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Estado de Minas ANIVERS�RIO DE 80 ANOS

Disco 'Clube da Esquina' mudou arte de Milton Nascimento e abriu horizontes

"Ningu�m dava bola para aquela esquina", diz Milton. Jamais podia imaginar que o lugar que eu ficava sentado com meus amigos (...) ia virar disco"


26/10/2022 10:00 - atualizado 26/10/2022 12:33

Capa do célebre disco Clube da Esquina
Capa do c�lebre disco Clube da Esquina (foto: Reprodu��o)
Quando Milton Nascimento e L� Borges compuseram a faixa que deu nome ao "Clube da Esquina", um dos discos mais importantes da m�sica brasileira, n�o havia esquina e, menos ainda, clube. "Os encontros eram mais em bares e festas nas casas de amigos. A esquina mesmo n�o era frequentada pelos artistas", diz L�.

Ele se refere ao cruzamento das ruas Divin�polis e Parais�polis, no bairro Santa Tereza, em Belo Horizonte, incrustada no imagin�rio popular como espa�o de cria��o daquelas m�sicas. Na verdade, era onde L�, que morava na regi�o, passava a adolesc�ncia jogando futebol de dia e tocando viol�o e bebendo com os amigos � noite.

Imortalizada no �lbum lan�ado h� 50 anos, a esquina dos mineiros era mais id�lica do que geogr�fica, uma met�fora para os encontros que aconteceram tanto em Santa Tereza quanto nos bares do Centro ou na casa dos irm�os Borges, tanto na praia de Mar Azul quanto no est�dio da gravadora Odeon, no Rio de Janeiro. Da mesma forma, ningu�m tinha carteirinha para integrar o tal clube, que era mais uma jun��o dos amigos talentosos de Bituca do que uma reuni�o organizada de artistas.

A letra de "Clube da Esquina", lan�ada por Milton Nascimento dois anos antes do disco antol�gico, foi escrita por M�rcio Borges, poeta e irm�o mais velho de L�, em homenagem � tal esquina. M�rcio era parceiro de Milton desde que despertou nele a vontade de compor, anos antes, numa noite memor�vel em que eles assistiram repetidas vezes ao filme "Jules e Jim".

Mas no fim dos anos 1960 era o Borges mais novo quem iniciava sua hist�ria com Milton. L� se lembra de v�-lo pela primeira vez, na escadaria do Edif�cio Levy, onde morava. "Eu tinha dez anos. Ele, 20. Foi um encontro m�gico, de duas almas", diz. "Me deparei com um cara tocando viol�o e fazendo aquele falsete que ele consagrou uma d�cada depois."

Do falsete embrion�rio no Levy at� as parcerias em "Clube da Esquina" e "Para Lennon e McCartney", Milton j� morava no Rio e era conhecido pela m�sica "Travessia", entre outras. J� L� estudava para o vestibular, tinha uma banda cover de Beatles com Beto Guedes e usava psicod�licos.

Segundo ele, essas influ�ncias do que chamou de "juventude Woodstock", de "paz e amor, muita m�sica e maconha", se refletem nas m�sicas de "Clube da Esquina", assim como uma certa introspec��o. "Quando eu tomava LSD, fazia uma viagem para dentro", ele diz. "A rua era hostil."

Era um momento opressivo da ditadura militar. "Era uma coisa comportamental, prendiam as pessoas porque tinham cabelo grande e supostamente fumavam maconha", diz. Numa das situa��es, que eram recorrentes, L� dormiu no Dops, o Departamento de Ordem Pol�tica e Social, e viu amigos serem torturados. "Assisti �s pessoas tomando choque, tapa na cara, porrada."

Ap�s as primeiras colabora��es, Milton decidiu que queria fazer um �lbum duplo -no Brasil, s� "Fa-tal", de Gal Costa, tinha sa�do no formato- com L�, ent�o com 18 anos, e convenceu sua m�e a deix�-lo ir ao Rio. "Eu n�o era conhecido nem em BH, a� ele falou que ia lan�ar um disco duplo com um adolescente. A gravadora disse 'o cara pirou'."

Eles ficaram pingando de apartamento em apartamento, sempre "denunciados" por vizinhos pela apar�ncia hippie e a cantoria constante. S� conseguiram alguma paz quando foram passar uma temporada numa praia chamada Mar Azul, no bairro de Piratininga, em Niter�i, antes de entrar no est�dio.

Al�m da dupla que assina o �lbum, viveram na casa Beto Guedes, levado por L� como um companheiro de gera��o e de rock, e �lcio Romero, o Jacar�, primo de Bituca. Eram dias de banho de mar, futebol na areia, bebedeira, pesca de tainha e muito trabalho em composi��o, onde as m�sicas surgiram ou foram lapidadas.

