
Realizador da Mostra Udigrudi de Anima��o Mundial (Mumia), cuja 20ª edi��o est� em cartaz em Belo Horizonte, S�vio Leite identifica um certo “ran�o” em rela��o � produ��o que o evento abarca. Ele conta que a vinda da diretora de uma escola de cinema da Eslov�quia acabou inviabilizada depois de um poss�vel patrocinador daquele pa�s soltar esta: “Ah, pensei que era um festival de cinema de verdade”.
Apesar do preconceito e da pen�ria financeira ao longo dos �ltimos quatro anos, S�vio insiste. E a Mumia – que segue em cartaz at� o pr�ximo dia 18, com sess�es programadas em v�rios espa�os de BH – se mant�m viva no calend�rio cultural da capital mineira.
Novidade vem da Eslov�quia
Este ano, 130 curtas de anima��o de v�rios pa�ses est�o agrupados em sess�es das mostras Mineira, Brasil e Internacional. Haver� tamb�m sess�o especial, Panorama da Anima��o Eslovaca, para a qual a tal diretora viria, caso o poss�vel patrocinador se interessasse.

S�vio explica que devido � car�ncia or�ament�ria, a Mumia tem feito uma esp�cie de retorno �s origens das primeiras edi��es, quando n�o havia sele��o de trabalhos – tudo o que chegava entrava na programa��o. Ele chama o processo de “curadoria dada�sta”: filmes v�o sendo agrupados nas tr�s mostras por ordem de chegada.
“Estamos comemorando 20 anos de realiza��o ininterrupta da mostra, mas de forma debilitada nos �ltimos quatro anos, porque os patroc�nios sumiram. A gente aprova (o projeto) e n�o consegue captar”, diz, referindo-se � Lei Municipal de Cultura. Ainda que o incentivo seja municipal, ele credita o insucesso a reflexos da “pol�tica de desmonte da cultura” praticada pelo atual governo federal.
“Este ano, imaginei que n�o ia dar conta de fazer. Abrimos financiamento coletivo para pagar os custos. Diante de todo esse ambiente, dessa situa��o geopol�tica, pensei que o melhor era voltar �s origens”, diz. Ele n�o viu a maioria dos t�tulos da Mostra Brasil. Portanto, pode haver surpresas – para o bem e para o mal.
Exibir filmes ruins faz parte da ess�ncia da Mumia – de outra forma, o Udigrudi do nome n�o se justificaria. � medida que o evento foi crescendo, a necessidade de criar sess�es se imp�s, explica o organizador. J� houve at� a sess�o “Monstrengo” para abrigar os t�tulos muito ruins.
“Certa vez, estava tendo sess�o da Mumia no Sesc Palladium com filmes a que eu n�o tinha assistido. Eram muito ruins, um atr�s do outro. No final, fui para a porta da sala me desculpar com o p�blico. Conto essa hist�ria quase como anedota”, diz.
Se n�o pode garantir a qualidade da Mostra Brasil, S�vio Reale chancela as outras duas e a sess�o especial. Destaca o Panorama da Anima��o Eslovaca, com curadoria da pesquisadora Nat�lia Christofoletti Barrenha, que se mudou para l�. “Ela prop�s a mostra, que, inclusive, era para ser maior. Vale a pena ver”, diz.
T�tulos eslovacos exibem grande variedade t�cnica, com uso de pintura, stop motion e outras possibilidades. “A Eslov�quia � um lugar completamente outro para a gente. Praticamente n�o temos informa��o a respeito, mas a gente pode conhecer um pouco daquela cultura por meio do cinema”, explica S�vio Reale.
Abuso sexual em foco
O organizador assistiu a praticamente todos os filmes da Mostra Internacional. Garante que ela n�o guarda surpresas desagrad�veis – pelo contr�rio. O espanhol “Ur azpian lore”, de Aitor O�ederra, que trata de abuso sexual, vem conquistando pr�mios em todos os festivais de que participa, informa.
“A sele��o internacional tem coisas muito interessantes. H� sess�o com praticamente s� filmes russos, e eles t�m uma produ��o muito boa l�”, diz. “� pouco prov�vel que curtas da programa��o internacional voltem a ser exibidos em Belo Horizonte, por isso vale a pena ficar de olho”, recomenda.
Ao comentar a Mostra Mineira, o organizador destaca o car�ter pioneiro da produ��o do estado. Belo Horizonte foi a primeira capital do Brasil a ter curso superior de cinema de anima��o, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a partir de 2011, afirma. “A produ��o vem desde os anos 1980, muito madura, muito consolidada.”
Ele indica “A mula sem cabe�a”, de Tamires Muniz – realizadora que estudou em escola de anima��o estoniana reconhecida mundialmente –, e dois t�tulos de Leonardo Cata Preta: “Quarto do desassossego” e “�rbita”, ambos de 2020. Em 2010, com “O c�u no andar debaixo”, o diretor conquistou v�rios pr�mios na Mumia.

