
Um espet�culo autobiogr�fico, que abarca a ideia do teatro-document�rio e que mistura diversas linguagens � o que o p�blico poder� conferir a partir da pr�xima sexta-feira (28/10), quando estreia no CCBB-BH “Senta que o le�o � manso”.
Em cena, a atriz Kelly Crifer e o dan�arino Get�lio Ramalho revivem uma experi�ncia traum�tica ocorrida em 2001 e que, de certa forma, determinou os rumos que suas trajet�rias art�sticas seguiram a partir de ent�o.
Os dois estavam iniciando suas carreiras no Circo de Todo Mundo, um programa voltado para jovens em situa��o de vulnerabilidade social, com dire��o art�stica de Eid Ribeiro. Kelly estava, ao mesmo tempo, come�ando sua gradua��o em teatro pela UFMG. Ela conta que eram ministradas, pelo programa, oficinas em todas as especialidades do circo.
“Ant�nio Rigoberto, que dava aulas l� e depois foi para o Rio de Janeiro, come�ou a ensaiar com a gente um n�mero de acrobacia e equil�brio no rolo”, recorda a atriz. Os n�meros circenses eram apresentados para, caso aprovados, serem incorporados ao espet�culo que estava sendo montado, e que foi batizado como “Senta que o le�o � manso”.
Kelly e Get�lio foram integrados ao espet�culo, que estreou em uma lona montada no Shopping Del Rey, participou do extinto Circuito Telemig Celular e rodou o Brasil. Certa vez, a dupla foi convidada informalmente para apresentar o n�mero de equil�brio no rolo, que ganhou o t�tulo de “Nas garras da Mulher Aranha”, em uma festa na moradia estudantil da UFMG.
“Eu n�o tinha comido direito, tinha dado aula naquele dia, estava fazendo mil coisas. J� era madrugada quando fomos nos apresentar, e eu tive uma estafa corporal e mental. Desmaiei quando estava sendo sustentada pelo Get�lio, ca�, sofri traumatismo craniano e fraturei a clav�cula. Fiquei tr�s dias em coma”, relembra Kelly.
Longe do picadeiro
A atriz conta que, durante o longo per�odo de recupera��o, se afastou do circo, seguiu fazendo a faculdade de teatro, e Get�lio, por sua vez, abra�ou a dan�a como sua forma de express�o art�stica. A atriz diz que, posteriormente, quando se encontravam no Circo de Todo Mundo, aventavam retomar o espet�culo, mas o projeto nunca era levado a cabo. “O trauma foi grande”, pontua.
Na opini�o da atriz, talvez de uma forma inconsciente, eles fugiam da possibilidade de voltar a trabalhar juntos. “Cinco anos depois do acidente, propus a Get�lio retomarmos, e ele me falou que j� estava fazendo o n�mero com outra pessoa. Depois, ele montou um espet�culo com uma dan�arina, tendo aquele n�mero como base, e me chamou para fazer a dire��o c�nica. Eu disse ‘�timo’, mas fugi, acabei n�o fazendo. � aquele neg�cio da ferida que voc� n�o quer abrir de novo.”
Em 2018, os dois se encontraram informalmente e, conversando sobre suas respectivas trajet�rias – ela como atriz, que, al�m do teatro, come�ava a enveredar pelo cinema, ele como dan�arino que rodava o mundo dando aulas –, tiveram a ideia de montar um espet�culo em parceria, que pudesse juntar as linguagens de um e de outro.
“A gente ficava tentando elaborar um espet�culo, pensar um mote, mas, nas nossas conversas s� vinha � tona o acidente, o trauma. Entendemos que n�o tinha como montar alguma outra coisa que fugisse disso”, conta. Em 2019, durante o programa Janela da Dramaturgia, do Galp�o Cine Horto, Kelly escreveu o texto que deu origem ao espet�culo.
