
Entre 1985 e 1986, Marisa Orth estava ensaiando um mon�logo escrito pelo alem�o Franz Xaver Kroetz e traduzido especialmente para ela por um colega, quando deixou a montagem de lado para integrar o grupo musical Luni. De l� pra c�, a atriz cantou, atuou em filmes, novelas, sitcoms e in�meras pe�as de teatro, mas nunca retomou a ideia de montar um solo.
Contudo, em meados do ano passado, ao receber das m�os da produtora Renata Alvim um exemplar do livro “A saideira: Uma dose de esperan�a depois de anos lutando contra a depend�ncia”, da jornalista Barbara Gancia, veio tamb�m a proposta de adaptar a obra para o teatro.
Resistente � ideia no in�cio, a atriz acabou se convencendo e, neste fim de semana, desembarca em Belo Horizonte para apresentar “B�rbara”, seu primeiro mon�logo em 40 anos de carreira. Com dire��o de Bruno Guido e texto de Michelle Ferreira, o espet�culo se baseia no relato de Barbara Gancia dos 30 anos em que conviveu com o abuso de �lcool, se descobriu alco�latra e como conseguiu se livrar da depend�ncia.
Com enorme repercuss�o na �poca do lan�amento, em 2018, o livro fez com que a jornalista e colunista da Folha de S.Paulo se tornasse uma esp�cie de porta-voz dos movimentos de reabilita��o e sa�sse Brasil afora realizando palestras sobre o tema.
O espet�culo estrelado por Marisa, por sua vez, embora concebido a partir da obra autobiogr�fica, n�o se limita a transpor para o palco o livro da jornalista. Ele parte da depend�ncia do �lcool para falar dos v�cios em geral.
"� impressionante o quanto n�s desconhecemos a n�s mesmos. Os v�cios mostram isso"
Marisa Orth, atriz
“A pe�a � constru�da de peda�os do livro mais a ficcionaliza��o da Michelle e algumas hist�rias pessoais minhas que foram roteirizadas. Ali � abordada a depend�ncia. Desde a depend�ncia do �lcool, do cigarro, de um relacionamento t�xico, at� mesmo de um brigadeiro que a pessoa n�o consegue deixar de comer”, comenta a atriz.
Das hist�rias pessoais ao stand up
Para alcan�ar esse objetivo, a estrat�gia adotada por Bruno Guido foi fazer com que o espet�culo se valesse de diferentes elementos c�nicos, como quando intercala as hist�rias pessoais de Marisa com as que Barbara narrou no livro; ou quando, no centro do palco e com as luzes acesas, a atriz interage com a plateia, lan�ando m�o de coment�rios c�micos, em formato muito semelhante ao do stand up comedy.
“Eu estava muito resistente em montar esse espet�culo, porque eu j� conhecia a Barbara e acompanho o trabalho dela. Vejo que ela sempre est� dando palestras sobre reabilita��o. Ent�o achei que montar uma pe�a justamente com o material que ela j� leva ao p�blico n�o seria algo muito legal. S� mudei de ideia quando o Bruno [Guido] me fez entender que o solo seria concebido a partir do livro e com todos esses recursos c�nicos, de modo que n�o seria uma adapta��o propriamente dita do livro”, afirma.
A tem�tica s�ria do enredo, contudo, n�o fez com que o resultado final fosse um drama sombrio e melanc�lico. “A Barbara acompanhou os ensaios e sempre dizia que era preciso ter alegria; afinal, o �lcool, na grande maioria das vezes, est� associado � alegria. O cuidado que tivemos foi o de mostrar que o perigo vem justamente do consumo desenfreado e em mostrar que existe a possibilidade de reabilita��o”, aponta.
Desse modo, explica a atriz, a pe�a se fia no segundo passo dos 12 para a reabilita��o, que � justamente a esperan�a. N�o seria spoiler, portanto, afirmar que, mesmo flertando com o drama, “B�rbara” traz um alento ao espectador e conta com a reden��o da personagem no final.
