
"Houve um momento de estranhamento, pois tivemos de entender como aquele povo (a equipe) entraria dentro de n�s duas e da nossa rela��o. Mas como eram poucas pessoas, Kevin e eu ficamos muito � vontade. Film�vamos pouco por dia"
Joana Oliveira, cineasta
Duas mulheres t�m um oceano que as divide. N�o s� literalmente, como tamb�m de realidades sociopol�ticas. Mas a dist�ncia f�sica e a passagem do tempo tampouco interferem na rela��o de amizade, que se mant�m a mesma h� mais de duas d�cadas.
O document�rio “Kevin”, que estreia nesta quinta (3/11), no UNA Cine Belas Artes e no Centro Cultural Unimed-BH Minas, � sobre a brasileira Joana e a ugandense Kevin e tamb�m sobre como o afeto pode unir trajet�rias t�o distintas.
Segundo longa documental de Joana Oliveira (diretora de “Morada”), o filme coloca a realizadora mineira na frente das c�meras ao lado da amiga Kevin Adweko. Hoje com 44 anos, as duas se conheceram em 1999, em Reutlingen, no Sul da Alemanha. Tinham pouco mais de 20, se encontraram em um curso de alem�o para estrangeiros.
Estudante de comunica��o, Joana passava temporada em um programa de interc�mbio au pair, em que trabalhava como bab�. Kevin era aluna de international business (algo como com�rcio exterior) na universidade local. Quando Joana retornou ao Brasil, as duas continuaram mantendo contato por cartas e e-mails.
Em 2005, j� estudante de cinema em Cuba, Joana retornou � Alemanha, agora a Potsdam, pr�xima a Berlim, para novo per�odo de interc�mbio. Voltou a se encontrar com Kevin. Nunca mais se viram at� 2017, quando a mineira foi a Uganda iniciar as filmagens do document�rio.
Esse reencontro vinha sendo ensaiado desde 2012, quando Joana se casou com Gustavo Fioravante, que assina o som direto e a edi��o de filme. Gr�vida da primeira filha, Kevin n�o p�de vir para o casamento.
“Na �poca, era imposs�vel, ela me disse que se tivesse dinheiro iria a Uganda ver os pais. Naquele momento, comecei a pensar em um projeto de filme para que ela viesse ao Brasil”, conta Joana.
Kevin n�o veio, dois outros filhos dela nasceram na sequ�ncia. Devido � morosidade para conseguir financiamento para o filme, Joana Oliveira mudou o projeto.
Em 2017, ela partiu para Uganda, para onde a amiga havia voltado, depois de duas d�cadas morando na Alemanha. A viagem foi com a equipe de cinco pessoas, incluindo a diretora. Havia um esbo�o de roteiro sobre os temas que as duas tratariam, mas isso poderia mudar, como mudou, quando finalmente elas se reencontraram.
De Minas � �frica
O longa parte de Belo Horizonte, com Joana vivendo per�odo conturbado – um aborto natural, o c�ncer do pai – at� o encontro em Uganda. As duas est�o em cena o tempo inteiro, conversando sobre fam�lia, trabalho, carreira, aspira��es, desejos, racismo, em papos francos e naturais.
Nas conversas, a c�mera est� sempre fixa. Ela se move quando as coloca em a��o. Seja na feira, acompanhando Kevin numa corrida, ou no carro levando os filhos para a escola.
S� quando chegou ao pa�s africano a diretora compreendeu como faria o document�rio. “Houve um momento de estranhamento, pois tivemos de entender como aquele povo (a equipe) entraria dentro de n�s duas e da nossa rela��o. Mas como eram poucas pessoas, Kevin e eu ficamos muito � vontade. Film�vamos pouco por dia. Uma cena com n�s duas conversando resultou, por exemplo, de conversas (filmadas) de 50 minutos sem corte.”

A temporada terminou e a equipe percebeu que teria de filmar mais, o que s� ocorreu em 2019, com nova viagem, agora por duas semanas, para Uganda. Esse corte temporal n�o aparece no longa.
Kevin � personagem interessant�ssima, segura de si e confort�vel com a onipresen�a da c�mera. O filme � falado em v�rias l�nguas: portugu�s (a narra��o de Joana), ingl�s (conversas entre Joana e Kevin), alem�o (Kevin com os filhos pequenos), sua�li e luganda (l�nguas que a protagonista fala com pessoas nas ruas).
Em boa parte da narrativa, Joana apresenta os temas a partir de perguntas ou coment�rios. As respostas de Kevin s�o francas e naturais. Um dos temas mais dif�ceis, conta Joana, foi o racismo. A primeira tentativa de film�-las n�o foi bem-sucedida. “Muito tempo depois, voltamos e ela me disse que j� sabia que caminho iria fazer, mostrando a intelig�ncia do discurso”, conta a diretora.
Racismo velado
Na sequ�ncia, Kevin fala da dificuldade em lidar mais com o racismo velado do que com o expl�cito. Exemplifica com hist�rias da filha na escola alem�. Fala tamb�m do que os pais esperavam dela e de como subverteu as expectativas – mulher sem marido, ela tem tr�s filhos, deixou uma carreira e voltou para casa.H� tamb�m o lado de Joana experimentando Uganda – fosse na compra de frutas ou na tentativa de fazer rafting no rio.
O encontro cresce quando as duas trocam experi�ncias: Joana fala da dificuldade de perder um filho, um dos temas mais dif�ceis para a realizadora tratar no document�rio, e Kevin da vida com tr�s crian�as pequenas. “Houve muito respeito m�tuo”, finaliza Joana.
“KEVIN”
(Brasil, 2021, 81 min., de Joana Oliveira) O filme estreia nesta quinta-feira (3/11), �s 18h10, no UNA Cine Belas Artes, e �s 20h40, no Centro Cultural Unimed-BH Minas.