Em novo romance, Luiz Ruffato mostra como o Brasil 'avan�a para tr�s'
"O antigo futuro" aborda a trajet�ria recente do pa�s por meio de quatro gera��es de uma fam�lia que firmou ra�zes no Brasil depois de deixar a It�lia
Com 100 cap�tulos que compreendem 100 anos, o novo livro de Luiz Ruffato tem lan�amento pela Companhia das Letras em 5 de dezembro (foto: Filipe Ruffato / Divulga��o
)
A prosa de Luiz Ruffato fascina n�o s� pela mir�ade de personagens. De maneira geral, s�o figuras da classe trabalhadora, invis�veis em boa parte da literatura mundial, cujas vozes se multiplicam, romance ap�s romance. O aspecto formal, algo caro ao projeto liter�rio do autor mineiro, ganha outras nuances a cada nova narrativa.
Com lan�amento no pr�ximo dia 5 de dezembro, “O antigo futuro” (Companhia das Letras) traz todos os elementos que caracterizam a obra romanesca de Ruffato, de 61 anos, pouco mais de duas d�cadas desde sua estreia, com “Eles eram muitos cavalos” (2001).
A narrativa abrange 100 anos de quatro gera��es de uma fam�lia de imigrantes italianos que aportou na Zona da Mata mineira para trabalhar com a lavoura de caf� – que � tamb�m a trajet�ria dos pr�prios av�s de Ruffato, que deixaram a regi�o do V�neto no final do s�culo 19 para chegar ao Brasil.
Quatro partes
S�o 100 cap�tulos curtos que se dividem em quatro partes. A quarta parte � a que d� in�cio � narrativa, em 6 de agosto de 2016, com a trajet�ria de Alex, imigrante brasileiro trabalhando em subempregos em Somerville, sub�rbio de Boston, Massachusetts. A parte seguinte, a terceira, � iniciada nos anos 1990 e traz como protagonista Dagoberto. Pai de Alex, na vida adulta, casou e criou os filhos em S�o Paulo.
A segunda parte volta ainda mais no tempo, at� a d�cada de 1960, e a partir de Cataguases, tamb�m cidade natal de Ruffato, acompanha a vida de Al�ssio, pai de Dagoberto. A �ltima parte, na verdade, a primeira, � centrada em Abramo, que veio para o Brasil ainda bem pequeno com os pais e se estabeleceu em Rodeiro, tamb�m na Zona da Mata.
Os tempos mudam, os lugares tamb�m, mas as vidas destes personagens e daqueles que os rodeiam permanecem � deriva.
“Quando comecei a estrutura de ‘O antigo futuro’ pensei no porqu� de as coisas aqui n�o darem certo: o que acontece que a gente anda, anda e n�o sai do lugar? A elei��o do Lula: vamos come�ar 2023 como come�amos 2002, 20 anos atr�s. � como se estiv�ssemos numa roda: tento discutir a quest�o do presente fazendo uma reflex�o do passado a partir da constata��o de que vivemos um passado que n�o passa”, afirma Ruffato, na entrevista a seguir ao Estado de Minas.
"Quando comecei a estrutura de 'O antigo futuro' pensei no porqu� de as coisas aqui n�o darem certo: o que acontece que a gente anda, anda e n�o sai do lugar? A elei��o do Lula: vamos come�ar 2023 como come�amos 2002, 20 anos atr�s. � como se estiv�ssemos numa roda: tento discutir a quest�o do presente fazendo uma reflex�o do passado a partir da constata��o de que vivemos um passado que n�o passa"
Luiz Ruffato, escritor
Como em seus romances anteriores, a forma chama a aten��o em “O antigo futuro”. Como se d� seu processo?
Em todos os livros eu s� sento para escrever depois que tenho a estrutura bem clara na cabe�a. E n�o s� a estrutura, preciso do t�tulo pronto, da ep�grafe. Ele nasce da forma que est�. Evidentemente que a escrita n�o, mas a anterioridade da estrutura precisa existir at� para que eu d� conta de come�ar o livro. Antes de iniciar, preciso conhecer os personagens, saber como v�o agir. Quando sentei para escrever, j� sabia que ele ia come�ar pelo fim, que a hist�ria seria contada do fim para o come�o. N�o tinha, no entanto, muito claro qual seria todo o per�odo, de 100 anos, assim como os 100 cap�tulos. Isto foi nascendo ao longo do processo.
E a reescrita � constante, n�o?
N�o me considero um escritor, me considero um reescritor. At� entregar o livro para a editora vai um longo per�odo de reescrita. E n�o � que eu escreva o livro todo e depois v� reescrevendo; meu processo de reescrita se d� no pr�prio momento que estou escrevendo. Escrevo palavra por palavra, linha por linha. Enquanto n�o termino um par�grafo n�o passo para outro. Mas para termin�-lo vou reescrevendo at� chegar o momento em que est� bom.
Voc� dedica “O antigo futuro” a quatro gera��es de sua fam�lia: seus av�s, pais, irm�os e filhos. � uma narrativa pessoal?
