in�cio � escrita do texto, Cl�udia n�o pensava que iria montar uma pe�a. “Eu queria primeiro tentar ver o que daria aquilo”, conta. Depois de ter pesquisado muito sobre a vida e obra de Woolf, em 2019, ela come�ou a escrever. “De v�rias maneiras: escrita tradicional, oralmente, improvisando, em �udios que gravava. A partir disso, o recorte foi se formando. Eu n�o estava disposta a fazer um tratado liter�rio, nem poderia, ent�o era o humano que me pegou. A condi��o da mulher nela ganha um sentido maior.”
Parceria por videoconfer�ncia com Amir Haddad
Ainda em 2019, quando o texto come�ou a ganhar forma, Cl�udia procurou o diretor Amir Haddad, com quem havia trabalhado 25 anos antes em uma montagem de “Noite de reis”, de Shakespeare. Ela escrevia e mostrava trechos a ele. Quando a pandemia teve in�cio, o processo passou a ser semanal, via videoconfer�ncia.
Os ensaios come�aram em mar�o – neste caminho, Haddad teve COVID, e os trabalhos continuaram, at� que ele pudesse retornar ao processo, com Malu Valle, que assina a pe�a como codiretora. O texto � todo de Cl�udia. H� alguns trechos da obra de Woolf que est�o em cena, aparecendo em off no espet�culo.
“Virginia” estreou em 9 de julho �ltimo, em S�o Paulo, onde cumpriu temporada de tr�s semanas com casa cheia. Belo Horizonte, onde a montagem ser� apresentada dentro do projeto Teatro em Movimento, � a segunda cidade a receber o espet�culo. Para Cl�udia, o retorno aos palcos tem sido emocionante.
“Estou sozinha em cena falando um texto meu. N�o tem cen�rio. Sou eu, a luz, o som, contando a hist�ria que quis contar diante das pessoas. Estou totalmente aberta para me entregar para esta hist�ria, o trabalho mais autoral que j� fiz”, diz.
“E descobri uma coisa bonita por n�o ter outros atores em cena: meu interlocutor � o p�blico. Depois da pandemia, isso fez muito mais sentido. Ap�s tanto medo de morrer, tanta tela diferente, voltar ao teatro e ver um ser humano falando sobre outro ser humano diante de outros humanos � uma forma de falar sobre n�s todos”, afirma.
“VIRGINIA”
O mon�logo de Cl�udia Abreu ser� apresentado nesta sexta (12/8), �s 21h, e no s�bado (13/8), �s 18h e �s 20h, no teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas, Rua da Bahia, 2.244, Lourdes. Ingressos: Plateia 1 – R$ 60 e R$ 30 (meia); Plateia 2 – R$ 50 e R$ 25 (meia). Dispon�veis para a sess�o das 18h (as demais est�o esgotadas). � venda na bilheteria e no site Eventim
EDI��O EM LIVRO

Durante a pandemia, Cl�udia Abreu iniciou uma p�s-gradua��o em artes c�nicas na PUC-Rio. Como j� estava escrevendo “Virginia”, o texto acabou fazendo parte da monografia da atriz para a conclus�o do curso. Uma das editoras que publicam Virginia Woolf no Brasil, a paulista N�s editou o texto da pe�a no livro “Virginia – Um invent�rio �ntimo” (48 p�ginas, R$ 45). Nas sess�es do espet�culo, a N�s estar� com uma banca no teatro vendendo tanto esse livro como tamb�m os sete t�tulos que editou da autora brit�nica (entre eles, dois volumes de seu di�rio). Ap�s as apresenta��es, Cl�udia vai autografar a obra.