Entre os filmes nacionais, ele aponta um t�tulo que promete: “Mitos ind�genas em travessia”, de Julia Vellutini e Wesley Rodrigues, vencedor da modalidade Melhor curta no Grande Pr�mio do Cinema Brasileiro.
“O Wesley � um cara muito festejado no meio da anima��o, tem estilo muito pr�prio, muito bonito”, diz S�vio Reale.
A Mumia tem car�ter competitivo. Com exce��o do Panorama da Anima��o Eslovaca e do filme “O estado contra Mandela e os outros”, de Gilles Porte e Nicolas Champeaux, que ser� exibido no Cine Humberto Mauro no pr�ximo dia 6, todos os demais concorrem a pr�mios.
O j�ri n�o � composto apenas por pessoas ligadas � s�tima arte. “Temos, com a Mumia, a possibilidade de sair da caixinha. Gosto de chamar gente de fora do cinema para formar o corpo de jurados, o pessoal das artes pl�sticas, pintores, brincantes, como � o caso do Roquinho (Roque Ant�nio Soares J�nior), que vai julgar os filmes das mostras Mineira e Brasil”, diz S�vio.
"Pol�tica p�blica � complicado, com pouco dinheiro e muita gente querendo. Mas ela existir � melhor do que nada. Sou otimista, vai ser melhor no futuro"
S�vio Reale, organizador da Mumia
Trajet�ria de desafios
Nesses 20 anos da Mumia, foram muitas as conquistas, mas os desafios persistem. “O in�cio da mostra, em 2003, coincide com a cria��o da Associa��o Brasileira de Cinema de Anima��o (ABCA) e com o primeiro governo Lula, quando se come�ou a pensar uma s�rie de pol�ticas p�blicas para a cultura bastante efetivas. A anima��o teve, a partir daquele momento, um boom muito grande. A gente saiu de 27 longas de anima��o, durante todo o s�culo 20, para mais de 40 longas produzidos a partir dos anos 2000.”
Trata-se de fen�meno mundial, observa, lembrando os pr�mios importantes conquistados pelo japon�s “A viagem de Chihiro” (2001), que levou o Oscar em 2003, e o franc�s “Pers�polis” (2007), premiado pelo j�ri de Cannes, em 2008.
“O Brasil acompanhou isso. Tamb�m come�aram a ser produzidas s�ries como ‘O irm�o do Jorel’, e surgiram publica��es espec�ficas sobre cinema de anima��o, o que antes n�o tinha”, aponta.
“Tinha-se a ideia de que anima��o era coisa s� para crian�a. N�o que isso tenha mudado completamente, mas muita gente come�ou a olhar diferente para essas obras, no sentido de assistir e n�o sentir que est� regredindo � inf�ncia”, comenta.

Crise no governo Bolsonaro
O vetor de crescimento e expans�o foi interrompido a partir de 2018, com a elei��o de Jair Bolsonaro, segundo S�vio. “O governo fez abertamente campanha contra incentivos culturais. A partir daquele ano, n�o apareceu mais quem topasse patrocinar o evento, que, tenho consci�ncia, � de risco, � dirigido, n�o � para as massas. Passa por outro tipo de l�gica, mas at� a 16ª edi��o, em 2018, a mostra contava com apoio e reverberava”, ressalta.
N�o que a Mumia 2022 esteja completamente sem suporte. S�vio destaca o apoio da Funda��o Municipal de Cultura, Museu da Imagem e do Som, Funda��o Cl�vis Salgado, Espa�o do Conhecimento UFMG, do Cine Faro e Cine Design (It�lia), ABCA, Instituto Undi�, Biblioteca P�blica, Sindicato dos Professores de Minas Gerais e do Centro de Artes Suspensa Armatrux.
20ª MOSTRA UDIGRUDI DE ANIMA��O MUNDIAL
At� 18/12, no Cine Humberto Mauro, Cine Santa Tereza, Biblioteca P�blica de Minas Gerais, Centro de Artes Suspensa Armatrux (C.A.S.A.) e Instituto Undi�. Programa��o do Cine Humberto Mauro: https://fcs.mg.gov.br/. Programa��o completa: http://mostramumia.blogspot.com/