“A gente ficava tentando elaborar um espet�culo, pensar um mote, mas, nas nossas conversas s� vinha � tona o acidente, o trauma. Entendemos que n�o tinha como montar alguma outra coisa que fugisse disso”, conta. Em 2019, durante o programa Janela da Dramaturgia, do Galp�o Cine Horto, Kelly escreveu o texto que deu origem ao espet�culo.
Ela observa que o “Senta que o le�o � manso”, que estreia na pr�xima sexta-feira, n�o � uma atualiza��o do que foi feito em 2001, mas sim um olhar sobre os efeitos de um trauma no corpo e na vida de uma pessoa. “� um corpo em dan�a, em performance, experimentando lidar de novo com uma situa��o. Fomos encontrando padr�es repetitivos, o que tem a ver com as resist�ncias que resultam dos traumas que esse corpo sofre”, destaca.
Com Eid Ribeiro e Ant�nio Rigoberto
Eid Ribeiro foi convocado para fazer a orienta��o de encena��o e Ant�nio Rigoberto veio do Rio de Janeiro para cuidar da orienta��o circense, segundo a atriz, que, al�m da dramaturgia e da atua��o, responde tamb�m pela dire��o, juntamente com Get�lio.
“S� eu conseguiria montar o que estava na minha cabe�a. As imagens v�m fragmentadas, meio que como um sonho, e eu queria que as pessoas vissem um pouco como eu vejo as coisas”, aponta.
“S� eu conseguiria montar o que estava na minha cabe�a. As imagens v�m fragmentadas, meio que como um sonho, e eu queria que as pessoas vissem um pouco como eu vejo as coisas”, aponta.
Ela diz que Eid ajudou a costurar esses fragmentos cenicamente, fazendo questionamentos e provoca��es, de forma que a dupla pudesse encontrar o tom do espet�culo.
“Eu e Get�lio cuidamos da dire��o, porque s� n�s sentimos o que era necess�rio passar. Mas, sem um olhar de fora, isso podia ficar solto e se perder. Eid se envolveu afetivamente, por ter sido parte da hist�ria, e conduziu nossas ideias”, salienta.
“Eu e Get�lio cuidamos da dire��o, porque s� n�s sentimos o que era necess�rio passar. Mas, sem um olhar de fora, isso podia ficar solto e se perder. Eid se envolveu afetivamente, por ter sido parte da hist�ria, e conduziu nossas ideias”, salienta.
Ela sublinha que, mais do que simplesmente recordar o ocorrido, a ideia com “Senta que o le�o � manso” � ver como a quest�o do trauma ecoa nas outras pessoas.
“Foi um epis�dio muito forte para mim, mas nosso interesse era ver como isso chega no espectador, como isso toca o outro, porque, em maior ou menor grau, todo mundo tem uma experi�ncia traum�tica na vida”, diz.
“Foi um epis�dio muito forte para mim, mas nosso interesse era ver como isso chega no espectador, como isso toca o outro, porque, em maior ou menor grau, todo mundo tem uma experi�ncia traum�tica na vida”, diz.
"Corpo atualizado"
Al�m do teatro, da dan�a e do circo, o espet�culo se vale amplamente da linguagem audiovisual, mas, conforme aponta a atriz, tudo parte do corpo. Kelly observa que, depois do acidente, abandonou o circo, e Get�lio canalizou seus esfor�os para a dan�a.
“Agora, quando resolvemos montar esse espet�culo, entendemos que precis�vamos partir do corpo. Juntamos elementos da dan�a e do teatro e, com o tempo e com a ajuda de Ant�nio Rigoberto, retomamos tamb�m os elementos do circo. Quer�amos revisitar aquela experi�ncia com o corpo atualizado, de forma mais preparada”, ressalta.
Ela diz que a ado��o dos recursos audiovisuais veio na esteira, por um desejo que j� nutria de trabalhar a tela como extens�o da cena. Kelly destaca que as proje��es tanto t�m car�ter documental quanto cumprem a fun��o de dar forma �s mem�rias, estendendo e desdobrando a narrativa.