Sim e n�o. Sim porque pelo menos no meu caso, todo o processo de escrita � absolutamente pessoal. Sendo assim, ele, evidentemente, vai ter coisas relacionadas comigo direta ou indiretamente. Mas ao mesmo tempo n�o, porque n�o � a hist�ria da minha fam�lia, n�o � uma autobiografia. Portanto, me sinto muito � vontade para recolher material. No romance anterior, ‘O ver�o tardio’ (2019), eu j� trabalhava com a ideia em algum lugar em Rodeiro (munic�pio da Zona da Mata mineira), onde tem fam�lias italianas. Sempre h� essa quest�o: h� uma proximidade, mas que tamb�m � uma dist�ncia. Tem v�rias passagens do livro que eu ouvi falar, ou falaram comigo, ou aconteceram comigo. Mas s�o de tal forma deturpadas que tudo � absolutamente distante de mim. Posso dizer que n�o aconteceu comigo, pois foi t�o deformada. Mas aconteceu comigo. (risos)
Por que seus protagonistas s�o sempre homens?
Voc� pode perceber que os protagonistas, em geral, s�o homens fracos. Quem s�o as personagens fortes em todos os meus romances s�o as mulheres. Eu nem sabia disso, para falar a verdade. Foi uma menina que, h� alguns anos, fez tese de doutorado e discutiu isso. Fui ver, era verdade. � mais ou menos o que acontece na vida real. As grandes mudan�as que s�o feitas, principalmente no Brasil, aparentam ter sido feitas pelos homens, mas as efetivas s�o provocadas pelas mulheres. Isto tamb�m tem a ver com a minha forma��o de fam�lia italiana. Os homens machistas pra caramba, mas quem realmente toma as decis�es s�o as mulheres.
O romance traz uma ideia circular, que � referendada quando um dos personagens, na parte final da narrativa, diz “amanh� � futuro, para n�s n�o h� futuro”.
Sou um autor monotem�tico. Todos os meus livros tratam da quest�o pol�tica do Brasil. Para mim n�o interessa hist�ria pessoal, hist�ria de amor, ou de um personagem. Meus livros discutem o peso da hist�ria do Brasil, o peso que � o nosso passado que n�o passa. Neste livro, a ideia foi construir uma hist�ria que avan�a para tr�s, que � exatamente a hist�ria do Brasil. (O romance) Come�a com a imigra��o e termina com a imigra��o. H� muito pouca literatura sobre imigra��o no Brasil. Acho estranh�ssimo, porque � um pa�s basicamente de imigrantes, e a literatura de imigra��o � muito pequena. Se voc� quiser conhecer a imigra��o atrav�s dos romances brasileiros, vai ter muito pouca coisa. E a maior parte � uma grande bobagem. Para mim, esse livro tem a import�ncia de discutir a imigra��o nos dois polos: no pa�s que recebeu a imigra��o e no pa�s que permitiu que as pessoas sa�ssem. Acho que � a nossa grande trag�dia hoje. Um pa�s imenso, um dos mais ricos do mundo em termos de recursos e que, no entanto, n�o consegue sequer manter a popula��o nele.
"Sou um autor monotem�tico. Todos os meus livros tratam da quest�o pol�tica do Brasil. Para mim n�o interessa hist�ria pessoal, hist�ria de amor, ou de um personagem. Meus livros discutem o peso da hist�ria do Brasil"
Luiz Ruffato, escritor
A narrativa come�a em 6 de agosto de 2016 e termina em 6 de agosto de 1916. Qual o significado destas datas?
Para mim o que importa � o ano, 2016. S� para lembrar, foi o ano em que aconteceu o golpe contra a Dilma, me lembro perfeitamente de no dia da vota��o do impeachment ver um desfile de horrores. Muita gente falava: ‘Esse Congresso n�o me representa’. Pelo contr�rio: aquilo ali � exatamente a cara do Brasil. Acho que 2013 e 2016 s�o dois anos muito importantes, anos em que o Brasil no qual estamos hoje se define: 2013 foi o momento que a extrema direita percebeu que poderia sair para a rua e em 2016 se d� o golpe que iria redundar na elei��o do Bolsonaro. E eu insisto sempre nisso: o Bolsonaro n�o deu um golpe, ele foi eleito por uma decis�o da popula��o de colocar essa coisa inomin�vel no poder. E mais: perdeu agora com uma diferen�a muito pequena de votos. Portanto, aquelas pessoas que colocaram Bolsonaro no poder em 2018 continuam a�. E continuam fortes.
E o que espera para 2023? H� um futuro em vista?
Tem duas coisas que s�o indiscut�veis. Primeiro, que estamos virando uma p�gina: est�vamos na barb�rie absoluta, vamos voltar a rumar para a civiliza��o. � um fato fundamental para o Brasil. A elei��o de 2018 era: ou voc� vota no Haddad, que � o Lula, ou voc� vota no Bolsonaro. Esta elei��o n�o foi assim. Foi: ou voc� vota contra o Bolsonaro ou contra o Lula. � completamente diferente. E se n�s n�o entendermos isto, o que significa trabalharmos para mudan�as estruturais no pa�s, n�o iremos muito longe, infelizmente.
(foto: Cia. das Letras/Divulga��o)
“O ANTIGO FUTURO”
.De Luiz Ruffato
.Companhia das Letras (224 p�gs.)
.R$ 69,90 (livro) e R$ 39,90 (e-book)
.Lan�amento no pr�ximo dia 5 de dezembro
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