
'O homem comum, quando morre, n�o deixa dinheiro nem heran�a de �dios. Costuma deixar tristeza, o sentimento de que algo ainda havia a ser feito. Ele se completa, na sua finitude, na mem�ria dos que o amaram'
Jo�o Paulo Cunha, em 'Em busca do tempo presente'
Jo�o Gilberto, “Big brother”, Mozart, Guimar�es Rosa, Zeca Pagodinho, Ivete Sangalo, Karl Marx, Heidegger, Santo Agostinho, Machado de Assis e novela de TV. Tudo era cultura para o jornalista Jo�o Paulo Pinto da Cunha, que morreu aos 63 anos, ontem � tarde, devido a complica��es de um c�ncer no es�fago.
O vel�rio ser� realizado neste s�bado, das 11h �s 13h, no Parque da Colina, em Belo Horizonte.
Apaixonado por filosofia, professor universit�rio, especialista em sa�de p�blica e escritor, o mineiro de Belo Horizonte deixa o legado de compromisso �tico e rigor intelectual em todos os campos do conhecimento que experimentou.
Orgulho do SUS
Formado em psicologia, pedagogia, filosofia e comunica��o social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), foi pesquisador da Escola de Sa�de P�blica de Minas Gerais. Na �poca da Constituinte de 1988, trabalhou na formula��o de propostas para a implanta��o do Sistema �nico de Sa�de (SUS). Tinha muito orgulho disso.
Deu aulas na PUC Minas e no Centro Universit�rio Newton Paiva nas �reas de psicologia, �tica e sociologia. Trabalhou 18 anos no Estado de Minas, foi subeditor do caderno Gerais, cargo que assumiu em 1996. Posteriormente, assumiu o comando do EM Cultura e do suplemento Pensar, coordenados por ele durante 17 anos.
“O Jo�o Paulo, al�m de ter sido um editor atento e entusiasmado, era intelectual com uma grande virtude: escrevia com clareza sobre temas variados e densos. Seus textos sempre diziam muito ao leitor”, afirma Carlos Marcelo, diretor de reda��o do EM.
Modesto, sempre de camiseta branca da Hering, dividiu seu imenso saber com leitores, jovens rep�rteres, colegas e alunos. Intelig�ncia luminar, era aberto ao mundo erudito e � cena pop. E amava, de paix�o, a cultura popular. Brasil profundo era com ele.
'O Jo�o Paulo, al�m de ter sido um editor atento e entusiasmado, era intelectual com uma grande virtude: escrevia com clareza sobre temas variados e densos. Seus textos sempre diziam muito ao leitor'
Carlos Marcelo, diretor de reda��o do Estado de Minas
Recentemente, encantou-se com a letra de “Que tal um samba?”, �ltimo lan�amento de Chico Buarque, pren�ncio delicado de dias melhores para o Brasil. Amava e conhecia profundamente a �pera, a hist�ria da MPB e do samba. Defendia o ax� quando o som baiano era desancado. Admirava o rap de Mano Brown. Considerava Roberto Carlos um grande artista e cantor. Chorou a rodo ao ver Mercedes Sosa cantar no Chevrolet Hall.
Em sua casa, em Lagoa Santa, guardou imensa cole��o de livros, dos quais tinha ci�mes. Pensadores brasileiros e estrangeiros, romancistas, cronistas, poetas, ensa�stas e, sobretudo, fil�sofos tamb�m moram ali, em imensas estantes.
A filosofia sempre deu r�gua e compasso a Jo�o. Amava a pol�tica. Orgulhoso de se dizer marxista e comunista, lutou pela democracia, pela liberdade de express�o e contra a exclus�o social. Comunista ateu, amava o ritual da missa. Entendido em B�blia, sabia tudo dos papas. Tinha a convic��o de que � poss�vel fazer do Brasil um pa�s realmente democr�tico. Apoiou Luiz In�cio Lula da Silva, era admirador da luta do MST.
