
O ator Carlos Francisco, que interpreta o “Seu” Wellington, pai de Deivinho, em “Marte Um”, estava tranquilo em casa na manh� desta segunda-feira (5/9), quando come�aram a pipocar mensagens em seu celular. Todas lhe davam os parab�ns.
Sem entender direito do que se tratava, abriu uma delas e viu que o longa coestrelado por ele e dirigido por Gabriel Martins, da produtora Filmes de Pl�stico, de Contagem, foi selecionado para representar o Brasil no Oscar 2023, na categoria melhor filme internacional.
A Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais anunciou sua decis�o nesta segunda-feira. O longa de Martins concorria com “A m�e”, de Cristiano Burlan; “A viagem de Pedro”, de La�s Bodanzky; “Carv�o”, de Carolina Markowicz; “Pacificado”, de Paxton Winters; e “Paloma”, de Marcelo Gomes.
Ser� uma longa luta para chegar � festa em Los Angeles, em mar�o. A Academia de Artes e Ci�ncias faz duas sele��es para a categoria de produ��es n�o faladas em l�ngua inglesa – os indicados ser�o anunciados em fevereiro. O �ltimo longa brasileiro que brigou pelo Oscar nesta modalidade foi “Central do Brasil”, em 1999. N�o levou o pr�mio.

Sonhos na periferia do Brasil
Rodado em Contagem e BH, o longa acompanha a fam�lia Martins. Wellington (Carlos Francisco), porteiro ex-alco�latra, � cruzeirense doente. A diarista T�rcia (Rejane Faria), mulher dele, acredita ter sofrido alguma maldi��o depois de ser alvo de pegadinha, na qual um homem finge explodir bomba na lanchonete onde ela est�. O pr�-adolescente Deivinho (C�cero Lucas) pode ser uma promessa do futebol, mas prefere seguir a carreira de astrof�sico e sonha pisar no solo de Marte. A jovem Eunice (Camilla Dami�o), estudante de direito em universidade p�blica, hesita em contar para os pais sobre seu relacionamento com uma garota.
O fio condutor de “Marte Um” � o dilema de Deivinho: o pai projeta nele o sonho fracassado de ser craque do futebol, mas o menino quer integrar a miss�o espacial que d� nome ao filme, cujo objetivo � colonizar o planeta vermelho. O garoto teme decepcionar Wellington. Eunice apoia o irm�o e o ajuda a lutar por seu sonho.
“'Marte Um' revela bem este momento que vivemos”, afirma Rejane Faria, atriz do grupo de teatro mineiro Quatroloscinco. “Principalmente na cena da pegadinha. As elei��es de 2018 e o coronav�rus de 2020 foram como bombas que explodiram em nosso colo, deixando todos atordoados, imaginando que fomos amaldi�oados. Mas se fizermos como a T�rcia e nos mantivermos firmes, poderemos dar um jeito, a volta por cima.”
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Start com o fracasso do 7 a 1, em BH
A cria��o de “Marte Um” come�ou em 2014, mais especificamente quando a Sele��o Brasileira foi eliminada da Copa do Mundo pela Alemanha, em Belo Horizonte, com o fat�dico placar de 7 a 1. “Ali, eu quis fazer um filme que pudesse falar da crise de identidade a partir do sonho de um garoto e do futebol”, explica Gabriel Martins.
H� paralelos entre a vida do diretor e a do menino Deivinho. Na inf�ncia, Gabriel Martins treinou na escolinha de futebol do Cruzeiro, e a m�e via ali um futuro promissor para ele. Mas o sonho do menino Gabriel era outro: queria ser cineasta. Como Deivinho, tinha vontade de realizar algo mais dif�cil, sobretudo levando-se em considera��o que vivia na periferia de Contagem.
Terminam a� as semelhan�as. “N�o houve press�o por parte da minha m�e para que eu fosse jogador de futebol, assim como o Wellington pressiona Deivinho”, ressalta Martins. Na tela, o diretor apenas deu cores mais fortes a esse conflito.
“‘Marte Um’ � um retrato do brasileiro”, acredita Rejane Faria. “� um filme de preto, feito por preto e sem marginaliz�-lo, mas, ao mesmo tempo, mostra a dificuldade que o preto tem para encontrar um trabalho que o tire da situa��o de subservi�ncia, como � o caso da T�rcia e do Wellington”.
Esta situa��o pode mudar para as pr�ximas gera��es, ressalta a atriz. “Quando voc� v� Eunice e Deivinho, percebe que as oportunidades dos dois s�o bem diferentes daquelas que os pais tiveram. Ela estuda direito em uma faculdade p�blica, enquanto o ca�ula sonha com uma profiss�o inimagin�vel para os pais”, afirma.
A escolha de “Marte Um” para representar o Brasil no Oscar � o reconhecimento do trabalho de artistas negros e perif�ricos. E veio na hora certa, enfatiza.
“Minas Gerais � celeiro de cultura, sobretudo no cinema. Mas s� agora estamos conseguindo ter esse reconhecimento. Isso est� acontecendo no momento ideal, devido a tudo que estamos vivendo n�o s� no Brasil, mas no mundo”, observa a atriz, referindo-se � amplia��o da representatividade de negros e das minorias no campo cultural.
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O longa, ali�s, foi viabilizado pela lei de incentivo a a��es afirmativas, uma esp�cie de cota para o segmento da cultura. Mas teve de disputar as salas de exibi��o com as produ��es internacionais “Top Gun: Maverick”, “Thor: amor e trov�o” e “N�o! N�o olhe!”, entre outras.
“As pessoas v�m cumprimentar a gente. Mas elas n�o d�o s� os parab�ns e v�o embora. Elas querem dar um abra�o em n�s”, conta o ator Carlos Francisco. “Muitos nem falam nada. �s vezes chegam, abrem os bra�os e choram no ombro da gente”, completa Rejane.