Entre os bares de Belo Horizonte, outros "s�cios do clube" desenvolviam suas letras, entre eles Fernando Brant e M�rcio Borges, al�m das ideias musicais de Toninho Horta. Outro letrista, Ronaldo Bastos, al�m do m�sico Wagner Tiso -ent�o no Som Imagin�rio, a banda que tocava Bituca-, ambos j� morando no Rio, completavam o time. Todos eles visitaram a casa em Mar Azul.

"Eu ia toda semana com um ou outro do Som Imagin�rio", diz Tiso. "�amos ver as novidades, o que eles estavam compondo. A gente ficava batendo bola na praia. Num lugar bonito daqueles, ficar dentro de casa era s� para quem ia compor mesmo."

Pessoas pouco comunicativas, L� e Milton passavam o dia em seus quartos, cada um com seu viol�o, e �s vezes mostravam um ao outro o que estavam criando. Beto Guedes ficava zanzando por ali. "Foi quando chegou no est�dio que a coisa mudou toda", diz o m�sico, que tocou em 20 das 21 faixas de "Clube da Esquina".

Guedes e L� inseriram na arte de Milton a fase psicod�lica, mais madura, dos Beatles. Mas a est�tica �nica, de MPB com bossa nova, jazz fusion e rock progressivo, temperada pela letargia contemplativa mineira, a repress�o da ditadura e a poesia on�rica s� foi se materializar no est�dio da Odeon, na avenida Rio Branco.

"Clube da Esquina" foi registrado praticamente ao vivo, numa mesa de dois canais -um para as vozes, outro para os instrumentos. Era Tiso quem organizava as grava��es, tendo Milton como comandante, a voz final sobre o que entrava ou n�o no �lbum.

As composi��es eram assinadas entre um dos letristas do "clube" em parceria com Bituca ou L�. Por exemplo, "Cais", "Cravo e Canela", "Um Gosto de Sol" e "Nada Ser� Como Antes" eram de Milton com letra de Ronaldo Bastos, que escreveu as poesias de "O Trem Azul" e "Nuvem Cigana" para L�. M�rcio fez as letras de "Os Povos", esta com melodia de Bituca, e "Um Girassol da Cor do Seu Cabelo", "Tudo Que Voc� Podia Ser", "Estrelas" e "Trem de Doido" com o irm�o.

A dupla que assinou o �lbum levava as composi��es e o resto era concebido na hora de gravar. O ritmo era de uma ou duas m�sicas registradas por dia, tendo o Som Imagin�rio como banda base, Milton e L� nos viol�es e Tiso nos pianos e �rg�os.

Mas todo mundo participava, incluindo nomes como Nelson �ngelo e Tavito, entre outros. "Toninho Horta vinha com as harmonias dele, tocou baixo, guitarra e bateria em v�rias, assim como o Beto Guedes", diz Tiso. "Ala�de Costa foi convidada um dia para cantar aquela m�sica, 'Me Deixa em Paz'. Nan� Vasconcelos ia quase todo dia, ele e Robertinho [Silva, baterista] se revezaram na percuss�o, mas todo mundo tocou. No final, eu reunia as coisas e ia para a mixagem."

Guedes fez uma gambiarra para botar sons de sino em "San Vicente". "Achei um carrilh�o l�, um tubo de alum�nio, e falei 'cara, vou inventar uma igreja aqui nesse barato'. Comecei a tocar fora do tempo, que � dif�cil para caramba. A ideia era fazer um sino, como se tivesse tocando l� longe."

Apesar de n�o ter sido recebido imediatamente como um cl�ssico, "Clube da Esquina" rendeu um segundo volume, em 1978, e s� foi sendo mais reconhecido ao longo das d�cadas. Al�m de impulsionar as carreiras solo dos artistas envolvidos, para Milton, o �lbum significou uma abertura nos horizontes de sua arte, um passo fundamental para que ele tornasse um dos grandes nomes da m�sica brasileira, chegando aos 80 anos nesta quarta-feira (26).

Para L�, que virou uma esp�cie de artista cult, sem o sucesso comercial do parceiro, a hist�ria toda ainda � meio inacredit�vel. "Ningu�m dava bola para aquela esquina", diz. "Nem eu dava bola. Jamais podia imaginar que o lugar que eu ficava sentado com meus amigos e batizamos de 'Clube da Esquina' ia virar um disco, uma coisa que falamos por 40, 50 ou 60 anos."

 


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