"Quando me perguntam sobre estudos, explico que n�o fiz mestrado nem doutorado, mas que trabalhei com o Jo�o durante sete anos"
Clara Arreguy, jornalista
Sempre estimulou m�sicos e artistas visuais que lutam por espa�o em BH, como editor do EM e como presidente do BDMG Cultural, a convite do ent�o governador Fernando Pimentel (PT). Ultimamente, dedicou-se ao projeto sobre a trajet�ria do dramaturgo Jo�o das Neves (1935-2018).
Ensaio sobre Elomar
Em 2009, publicou o livro “Elomar – O Cantador do Rio Gavi�o”, sobre a trajet�ria do cantor e compositor baiano. Tamb�m � autor de “Em busca do tempo presente”, lan�ado em 2011 pela editora Comunica��o de Fato, sele��o de artigos e ensaios que publicava no caderno Pensar, no EM.
Era casado com a administradora Cibele Malafaia. Deixa a filha Joana Cunha, de seu primeiro casamento, com Mariana Faria Tavares, e a neta Ant�nia.
“Jo�o � um exemplo, um jornalista que sabia refletir, discernir, elaborar um pensamento complexo sobre os elementos da cultura, da identidade brasileira, sobre as artes”, afirma Rog�rio Faria Tavares, presidente da Academia Mineira de Letras. “Foi muito inspirador para gera��es de jornalistas.”
O jornalista ajudou o subeditor Paulo Nogueira a montar a biblioteca da reda��o do EM. “Durante 10 anos, essa biblioteca emprestou milhares de livros de qualidade, sempre com boas sugest�es do Jo�o Paulo, a colegas de trabalho, de estagi�rios a veteranos”, relembra Nogueira.
“O Jo�o Paulo foi uma das mentes mais brilhantes que conheci. Foi meu editor muitos anos. Ele pensava o Brasil de uma maneira diferente, de uma maneira muito bacana”, afirma o escritor e jornalista Carlos Herculano Lopes.
“Uma grande perda para o jornalismo cultural de Minas Gerais. O Jo�o Paulo foi um profissional exemplar, tanto no aspecto �tico quanto t�cnico. Ele tinha uma escrita maravilhosa e �timos argumentos. Voc� poderia at� n�o concordar com o que ele escrevia, mas tinha de admitir que era um texto fant�stico”, lembrou o jornalista e editor Jos� Eduardo Gon�alves.
'O Jo�o Paulo foi uma das mentes mais brilhantes que conheci. Foi meu editor muitos anos. Ele pensava o Brasil de uma maneira diferente, de uma maneira muito bacana'
Carlos Herculano Lopes, jornalista e escritor
“Ele foi uma grande escola”, afirma S�rgio Rodrigo Reis, presidente da Funda��o Cl�vis Salgado e ex-colega de Jo�o Paulo no EM. “Era muito �tico, profissional e pessoalmente. Foi com ele que percebi que a gente nunca para de aprender. Era uma pessoa que estudava todos os dias e sempre buscava aprender mais. Parte o corpo, mas fica o legado”.
Rafael Radicchi, que diagramava p�ginas com Jo�o Paulo neste jornal, destaca o ser humano simples e af�vel. “Como jornalista, era refer�ncia. Te dava uma aula sobre qualquer assunto.”
O amigo tutor
A jornalista e escritora Clara Arreguy, propriet�ria da Outubro Edi��es, trabalhou com Jo�o Paulo no EM at� se transferir para Bras�lia.
“Quando me perguntam sobre estudos, explico que n�o fiz mestrado nem doutorado, mas que trabalhei com o Jo�o durante sete anos. Esse foi meu maior e melhor aprendizado. Ao me ensinar a ler – agora n�o apenas literatura, mas tamb�m filosofia, hist�ria, pol�tica, geografia, sociologia e tantos outros temas que nem me passava pela cabe�a entender –, Jo�o foi meu tutor. Me guiou pela m�o. Mudou a minha vida”, afirma.