
"Conforme escrevia o roteiro, comecei a me aprofundar na natureza do espet�culo, nosso v�cio em espet�culo e a natureza insidiosa da aten��o. Ent�o, � disso que se trata"
Jordan Peele, diretor e roteirista
T�o logo chamou a aten��o do mundo com Corra!, vencedor do Oscar de roteiro original em 2018, Jordan Peele foi imediatamente comparado a Quentin Tarantino. Ainda que reafirme a fonte de inspira��o no mestre Alfred Hitchcock, Peele faz por onde sustentar essa compara��o com o seu N�o! N�o olhe!, fic��o cient�fica que acaba de estrear nos cinemas de BH.
A premissa do filme que reencaminha bases do faroeste traz a forte participa��o de atores negros e reconfigura pap�is a eles reservados, ao estilo de Os oito odiados (assinado por Tarantino). Mas h� diferen�as na trama sobre os irm�os OJ Haywood (Daniel Kaluuya) e Emerald (Keke Palmer) sobre a tentativa de perpetuar a fama da fam�lia deles, os Haywood, fortemente ligados ao desenvolvimento de um rancho no Vale de Santa Clarita, na Calif�rnia.
Trauma � moda Stanley Kubrick
Al�m de treinar cavalos, h� estrita liga��o de OJ e Emerald com a rica ind�stria de Hollywood. Vizinho ao rancho em que vivem, um decadente parque tem�tico � administrado por Ricky Jupe (Steven Yeun), oportunista ex-ator de TV traumatizado por um epis�dio que, narrado com a grandeza de um Stanley Kubrick, engrandece o cinema de Peele.Se o parque tem�tico remete � decad�ncia de A �ltima sess�o de cinema (1971), Jordan Peele traz em seu embri�o criativo o cinema de reconquista alardeado pelo astro Sidney Poitier, fundamental ao chamado cinema negro.

N�o por acaso, um poster do faroeste Um por Deus, outro pelo diabo (1972), estreia de Poitier na dire��o, estampa cena de N�o! N�o olhe!. No filme setentista, havia interessados em reacender o modelo escravagista.
Tamb�m diretor de N�s (2019), Peele se arvora em remeter seu novo filme a Sinais (de M. Night Shyamalan) e a duas produ��es de Steven Spielberg - Contatos imediatos do terceiro grau (do qual aproveita a imers�o sonora) e ET (na ic�nica cena do toque de dedos).
Disco voador e teoria da conspira��o
Sem insistir na tecla de conte�dos e choques sociais, Peele deixa que as for�as da natureza ajam em N�o! N�o olhe!. Junto de uma teoria da conspira��o, o aparecimento de objeto voador n�o identificado traz uma guinada. Entram em cena dois personagens capacitados a, com uso de tecnologia, registrar epis�dios inexplic�veis: o entusiasmado Angel (Brandon Perea) e o cineasta Antlers (Michael Wincott).
Depois da frustrada tentativa de integrar uma equipe de cinema, os irm�os protagonistas investir�o no desvendar de UAPs (fen�menos a�reos n�o identificados).
Um elemento � evidente em N�o! N�o olhe! e diz respeito � coleta e eterniza��o de imagens. Para al�m do visual que, � luz do dia, crava a exist�ncia da mans�o que lembra a de Terror em Amityville (1982), o filme examina a import�ncia do tatarav� do cinema, o zoopraxisc�pio, cria��o do s�culo 19 do fot�grafo brit�nico Eadweard Muybridge. O porqu� da falta de notoriedade do negro que participou indiretamente daquele invento � parte da discuss�o de N�o! N�o olhe!.
Dentro do foco central do longa, em que cavalos e um macaco t�m forte import�ncia, os personagens, acostumados a domar e amestrar animais, topam com o indom�vel. O inesperado desponta com o n�tido surgimento de um disco voador, bem naquele esquema batido de aventura sci-fi.
A instabilidade da isolada regi�o californiana remete � c�mica intromiss�o de sensacionalismo, relacionado a fatos que cercam o filme, capaz de adotar ramifica��o de tema assemelhada � do experimentalismo do ousado diretor Gus van Sant (dos �ridos Gerry e Garotos de programa).
Panqueca voadora e plasma
A perda do controle desperta teoria que lembra a percep��o de que animais afastados do h�bitat natural tendem a voltar ao ponto de origem. Numa escolha arriscada, a equipe da designer de produ��o Ruth de Jong aposta no visual question�vel do Ovni, misto de plasma e panqueca voadora, que acopla em si aparatos de c�mera fotogr�fica.
Discutindo a demarca��o de territ�rio e captando imagens aterradoras de uma zona de completo caos para os humanos, o longa de Jordan Peele convence. Mas o roteiro, do pr�prio diretor, se atrapalha ao desprestigiar a elaborada e envolvente trama que cerca o passado de Ricky Jupe (Steven Yeun), testemunha traumatizada de extremada atrocidade. Se perde, de certo modo, o cineasta que discutiu sadismo e constru��o de identidade em N�s e apelou, em Corra! para um thriller de tirar o norte.