
Quase t�o dif�cil quanto as batalhas que as guerreiras de "A mulher rei" encaram foi tirar o novo filme de Viola Davis do papel. O longa que estreia nesta quinta-feira (22/9) no Brasil n�o tem, afinal, o perfil de blockbuster que a Hollywood tradicional procura. Para come�ar, � estrelado quase que inteiramente por mulheres, e, refor�ando a resist�ncia que o roteiro encontraria, elas s�o todas negras.
� um filme assustador para a ind�stria, vem dizendo a atriz e produtora em entrevistas, ao lado da diretora Gina Prince-Bythewood. Foram seis anos buscando quem bancasse o projeto e, n�o fosse o sucesso de bilheteria de "Mulher-Maravilha" e "Pantera Negra", talvez ele nunca tivesse sido produzido, acredita a dupla.
"Quando a oportunidade de fazer esse filme chegou, eu pensei: ser� que Hollywood um dia vai estar pronta? Bom, tivemos que esperar esses filmes mudarem o jogo. Depois, foi preciso a fama da Viola e a minha experi�ncia em um outro filme de a��o, a� as pe�as enfim se encaixaram", diz Bythewood, que dirigiu de "The old guard", t�o bem-sucedido que vai virar franquia.
"A mulher rei" �, afinal, um blockbuster de US$ 50 milh�es - o equivalente a mais de R$ 260 milh�es -, com efeitos especiais, sequ�ncias de a��o, cen�rios e figurinos t�o rebuscados e grandiosos quanto os dos filmes de super-her�is. J� seria dif�cil assegurar o or�amento em condi��es normais, mas s� a premissa da trama foi suficiente para barrar o filme em muitos est�dios.
L�der
O longa volta � �frica do in�cio do s�culo 19, para onde � hoje o Benin, e narra a hist�ria real das ahosi, guerreiras que protegiam o antigo Reino de Daom� - mais um ponto de encontro com "Pantera Negra", j� que as dora milaje de Wakanda foram inspiradas nelas.
Viola Davis interpreta a l�der delas num momento crucial para o reino, j� que o rei, papel de John Boyega, vem sendo pressionado para acabar com sua participa��o no tr�fico de escravos para as Am�ricas. Foi assim, na hist�ria real e nas telas, que Daom� conseguiu boa parte de suas riquezas, vendendo negros capturados de outras tribos para os europeus.
A ideia para o filme surgiu na viagem de uma das produtoras ao Benin. Desenvolver a hist�ria, no entanto, foi um desafio, porque eram poucos os documentos, filmes, livros e artigos sobre o assunto.
Bythewood pensava que, se "Pantera Negra" podia atrair p�blico aproveitando partes dessa hist�ria real, um filme exclusivamente sobre Daom� tamb�m conseguiria. Mais: se "Cora��o valente" e "Gladiador", duas inspira��es, provaram que civiliza��es do passado rendem grandes espet�culos modernos, por que os povos africanos nunca tinham se visto na tela nessa escala?
Milagre
"Essa hist�ria foi ignorada, silenciada, assim como muitas outras que fogem do padr�o hollywoodiano. O fato de agora termos 'A mulher rei' e 'Pantera Negra' coexistindo � um verdadeiro milagre."
Com uma bilheteria de US$ 1,3 bilh�o, ou R$ 7 bilh�es, “Pantera Negra”(Marvel) foi pe�a-chave para provar que h� p�blico faminto por representatividade. Desde 2018, s�o v�rios os est�dios que t�m bancado projetos que seguem essa linha.
De forma semelhante, aumentou o esfor�o para diversificar quem cria os projetos que Hollywood vai filmar. No caso de "A mulher rei", n�o h� apenas uma mulher negra dirigindo um dos maiores or�amentos do ano, mas outras mulheres e negros em posi��es de comando nos bastidores, onde raramente s�o vistos.
Polly Morgan faz a fotografia, Terence Blanchard cuida da trilha sonora, Terilyn A. Shropshire fica com a montagem, Akin McKenzie capitaneia a dire��o de arte, Gersha Phillips cria os figurinos e por a� vai. Era algo importante para que Viola Davis topasse tamb�m produzir o filme.
Certo
Em entrevista por v�deo, ela conta que tem ouvido muitos falarem sobre a "import�ncia cultural" de "A mulher rei", mas refuta o discurso. "Para n�s [negros], � s� o certo. Esse � o nosso normal. Isso � o que sempre soubemos fazer. Essas pessoas passaram a vida treinando para isso. Voc�s se veem diante de um momento hist�rico, mas simplesmente porque est�o finalmente percebendo o nosso potencial."
Al�m de Viola Davis e John Boyega, o elenco tamb�m � encabe�ado por Lashana Lynch, de "007: Sem tempo para morrer" e "Capit� Marvel", al�m de Sheila Atim e Thuso Mbedu, da s�rie "The underground railroad". No filme, Mbedu faz uma jovem �rf� que inicia os treinamentos para virar uma ahosi. A rela��o ficcional dela com a chefe do grupo corre em paralelo ao cen�rio hist�rico ao redor.
Brasil
Para os brasileiros, vai ser poss�vel captar, aqui e ali, algumas palavras em portugu�s e v�rias men��es ao Brasil. Como alguns dos principais financiadores e benefici�rios do tr�fico de escravos da �frica, os portugueses est�o presentes em "A mulher rei", dando lances num mercado que hoje desperta horror.
H� um personagem portugu�s e outro brasileiro, interpretados por Hero Fiennes Tiffin e Jordan Bolger, que na verdade s�o brit�nicos. Talvez por isso a turn� de divulga��o do filme tenha inclu�do o Rio de Janeiro, que Viola Davis visitou nesta semana.
Davis desembarcou em solo carioca para uma festa de lan�amento de "A mulher rei" e, antes mesmo da viagem, disse que o Brasil � uma parte importante da hist�ria dos negros e do racismo e que, portanto, n�o poderia ser ignorado pela trama.
Apesar da visita, sua primeira ao pa�s, com ares de turismo, ela faz parte de um esfor�o muito s�rio para levar o p�blico aos cinemas. "Esse filme precisa fazer dinheiro, e isso me deixa em conflito. Se n�o fizer, o que isso vai significar? Que mulheres negras n�o podem liderar as bilheterias mundiais. � isso. Ponto", diz ela.
"N�o � assim que funciona para filmes brancos. Se um deles falha, fazem outro igual. Por isso, tudo se resume �s pessoas que v�o ao cinema, n�o a mim ou ao meu trabalho. Eu n�o quero que elas v�o por causa do 'impacto cultural' que ele tem por ser negro, mas porque ele entret�m como qualquer outro. Se brancos e negros s�o mesmo iguais, ent�o eu desafio o p�blico a me provar - n�o pela minha carreira, mas pelo mundo e o cinema que n�s queremos daqui para a frente."
“A MULHER REI”
(EUA, Canad�, 2022). Dire��o: Gina Prince-Bythewood. Com Viola Davis, Lashana Lynch e John Boyega. Estreia nesta quinta-feira (22/9), em salas das redes Cineart, Cinemark, Cin�polis e Cinesercla.