A atriz e o bailarino trabalham com a presen�a da c�mera desde o in�cio do espet�culo e, enquanto o presente � posto em cena, o passado e a rede de mem�rias s�o exibidos numa tela que pode ser lida como uma terceira personagem.
Kelly explica que essa tela se faz presente como uma extens�o dos corpos e tamb�m serve para conectar a dupla ao p�blico, j� que, antes e durante o espet�culo, a plateia � filmada e tem suas imagens projetadas, passando a integrar a cena de forma ativa.
“Foi uma forma que encontramos de mostrar essa mem�ria fragmentada, um pouco como se fosse o quebra-cabe�a dessa hist�ria que aconteceu h� 20 anos. Minhas lembran�as t�m algo de on�rico. A trilha sonora cont�m �udios com vozes, com ecos; isso se mistura com as imagens e quase personifica essas mem�rias. A gente prop�e uma experi�ncia sinest�sica, para que as pessoas na plateia possam montar esse quebra-cabe�a”, aponta.
Audiovisual
O emprego do audiovisual � o que explica, segundo Kelly, a presen�a de Rimenna Proc�pio na equipe, cuidando de cen�rios, figurinos e dire��o de arte. “N�s nos formamos juntas. Ela fez a dire��o de arte do filme ‘No cora��o do mundo’ (de Gabriel e Maur�lio Martins, da Filmes de Pl�stico), em que atuei, e tamb�m de ‘Marte um’ (de Gabriel Martins). Precis�vamos de algu�m do audiovisual para pensar esse lugar. Ela traz com muita sensibilidade isso de como colocar a tela em cena”, diz.
A atriz observa que, a despeito de ter o corpo como ponto de partida e trabalhar com diversas linguagens art�sticas, “Senta que o le�o � manso” tem, efetivamente, uma dramaturgia, com textos que contam uma hist�ria. Esses textos comp�em a narrativa juntamente com depoimentos em �udio de pessoas que acompanharam a hist�ria a partir do acidente em 2001.
“Eu venho com textos que s�o o lugar da experi�ncia de uma mulher desmemoriada. J� a parte que cabe ao Get�lio traz a narrativa de forma linear. Ele faz um pouco o papel de ajudar as pessoas a montar o quebra-cabe�a”, diz. Ela ressalta que a dupla n�o representa nenhum personagem – s�o eles mesmos reconstruindo com o p�blico uma hist�ria, sob perspectivas distintas.
Kelly destaca que ela foi quem sofreu o acidente, mas o trauma tamb�m acompanhou seu parceiro de cena, por isso era importante que se colocassem em um lugar de quem vai dar um depoimento. “Enfim, vou poder contar essa hist�ria, e o Get�lio tamb�m, porque todo mundo olhou para a menina que caiu e se machucou seriamente; ningu�m olhou para ele, que carregou uma culpa por muitos anos. Esse espet�culo � a oportunidade de ele tamb�m falar disso”, aponta.
Ela explica que, quando come�ou a escrever “Senta que o le�o � manso”, estava trabalhando com uma narrativa em terceira pessoa: a atriz e o dan�arino. “Depois, fazendo, nos ensaios, a gente entendeu que se tratava de uma rela��o muito horizontal com o p�blico, do tipo ‘olha, sou eu te contando a minha hist�ria’. A gente poetisa, traz met�foras, mas, essencialmente, sou eu e o Get�lio contando nossa hist�ria.”
“SENTA QUE O LE�O � MANSO”
• Espet�culo com Kelly Crifer e Get�lio Ramalho. Estreia na pr�xima sexta-feira (28/10), no Centro Cultural Banco do Brasil (Pra�a da Liberdade, 450, Funcion�rios). Fone: (31)3431-9400. De segunda a sexta-feira, �s 19h. Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia), � venda na bilheteria do teatro e pelo site bb.com.br/cultura. Classifica��o indicativa: 14 anos. At� 21/11.