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Estado de Minas TELEVIS�O

Como 'Pantanal' mostra virilidade marcada pelo �dio ao mundo feminino

Conflito retratado na �ltima semana da novela evidencia como a constru��o da masculinidade se d� por um processo de mimetismo de viol�ncias


05/10/2022 10:23 - atualizado 05/10/2022 13:14

A atriz Alanis Guilen, caracterizada como Juma Marruá, agachada à beira de um rio
Alanis Guillen � a int�rprete de Juma Marru� no remake da novela, que termina nesta semana (foto: Globo/Divulga��o)

Na �ltima semana, a grande audi�ncia da novela "Pantanal", da Globo, assistiu estarrecida �s cenas de viol�ncia de Ten�rio contra Maria Bruaca e Alcides. Se sentindo tra�do com a declara��o de amor de sua mulher por outro homem, o personagem interpretado por Murilo Ben�cio deu um show de masculinidade t�xica em rede nacional.

Na vers�o original da telenovela, exibida em 1990 pela TV Manchete, a vingan�a de Ten�rio foi a de capar o pe�o, algo que tamb�m chocou o p�blico � �poca. A figura do homem tra�do e incapaz de reconquistar o amor da mulher, j� apaixonada por outro homem, compensa sua masculinidade ferida pela castra��o do outro que o amea�a.

Nada menos figurado e mais �bvio do que essa tentativa de restituir a pr�pria virilidade privando outro homem de sua arma mais importante, o falo. A mulher se torna apenas um objeto acess�rio no reino do patriarcado.

A nova vers�o com roteiro de Bruno Luperi, no entanto, conferiu novos contornos para essa velha hist�ria do duelo entre homens pelo amor de uma mulher. Apesar de amea�ar a castra��o ao dizer que faria "o que se faz com o touro que come a vaca do outro", o marido tra�do decidiu impor outro tipo de ataque � masculinidade do seu oponente.

Ainda que n�o tenha sido expl�cita, a cena que foi ao ar sugere que Alcides teria sido estuprado por Ten�rio dentro de um casebre, com Maria Bruaca posta do lado de fora, impotente, apenas ouvindo os gritos e testemunhando o abuso com sua pr�pria imagina��o.

O ritual da masculinidade aparece, ent�o, na sua forma mais expressiva quando um homem, feito de "corno manso e frouxo" como diz o pr�prio Alcides, subjuga o outro em um ato de viol�ncia sexual. Para um homem, nada mais penoso do que ser posto na posi��o da passividade, nada mais ultrajante do que ser "feito de mulher".

Estupro � a viol�ncia que, para al�m de sua dimens�o f�sica, simbolicamente subjuga, refor�a uma desigualdade associada aos g�neros, imprime uma marca indel�vel na subjetividade.

A puni��o imposta por Ten�rio a Alcides, assim, aparece como pior do que a pr�pria pena de morte. "A minha vingan�a vai ser deixar voc� vivo para voc� aprender o que acontece com quem se atreve �s minhas coisas", diz o pe�o tra�do. A penalidade ser� viver o trauma e conviver com a vergonha implac�vel de ter se tornado um equivalente feminino no universo do masculino.

Em outras palavras, na base da homofobia que estrutura esse regime de virilidade est�, precisamente, a avers�o ao feminino. Importa menos que sejam dois homens que possam ser lidos como homossexuais e mais que um desempenhe o papel de macho, e o outro, o de f�mea.

Quem penetra, mesmo que outro homem, sai mais fortalecido e masculinizado; quem � penetrado, por outro lado, sai feminilizado e, portanto, degradado. Aqui, o que vale n�o � o objeto do desejo, mas a performance materializada nos pap�is desempenhados por cada um no ato sexual.

Diversos estudos de g�nero apontam como as rela��es entre homens s�o estruturadas na imagem hierarquizada das rela��es entre homens e mulheres. Esse conflito retratado na novela "Pantanal" nos evidencia como a constru��o da masculinidade se d� por um processo de mimetismo de viol�ncias - um homem aprende pela dor e pelo sofrimento para, em seguida, impor as mesmas pr�ticas a outros homens, perpetuando um modelo de masculinidade cuja for�a adv�m sobretudo do embrutecimento.

Cornos, castra��o e abusos sexuais s�o formas contingentes e muito utilizadas, literal e metaforicamente, nos c�digos culturais de virilidade que s�o partilhados e cultivados entre os homens nos mais distintos contextos. N�o s� no sert�o, no Pantanal ou entre pe�es, mas igualmente nos grandes centros urbanos em que os rituais de aprendizado e aquisi��o da masculinidade passam pelo mesmo circuito de viol�ncias herdadas e repassadas.

Em tempos em que a masculinidade hegem�nica e "imbroch�vel" se torna dispositivo central de pol�ticas catastr�ficas impostas por governantes em diversas partes do mundo, se torna urgente refletir e debater sobre outras masculinidades poss�veis para p�r fim ao ciclo de viol�ncias que se estende das telas � vida real.


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