Mostra Cantautores aposta na "pot�ncia qu�ntica do que � pequeno"

Ap�s um hiato de quatro anos, a Mostra Cantautores volta � baila, em sua oitava edi��o, com o intuito de ser, ao mesmo tempo, um lugar de acolhimento e de resist�ncia. Condensada em tr�s dias, a partir desta sexta-feira (2/12), a programa��o inclui shows de Josyara (BA), Davi Fonseca (MG), Igor de Carvalho (PE), Jasmin Godoy (Holanda/MG), Bruno Berle (AL), Let�cia Fialho (DF), Badi Assad (SP) e Maur�cio Tizumba (MG).

As apresenta��es ocorrem no Teatro de Bolso do Centro Cultural Sesiminas, na sexta e no s�bado; e no Teatro Wanda Fernandes, do Galp�o Cine Horto, no domingo. A premissa segue sendo a mesma: o cantor/compositor sobe ao palco acompanhado apenas de um instrumento, que ele mesmo ou algum m�sico acompanhante executa.

Idealizadores e curadores da Mostra Cantautores, os m�sicos Jennifer Souza e Luiz Gabriel Lopes apontam que essa ser� a menor edi��o de todas desde que foi criada, em 2011, o que � um reflexo dos diversos n�veis de dificuldades enfrentados ao longo dos �ltimos anos. Menor, mas n�o menos potente, como ressalva a dupla.

“Conseguimos tirar um pouco a cabe�a da lama, com a vit�ria do Lula nas elei��es e a pandemia dando uma tr�gua, mas estamos vindo de um per�odo muito duro, foram anos muito dif�ceis. A gente queria que o festival este ano transmitisse uma ideia de retorno � casa, um lugar de acolhimento, um abra�o, mas que tamb�m fosse uma demonstra��o de for�a, de resist�ncia. Essa oitava edi��o � uma mescla das duas coisas”, aponta Jennifer.

Um texto de apresenta��o assinado pelos curadores destaca que “os quatro �ltimos anos foram um per�odo extremamente dif�cil para a produ��o cultural no Brasil, n�o s� economicamente, pela rarefa��o dos mecanismos estatais de apoio � arte e �s express�es culturais, mas tamb�m do ponto de vista simb�lico, espiritual, energ�tico, sutil”.

Jennifer observa que a 8ª Mostra Cantautores vem sendo desenhada desde 2019, quando o projeto foi protocolado na Lei Municipal de Incentivo � Cultura. A chegada da pandemia, durante o processo de aprova��o e capta��o de recursos, imp�s um estado de suspens�o. “A gente n�o queria fazer nada virtual. Eu e Luiz tivemos essa conversa. Achamos que perderia muito da ess�ncia, ent�o preferimos aguardar”, diz.

Ela conta que a espera se deu tamb�m pela expectativa de que pudessem obter mais recursos, j� que, como observa, o festival vinha numa trajet�ria ascendente. A �ltima edi��o, em 2018, contou com nomes como Jo�o Bosco, Z�lia Ducan, �ngela Ro Ro, Jards Macal�, C�tia de Fran�a e Joyce Moreno. Naquele ano, a dupla havia conseguido captar recursos tamb�m via Lei Estadual de Incentivo � Cultura, al�m da Lei Municipal.

“Tudo tem a ver com or�amento, ent�o a gente teve que se readequar em fun��o de um aumento geral de pre�os, o que � fruto da atual conjuntura pol�tica, social e econ�mica”, aponta Jennifer. Luiz Gabriel ressalta o fato de as passagens �reas, por exemplo, estarem “absurdamente caras”, o que limitou uma proposta de programa��o mais ambiciosa.

Ele se recorda de, na edi��o de 2018, Jo�o Bosco, em seu show, ter evocado Maiakovski e dito algo sobre o mar da hist�ria ser sempre agitado. “Foi oracular, uma esp�cie de leitura ampla de uma coisa que a gente sabia que estava come�ando, com Bolsonaro j� eleito, mas sem ainda ter tomado posse. Me pareceu um pren�ncio das trevas”, diz.

V�rias quest�es orientaram a forma��o desta oitava edi��o do festival, que Luiz Gabriel considera de reconstru��o de um tecido de sensibilidade. “Agora a gente est� retomando a Mostra com muita luta, com or�amento muito menor, numa edi��o reduzida, s� com tr�s dias, mas com um �nimo redobrado, uma energia de ressurrei��o, de recome�o”, afirma.

Ele sublinha que a ideia de escuta � o eixo conceitual do evento e que h�, portanto, algo de simb�lico em seu retorno ao calend�rio cultural de Belo Horizonte. “Ainda estamos reverberando os problemas vividos ao longo dos �ltimos anos. Muito se perdeu no que diz respeito �s rela��es sociais. As pessoas n�o est�o dispostas a ouvir. A Mostra � uma tentativa de reinaugurar esse espa�o da escuta”, ressalta.

A despeito das dificuldades e limita��es, Luiz Gabriel diz que a edi��o 2022 da Mostra Cantautores chega com uma aposta grande na “pot�ncia qu�ntica do que � pequeno”. Ele acredita que a proximidade entre artista e p�blico – porque os shows ocorrem em espa�os pequenos – e a intimidade do momento – em raz�o do formato enxuto das apresenta��es – guardam uma carga de afetividade importante.

Ele tamb�m acredita que seja um caminho alternativo � ind�stria do espet�culo. “N�o que seja problem�tica essa coisa do palco gigantesco, do tel�o, da apresenta��o com bailarinos. Acho incr�vel ver um show do Radiohead como uma experi�ncia multimidi�tica, mas nossa aposta � na ess�ncia do surgimento das can��es, � nosso diferencial”, pontua.

