
"A gente era um manguebeat ao contr�rio. Partia da cultura popular e deixava as refer�ncias do pop e do rock costurarem esses elementos"
Siba, cantor e compositor
O Brasil visto de cima do palco � um pa�s em convuls�o pol�tica, onde a desordem estampa as primeiras p�ginas dos jornais, o Minist�rio da Cultura foi extinto e as cores verde e amarelo ganham outros significados ao ser espalhadas pelas ruas.
Foi assim quando a banda Mestre Ambr�sio fez seu primeiro show, no Recife, em 1992, ainda sob o governo de Fernando Collor de Mello, que deixaria o cargo meses depois, ap�s um processo de impeachment. E � mais ou menos essa paisagem que o grupo diz enxergar tamb�m agora, ao deixar a hiberna��o de quase duas d�cadas e voltar a se apresentar neste 2022 de elei��es e com Jair Bolsonaro na Presid�ncia.
“A gente n�o surgiu num per�odo bonitinho. Foi um momento dif�cil do pa�s, quando a cultura popular estava amea�ada, como est� acontecendo agora de novo”, diz Eder O Rocha, percussionista e um dos seis fundadores da banda.
Caldeir�o pernambucano
Antes de falar da volta � ativa, � preciso voltar ao nascimento. Mestre Ambr�sio surgiu como uma das bandas formadoras do movimento manguebeat, que celebra 30 anos e catapultou Pernambuco como o principal caldeir�o musical brasileiro naquele in�cio dos anos 1990. Dali germinaram nomes como Chico Science, Na��o Zumbi e Mundo Livre S/A, que tinha entre seus integrantes Fred Zero Quatro e Otto.
S� que o manguebeat tinha fauna mais diversa, para al�m dos nomes que acabaram ficando mais famosos. Para usar a imagem t�pica do movimento, o lama�al daqueles anos abrigou figuras que ajudaram a modernizar o passado e produzir uma evolu��o musical, mas que permaneceram mais nas sombras, como as bandas Eddie, Devotos e Mestre Ambr�sio.
“Na �poca, n�o existia muito o questionamento sobre fazer ou n�o parte do movimento, porque era uma coisa s�, existia um sentimento forte de colabora��o entre os grupos”, diz Siba, outro dos nomes � frente de Mestre Ambr�sio. “Mas, olhando agora, d� para perceber que a gente era um manguebeat ao contr�rio. Partia da cultura popular e deixava as refer�ncias do pop e do rock costurarem esses elementos.”
Tornou-se cl�ssico dizer que Chico Science e a Na��o Zumbi eram uma banda de rock costurada pela cultura popular e pela percuss�o do maracatu, enquanto Mestre Ambr�sio fazia o inverso – um grupo de ritmos tradicionais que salpicava de pop a embolada, o forr�, o bai�o, a ciranda, o maracatu e o cavalo-marinho.
Esse �ltimo, folguedo da Zona da Mata nordestina, ou seja, festa tradicional teatralizada, tem em seu rol de personagens o tal Mestre Ambr�sio, que aparece em cena caracterizado por uma m�scara pintada de preto e branco.
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Siba, cantor e compositor
M�scara do cavalo-marinho
A m�scara acabou se tornando s�mbolo da banda, aparecendo em shows e capas de discos. E estar� mais uma vez nos palcos nesse retorno, que marca n�o apenas os 30 anos de carreira e de manguebeat, mas tamb�m os 18 anos desde a �ltima apresenta��o.
Em 2004, foi no Sesc Santo Andr�, em S�o Paulo, que Mestre Ambr�sio parou de tocar. E ser� tamb�m no Sesc, mas no Vila Mariana, que vai voltar � ativa at� domingo (6/11). Em dezembro, ser� a vez das unidades Jundia�, Sorocaba e Itaquera receberem a apresenta��o.
Nos ensaios, os m�sicos v�m tentando recuperar a liga no palco. “Em tr�s dias, j� t�nhamos selecionado as m�sicas. Existe uma mem�ria corporal, foram 12 anos e 500 e poucos shows juntos”, fala Helder Vasconcelos, que toca fole de oito baixos, uma esp�cie de acordeom.
“� um show muito f�sico. A dan�a, as m�scaras, o que herdamos da cultura de rua, tudo vai estar no palco”, afirma o percussionista S�rgio Cassiano.
V�o fazer parte das apresenta��es, que depois de S�o Paulo viajam ao Recife, as faixas “P� de cal�ada”, “Se Z� Limeira sambasse maracatu”, “Pescador”, “Coqueiros” e “Fu� na casa de Cabral”, num pot-pourri dos tr�s discos, todos relan�ados recentemente em vinil, marcando n�o apenas o retorno do grupo, mas um aceno aos f�s moderninhos.
Sem afoba��o
Siba, por�m, afirma que ainda n�o existe qualquer conversa para que o reencontro extrapole o saudosismo e d� � luz o quarto �lbum, com in�ditas. “A gente est� bem cauteloso. O objetivo � trazer o nome da banda de volta, tocar juntos mais uma vez. N�o queremos gerar expectativas.”
Mas o sambinha “Lembran�a de Folha Seca”, faixa do disco “Terceiro samba”, o �ltimo da banda, traz um recado para o pr�prio grupo e para f�s curiosos para ouvir o que Mestre Ambr�sio ainda pode criar. L� pelas tantas, diz a letra: “Se a estrada � t�o longa/ n�o adianta se cansar”.