Bailarinos do Grupo Corpo olham para cima enquanto dançam, durante a coreografia Gira

Umbanda e candombl� inspiram "Gira", a coreografia afro-brasileira de Rodrigo Pederneiras

Jos� Luiz Pederneiras/divulga��o

"Falta muito para o melhor entendimento do que � a umbanda, o candombl�, Exu ou qualquer outro orix�. H� grande agressividade por parte de algumas igrejas evang�licas contra essas religi�es, sobretudo nas periferias. Elas sofrem imenso preconceito"

Paulo Pederneiras, diretor do Grupo Corpo


A �frica dar� o tom no Inhotim neste fim de semana. O Grupo Corpo, com o espet�culo “Gira” – que parte de pesquisas em torno da umbanda e do candombl� e � dedicado a Exu –, e o cantor e compositor baiano Mateus Aleluia, cultuado divulgador da ancestralidade pan-africana, s�o atra��es da festa Anoitecer Inhotim, neste s�bado (10/9), e voltam a se apresentar no domingo (11/9).

Ingressos para a festa de logo mais, organizada com o intuito de arrecadar fundos para a manuten��o do instituto, est�o esgotados. No domingo, basta o ingresso para visita��o normal, a R$ 50, para ter acesso �s apresenta��es ao ar livre.

Conex�o com Abdias do Nascimento

A escolha do Grupo Corpo, com “Gira”, e de Mateus Aleluia se conecta com o atual programa curatorial da institui��o, norteado pelo Museu de Arte Negra idealizado por Abdias Nascimento.

“Gira” tem trilha sonora criada pelo grupo Met� Met�, com participa��o dos m�sicos S�rgio Machado e Marcelo Cabral, da cantora Elza Soares e do poeta e artista pl�stico Nuno Ramos.

Concebido como instala��o, o espet�culo, com coreografia assinada por Rodrigo Pederneiras, reconstr�i o gloss�rio de gestos e movimentos observados durante as experi�ncias nos ritos de celebra��o do candombl� e da umbanda – em especial as giras de Exu –, fundindo-o com aos movimentos caracter�sticos do Grupo Corpo.

Paulo Pederneiras, diretor da companhia de dan�a, diz que � a primeira vez que o Corpo se apresenta no Inhotim e tamb�m a primeira vez que “Gira” ser� executado ao ar livre.

Cen�grafo e iluminador do Grupo Corpo, ele observa que o espet�culo foi adaptado �s caracter�sticas do museu a c�u aberto. Paulo criou o que chama de “n�o cen�rio” – caixa preta com tr�s paredes capaz de criar a ilus�o de infinito.

“N�o considero o que ‘Gira’ tem como propriamente cen�rio, na concep��o que as pessoas t�m de cenografia; � mais uma ambienta��o. � como se fosse uma arena retangular, iluminada, onde acontece a gira de Exu”, aponta.

Em volta dessa arena, bailarinos que n�o est�o dan�ando ficam sentados, ou seja, permanecem em cena como entidades que podem ser requisitadas a participar da gira.

“Eles usam v�u negro e sobre cada um h� uma l�mpada, menos para iluminar e mais para indicar que existe ali a entidade convidada a entrar em cena. Eles ficam como que escondidos, mas � poss�vel v�-los no contraste entre luz e breu”, aponta.

Paulo deixa claro que o espet�culo n�o � a repeti��o da gira de Exu. “Isso quem faz s�o as pessoas da umbanda e do candombl�”, pontua. “A gente busca a inspira��o nesse universo, mas � outra coisa, uma coreografia para dan�a. De qualquer forma, as giras s�o normalmente feitas ao ar livre, ent�o � uma experi�ncia de aproxima��o dessa matriz, dessa ess�ncia.”

Músico Mateus Aleluia toca violão

Integrante do pioneiro Os Tinco�s, Mateus Aleluia conecta as ancestralidades baiana e mineira

Paola Alfamor/divulga��o

"O importante � voltar no tempo e perceber quem �ramos quando est�vamos em conson�ncia com nosso antepassado africano. Assim, podemos dar novo significado a tudo isso que somos"

Mateus Aleluia, m�sico


Combate � intoler�ncia

Pederneiras afirma que � muito importante para o Corpo participar da iniciativa em di�logo com o Museu de Arte Negra, dividindo a cena com Mateus Aleluia. “A cultura brasileira �, antes de tudo, negra”, diz. No entanto, observa, as religi�es de matriz africana nas quais “Gira” se inspira s�o alvo de muito preconceito, da� a import�ncia de serem colocadas sob os holofotes.

“Falta muito para o melhor entendimento do que � a umbanda, o candombl�, Exu ou qualquer outro orix�. H� grande agressividade por parte de algumas igrejas evang�licas contra essas religi�es, sobretudo nas periferias. Elas sofrem imenso preconceito. Fico feliz que o Corpo tenha atinado para isso e feito este espet�culo. Al�m de religi�o que tem coisas bel�ssimas, ela � fundamental na nossa cultura”, destaca.