Compor a programa��o deste ano foi algo orientado pelo desejo de oferecer ao p�blico um mapa diverso e representativo de qualidades fundamentais dentro do universo da can��o popular, segundo o m�sico. “Buscamos consist�ncia no trabalho com a letra, com a harmonia, com a melodia, enfim, os par�metros b�sicos de composi��o, mas tamb�m procuramos montar uma esp�cie de cartografia que esses artistas estabelecem em seus circuitos”, diz.

Jennifer Souza acrescenta que a dupla se valeu dos bancos de dados resultantes dos processos curatoriais desenvolvidos desde a primeira edi��o da Mostra. Ela diz, ainda, que a organiza��o nunca repetiu nomes na programa��o, o que tem a ver tanto com a amplitude de possibilidades que esse banco de dados oferece quanto com o ineditismo das colet�neas e do acervo audiovisual que s�o produzidos a partir do festival.

“A gente precisa colocar v�rios filtros na hora de montar uma programa��o coerente e atual, o que passa por or�amento, valor do cach�, e isso tem a ver com o momento de cada artista. Tem v�rias coisas que pesam na escolha, mas ficamos muito felizes com o resultado a que chegamos”, enfatiza.

Luiz Gabriel pontua que, al�m da representatividade baseada em crit�rios art�sticos, de singularidade das propostas est�ticas, a programa��o funciona como um contraponto � tend�ncia dominante dos festivais de cunho mais comercial. Ele considera que, atualmente, haja uma pletora de eventos pautados por resultados num�ricos, “pela cultura do ‘rankeamento’ que se estabeleceu na era do streaming”.

Respons�vel por abrir a programa��o desta 8ª Mostra Cantautores, a baiana Josyara acaba de lan�ar um novo �lbum, “�deusdar�”, que sucede “Mansa f�ria”, de 2018 – trabalho que concorreu a disco do ano pela Associa��o Paulista dos Cr�ticos de Arte (APCA) e revela��o do ano no Pr�mio Multishow, al�m de ter rendido � cantora o pr�mio WME como artista revela��o.

Ela adianta que o show na Mostra Cantautores inclui m�sicas do novo trabalho e tamb�m temas compostos ao longo da carreira, al�m de algumas releituras de artistas que admira, como C�tia de Fran�a e Belchior. “Acho esse formato voz e viol�o prop�cio para se propor esse passeio por tudo o que eu j� fiz at� agora”, aponta.

“�deusdar�” tem um forte acento percussivo afro-brasileiro e inclui em seu processo de feitura sintetizadores e a inser��o de sons eletr�nicos, tamb�m presentes no �lbum de 2018. Josyara diz, no entanto, que � poss�vel transportar sem preju�zo as m�sicas do novo trabalho para o formato m�nimo de voz e viol�o.

“Eu mesma cuidei da produ��o de ‘�deusdar�’. Tem a coisa da m�quina, do computador, o que acaba configurando um outro jeito de compor, mas consigo traduzir essas m�sicas para o viol�o mantendo as caracter�sticas delas”, diz, destacando que tamb�m se sente confort�vel estando sozinha no palco.

“Fico muito � vontade, porque � um formato que construiu muito a identidade do meu trabalho, est� na base do que eu fa�o, ent�o me sinto livre, � vontade. Me apresentar s�, com o viol�o, � algo que gosto muito de fazer, porque diz sobre a origem da minha m�sica”, ressalta.

“�deusdar�” foi lan�ado em agosto passado e, segundo a cantora, tem lhe dado um �timo retorno. “Percebo que as m�sicas chegaram mais r�pido nas pessoas. Vou aos lugares para me apresentar e todo mundo est� cantando junto. ‘Mansa f�ria’ teve um tempo mais dilatado de absor��o, mas entendo que foi um trabalho que abriu portas. ‘�deusdar�’ j� encontrou um caminho mais f�cil”, diz.

Al�m dos shows, essa oitava edi��o da mostra abarca duas atividades extras: um debate, no s�bado, reunindo m�sicos, jornalistas e produtores em torno do tema “Esse tal de ouvinte”, e um encontro entre cantautores presentes na programa��o – Igor de Carvalho, Jasmin Godoy, Bruno Berle e Davi Fonseca.

“Essas atividades extras prop�em um mergulho um pouco mais profundo em v�rios aspectos da can��o, nas maneiras de fazer, de divulgar, de consumir. Acho uma troca de conhecimentos e de pontos de vistas entre profissionais muito v�lida”, aponta Jennifer Souza.

Josyara ( 20h)*

Davi Fonseca (21h30)*

. No Teatro de Bolso do Centro Cultural Sesiminas (Rua Padre Marinho, 60, Santa Efig�nia)

Igor de Carvalho (18h)*

Jasmin Godoy (19h30)*

Bruno Berle (21h)*

. No Teatro de Bolso do Centro Cultural Sesiminas

Let�cia Fialho (16h)*

Badi Assad (18h)*

Maur�cio Tizumba (20h)*

. No Teatro Wanda Fernandes, do Galp�o Cine Horto (Rua Pitangui, 3.613, Horto)

*Ingressos a R$ 30 e R$ 15 (meia), � venda no site 

Debate “Esse tal de #ouvinte”, com Juliana S� (Dobra Discos), Leonardo Marques (est�dio Ilha do Corvo), Laura Damasceno (jornalista e curadora), Renan Guerra (site “Scream & Yell”) e Gabriela Amorim (revista “Noize”), de 14h �s 16h

. No Teatro de Bolso do Centro Cultural Sesiminas

Encontro com os compositores Igor de Carvalho (PE), Jasmin Godoy (HOL/MG), Bruno Berle (AL) e Davi Fonseca (MG), das 14h �s 15h30

. Na Gruta (Rua Pitangui, 3.613-C, Horto)