''S� tenho 45 anos e 20 de carreira. Estava me sentindo ficando pra tr�s, com muita coisa ainda pra oferecer"
Maria Rita, cantora e compositora
Quando Maria Rita assinou contrato com a Som Livre, a ideia era lan�ar uma s�rie de singles, uma forma de se adaptar aos modos de produ��o da ind�stria fonogr�fica atual. No entanto, a cantora entregou logo um EP com seis faixas. Desse jeito saiu assim, de uma vez, e � uma esp�cie de confirma��o do compromisso da cantora com o samba.
O �lbum come�ou a ser pensado antes de o coronav�rus frear o mundo e manter bilh�es de pessoas isoladas em casa. “O disco surgiu por uma necessidade de, naquele momento, me aproximar mais dos moldes e m�todos de trabalho da ind�stria fonogr�fica com a quest�o dos singles, do EP, do audiovisual”, conta Maria Rita.
“Era uma vontade grande ter a liberdade de amanh� ou depois, por exemplo, gravar um single com outro artista e n�o esperar um disco, porque esse encontro � moment�neo, para ser eternizado, mas n�o necessariamente para esperar dois anos”, explica.
A cantora e compositora n�o estava preparada para lan�ar um disco quando mandou para a gravadora as c�pias das can��es sem masteriza��o e sem mixagem. Dois dias depois, veio a proposta de produzir logo de cara um �lbum inteiro, de uma vez.
Maria Rita ficou apreensiva, porque nunca lan�ou disco t�o curto. Por�m, ao come�ar o trabalho em est�dio, se deu conta da unidade do conjunto.
“Achei isso curioso. Vi que, embora n�o tenha planejado um EP, mais uma vez tinha feito uma fotografia da minha vida de forma absolutamente inconsciente no sentido de ordem, da hist�ria a ser contada num disco. As m�sicas s�o verdadeiras, mas tinha uma hist�ria com princ�pio meio e fim que fui perceber depois”, conta.
"Vi que, embora n�o tenha planejado um EP, mais uma vez tinha feito uma fotografia da minha vida de forma absolutamente inconsciente no sentido de ordem, da hist�ria a ser contada num disco"
Maria Rita, cantora e compositora
Parceiros e amigos de f�
Desse jeito celebra os 20 anos de carreira da cantora com alguns convidados que s�o amigos pr�ximos dela.
Parceria com Magnu Sous� e Maur�lio Oliveira, Por vezes contou com participa��o de Thiaguinho. Na letra, a cantora evoca um corpo intocado e uma for�a vital que ela tamb�m encontra no candombl�.
“A letra veio de sopet�o, mostrei para o Magnu e ele escreveu a melodia. E Thiaguinho � um amigo muito querido, uma pessoa muito importante, presente no meu dia a dia”, conta.
O candombl� e os santos tamb�m aparecem na faixa-t�tulo Desse jeito, em versos como Quem cuspiu a cangibrina do santo/ Veste branco em dia de Oxal�/ Tem a ginga do andar do malandro/ N�o � qualquer um que vibra na for�a de Ogum.
Em Correria, Maria Rita fala sobre o racismo e o lugar do samba na sociedade brasileira. “� uma cr�tica a esta sociedade racista, que assinou a alforria que o patr�o teve que dar”, lamenta.
Teresa Cristina � a convidada de Can��o da er� dela, m�sica que surgiu de modo inusitado. Maria Rita acordou, certo dia, com a letra na cabe�a e estranhou. “N�o sou uma compositora que acorda de manh� e senta para compor, para fazer esse exerc�cio que os compositores fazem. Fundamentalmente, sou uma int�rprete, cantora, empres�ria e m�e. Para esse rol� de compositor, conto com meus parceiros mais pr�ximos. Dito isso, essa melodia, ou parte dela... abri o olho e a m�sica estava tocando na minha cabe�a”, diz.
Depois de mandar um �udio para o Pretinho da Serrinha e Fred Camacho, para se assegurar de que n�o estava com a melodia de outra pessoa na cabe�a, a cantora convidou os dois compositores para fazerem a letra.
O convite para Teresa Cristina gravar Can��o da er� dela foi quase natural.
“Teresa e eu, a gente j� vem de muitos encontros, desfiles da Portela, amigos em comum, troca de mensagens, muita comunh�o de ideias e pensamento de valores”, conta. “Ela � da religi�o e eu queria uma mulher que fosse cantar comigo, porque a er� � menina. Teresa traz todo o entendimento. E � uma mulher preta, do samba, que respeito, admiro e pela qual tenho um carinho enorme.”
"Somos um pa�s cego, em nega��o com sua hist�ria, em nega��o com seu passado, seja o passado de torturador, seja de quem escraviza um povo"
Maria Rita, cantora e compositora
DUAS PERGUNTAS PARA...
Maria Rita - cantora e compositora
“Desse jeito” � seu nono �lbum e vem depois de “Amor e m�sica”. O que ele representa, depois da pandemia da COVID-19 e do caos decorrente dela?
O formato que estava sendo vendido minha carreira era esse, isso estava me sufocando porque s� tenho 45 anos e 20 de carreira. Estava me sentindo ficando pra tr�s, com muita coisa ainda pra oferecer. E a� veio a pandemia, que pra mim virou mais uma quest�o de sobreviv�ncia do que ‘vou pensar meu futuro, projetar’. N�o, eu s� precisava sobreviver naquele momento. A reabertura possibilitou reabra�ar isso a� e reafirmar para o mundo inteiro meu compromisso, acolhimento, aconchego no samba.
Algumas faixas s�o a celebra��o da liga��o entre o samba e a religi�o. Por que isso � importante no momento em que o candombl� est� sendo oficialmente demonizado pela Presid�ncia da Rep�blica?
Isso � apavorante, mortal, um perigo, um risco de vida que as pessoas correm. Somos um pa�s cego, em nega��o com sua hist�ria, em nega��o com seu passado, seja o passado de torturador, seja de quem escraviza um povo, e fingimos que n�o existe. Isso gera essa situa��o de falta de entendimento e conhecimento formal do que aconteceu. N�o consigo entender como uma religi�o que s� celebra as qualidades dos seres humanos, que s� celebra a uni�o e comunh�o com a natureza, os seus mais velhos e mais novos, pode ser demonizada. Uma religi�o que nem sequer tem o entendimento do ruim, do mal, das trevas. � pequeno. Nunca li a “B�blia”, n�o fui criada no cristianismo, fui encontrar minha f� agora, com 40 anos de idade, mas o fato de n�o ter lido a “B�blia” n�o me d� o direito de sair criticando quem acredita naquilo. Nossa religi�o � uma religi�o horizontal, os orix�s t�m as qualidades e n�o qualidades dos seres humanos.
“DESSE JEITO”
>> EP de Maria Rita
>> Som Livre
>> Seis faixas
>> Dispon�vel nas plataformas digitais