Passados 70 anos desde que Abdias do Nascimento come�ou a idealizar o Museu de Arte Negra, a cultura de matriz africana encontra hoje ambiente mais favor�vel para se expressar no Brasil.

“Houve evolu��o, sim. A partir daquela iniciativa de Abdias do Nascimento, a gente viu espa�os se abrindo, com artistas e obras alcan�ando maior reconhecimento, pelo menos por parte de quem gosta de arte, quem se importa com isso”, diz.
Paulo cita figuras referenciais, como o pr�prio Mateus Aleluia e o artista pl�stico Emanoel Ara�jo, que morreu na �ltima quarta-feira (7/9), aos 81 anos, v�tima de infarto.

“Foi uma perda muito grande para as artes, de modo geral, e para as artes de matriz africana, em especial, porque ele foi a pessoa que colocou essa express�o no lugar merecido. Emanoel fundou o Museu Afro-Brasil e teve a��o transformadora � frente da Pinacoteca do Estado de S�o Paulo. Emanoel foi artista e intelectual de enorme estatura”, ressalta.

O legado de Os Tinco�s

Com pesquisa focada na ancestralidade musical pan-africana, Mateus Aleluia leva ao Inhotim can��es de sua carreira solo e m�sicas emblem�ticas de sua �poca no trio vocal Os Tinco�s. O grupo � considerado pioneiro em agregar � m�sica popular brasileira, nos anos 1970, o universo po�tico-musical de religi�es afro-brasileiras.

Baiano de Cachoeira, Mateus diz que se apresentar em Minas Gerais � especial. “Cada vez que nos vemos envolvidos em uma interven��o dessa natureza, � como se estiv�ssemos nascendo, saindo do �tero e sendo apresentados para a vida. Minas Gerais � muito simb�lica nesse sentido, porque � um grande nascedouro da civiliza��o brasileira”, destaca.

Mateus sublinha a contribui��o mineira na consolida��o do afro-barroquismo que foi mote para o trabalho dos Tinco�s, cujo legado diz levar adiante.

“O trabalho dos Tinco�s ganhou visibilidade entre aqueles que s�o sensibilizados com a verdadeira ancestralidade do Brasil, que � o entrela�amento de culturas. Sempre procuramos, de forma espont�nea, deixar isso bem patente”, diz.

O afro-barroquismo reverberou fortemente na cidade natal de Mateus. “O alicerce dos Tinco�s foi esse: Cachoeira dormindo, na �poca de minha inf�ncia, sob o som dos atabaques e dos cantos do candombl� e acordando, pela manh�, com o sino da Igreja Cat�lica tocando na c�lula de ijex�, e depois o �rg�o da Igreja Cat�lica inundando o Vale do Rio Paragua�u”, aponta o m�sico.
 
Mateus carrega consigo essa ancestralidade. Afirma que refere a si mesmo sempre na primeira pessoa do plural por se enxergar m�ltiplo e por estar sempre bem acompanhado.

“Falo ‘n�s’ porque somos muitos. N�o tenho personalidade estanque. A cada dia me surpreendo com um Mateus que aparece”, diz. “Somos sempre fruto da comunidade em que vivemos, das pessoas que nos cercam. �ramos Os Tinco�s, agora, na minha fase solo, estou aqui, mas com gente em volta, fazendo esse trabalho de pesquisa em conjunto”, acrescenta.

Seu trabalho de pesquisa, aponta, �, na verdade, a busca espont�nea e natural pelas ra�zes. “N�s somos oriundos desse mundo de que estamos � procura, ent�o � como se estiv�ssemos fazendo um mergulho interior. � um recuo de exist�ncia, � voc� voltar no seu tempo e no seu espa�o e ver quem voc� foi h� 200 anos. � uma quest�o de pensarmos, de forma livre, sobre como fomos criados e por onde andamos”, diz.

De acordo com ele, esse � um caminho comum tanto na psican�lise quanto no espiritismo. Mateus conta que comp�e e toca como quem revisita a inf�ncia e toda a sua ascend�ncia. “O importante � voltar no tempo e perceber quem �ramos quando est�vamos em conson�ncia com nosso antepassado africano. Assim, podemos dar novo significado a tudo isso que somos – n�o o que fomos ou o que seremos, porque � um estar de forma bem concreta, bem emotiva”, ressalta.

MATEUS ALELUIA E GRUPO CORPO

Instituto Inhotim, em Brumadinho. Neste domingo (11/9), �s 16h, show de Mateus Aleluia; �s 18h, “Gira”, com Grupo Corpo. A inteira para ingressar no museu custa R$ 50. Meia-entrada na forma da lei. Entrada franca para crian�as de at� 5 anos.