Pandemia e alcoolismo
Formada em psicologia, embora nunca tenha atuado na �rea, Marisa tem uma sensibilidade maior ao lidar com a tem�tica da pe�a. “Pouco se fala sobre isso, mas, nos hospitais psiqui�tricos p�blicos, o alcoolismo � a causa de cerca de 70% das interna��es”, afirma.
Ela ainda refor�a o que muitos institutos e centros de pesquisa j� alertavam no in�cio da pandemia: esse per�odo registrou um aumento de consumo de �lcool por parte dos brasileiros.
Ela ainda refor�a o que muitos institutos e centros de pesquisa j� alertavam no in�cio da pandemia: esse per�odo registrou um aumento de consumo de �lcool por parte dos brasileiros.
Em um cen�rio no qual m�sicas do mainstreaming exaltam o consumo excessivo, sobretudo de bebidas alco�licas, “B�rbara” segue na contram�o ao apostar em uma mensagem de reabilita��o.
“� um tema extremamente relevante e que deve ser discutido, principalmente nos dias de hoje, porque as pessoas ainda n�o sabem lidar com a depend�ncia. Quem, em s� consci�ncia, vai comprar um produto como o cigarro, por exemplo, que j� alerta que � nocivo e ainda traz fotos das doen�as causadas por ele?”, questiona a atriz. “As pessoas compram e consomem justamente por causa da depend�ncia. N�o � uma escolha”, complementa.
“� um tema extremamente relevante e que deve ser discutido, principalmente nos dias de hoje, porque as pessoas ainda n�o sabem lidar com a depend�ncia. Quem, em s� consci�ncia, vai comprar um produto como o cigarro, por exemplo, que j� alerta que � nocivo e ainda traz fotos das doen�as causadas por ele?”, questiona a atriz. “As pessoas compram e consomem justamente por causa da depend�ncia. N�o � uma escolha”, complementa.
Timidez convexa
Conhecida por personagens c�micas – e, em alguns casos, extravagantes –, Marisa se diz t�mida. “Posso dizer que tenho uma timidez convexa, que me faz ter a necessidade de ocupar um espa�o no palco e a�, sim, saber como lidar com isso”, afirma.
No palco, de acordo com a atriz, tudo � combinado e as coisas ocorrem de maneira natural. “Se voc� abrir uma porta, j� tem ali outra pessoa para entrar, que est� com o figurino certinho e com as falas ensaiadas. A vida, n�o. Tem imprevistos que a gente n�o consegue controlar. A vida � uma esculhamba��o”, comenta.
Marisa, no entanto, soube lidar bem com essa esculhamba��o chamada vida. Neste ano, al�m de realizar a turn� de “B�rbara”, ela est� no elenco de “Al�m da ilus�o”, novela das 6 da TV Globo, e em cartaz em S�o Paulo com o musical “A fam�lia Addams”.
Na �ltima ter�a-feira (16/8), a atriz recebeu duas indica��es para o Pr�mio Bibi Ferreira. Ela concorre na categoria de melhor atriz em pe�a de teatro, por “B�rbara”; e na de melhor atriz em musicais pela Mort�cia em “A fam�lia Addams”. Bruno Guido tamb�m foi indicado como melhor diretor. Os vencedores ser�o anunciados em 21 de setembro.
“B�RBARA”
Dire��o: Bruno Guido. Texto: Michelle Ferreira. Com Marisa Orth. No Teatro Sesiminas. Rua Padre Marinho, 60, Santa Efig�nia, (31) 3241-7181. Nesta sexta (19/8), �s 21h; s�bado (20/8), �s 20h; e domingo (21/8), �s 19h. Ingressos a R$ 100 (plateia 1/inteira) e R$ 50 (plateia 2/inteira). Meia-entrada na forma da lei.