
Um post com fotos de expoentes da extrema direita no pa�s, como os jornalistas Augusto Nunes e Guilherme Fiuza, o empres�rio Luciano Hang, a deputada federal Carla Zambelli, o deputado rec�m-eleito Nikolas Ferreira e Eduardo Bolsonaro, p�s "Roda Viva" na trilha musical de sua den�ncia contra a "censura" do ministro do Supremo Tribunal Federal, o STF, Alexandre de Moraes, � frente do inqu�rito das fake news. O nome de Moraes n�o foi citado.
"O Brasil est� sob censura. Numa ditadura a primeira a morrer � a liberdade de express�o e imprensa", disse o deputado federal e filho do presidente da Rep�blica, em 5 de novembro.Ouvida pelo avesso, a can��o-s�mbolo da resist�ncia cultural � ditadura militar virou arma de protesto de apologistas do regime autorit�rio iniciado em 1964. Terceiro lugar no terceiro Festival de M�sica Popular Brasileira, em 1967, e inclu�da no �lbum "Chico Buarque de Hollanda - Volume 3", de 1968, "Roda Viva" tem uma das letras mais virtuosas do compositor e conta com arranjo vocal de Magro Waghabi, do grupo MPB-4.
Ela virou ainda tema da pe�a escrita por Chico Buarque e dirigida por Jos� Celso Martinez Corr�a. Em julho de 1968, o ataque do CCC, o Comando de Ca�a aos Comunistas, ao elenco do "Roda Viva", no Teatro Ruth Escobar, em S�o Paulo, marcou o terror cultural � beira do Ato Institucional Nº 5, o AI-5.
Indignado com o uso indevido, Chico pediu a retirada da m�sica do post e uma indenizacao por danos morais no valor de R$ 48 mil. "Se ver posando de garoto-propaganda de uma campanha politica da qual e veementemente contrario e que, diga-se, lhe impingiu o exilio, tem sido muito doloroso para ele", afirmou a peti��o inicial dos advogados, em 17 de novembro.
Um dia depois, a ju�za substituta do sexto Juizado Especial Civel da Comarca da Capital Lagoa, M�nica Ribeiro Teixeira, apontou a aus�ncia de "documento habil a comprovar os direitos autorais do requerente sobre a cancao 'Roda Viva'".
Sem julgar o m�rito, ela n�o negou a autoria da can��o, mas exigiu que fosse atestada. "Apos o transito em julgado, de-se baixa e arquive-se." A decis�o motivou cr�ticas em redes sociais de personalidades pol�ticas e art�sticas.
No pedido de reconsidera��o da senten�a, em 23 de novembro, os advogados de Chico apontaram "omiss�es e obscuridades" da ju�za. "Em se tratando de direitos autorais nao ha que se falar na necessidade de apresentacao de registro para que se pleiteie a sua protecao em qualquer esfera." Amparados no C�digo de Processo Civil, argumentaram que quando a autoria � um "fato publico e notorio" n�o exige comprova��o espec�fica.
"Trata-se de uma das musicas mais marcantes da cultura popular brasileira e da historia das cancoes de protesto", refor�ou a defesa, citando quest�es de vestibular e o pr�prio post de Eduardo Bolsonaro, que atribuiu o fonograma a Chico Buarque.
M�nica Teixeira n�o recuou ap�s a repercuss�o negativa. Em 29 de novembro, se manifestou com aridez. "A sentenca embargada nao apresenta obscuridade, contradicao, omissao ou duvida", declarou a ju�za. "Assim, conheco os embargos e nao lhes dou provimento."
Teixeira n�o rebateu as cr�ticas � decis�o pol�mica. "O juiz n�o pode manifestar, por qualquer meio de comunica��o, opini�o sobre processo em tramita��o. A veda��o est� prevista na Lei Org�nica daMagistratura Nacional", informa a assessoria de imprensa do Tribunal de Justi�a do Rio de Janeiro.
"Tem gente que n�o quer dar o bra�o a torcer. Seria grandeza dela dizer que a m�sica � do Chico. 'Reconsidero a minha decis�o.' Mas ela n�o teve essa mod�stia. Os grandes ju�zes fazem isso com facilidade, porque o humano erra", afirma o advogado do compositor, Jo�o Tancredo.
A defesa vai ingressar com um novo processo, porque a ju�za n�o entrou no m�rito, e deseja ver o pedido atendido em um tempo mais c�lere. "N�o estou reclamando direito material. N�o � direito autoral pela execu��o. Estou reclamando dano moral pelo uso da 'minha voz, da minha obra' em uma coisa que eu n�o autorizei."
A senten�a levantou d�vidas sobre a posi��o ideol�gica e a forma��o cultural da magistrada. "� uma coisa t�o fora de qualquer l�gica. Isso � ilegal", critica Z� Celso Martinez, diretor das montagens de "Roda Viva" em 1968 e 2018. "Ela est� mentindo, fazendo uma grande fake news. Tem que entrar em cena o Alexandre de Moraes para resolver essa quest�o surreal".
Por telefone, Z� Celso pediu que o rep�rter repetisse o nome da ju�za. "M�nica Teixeira! P�, qual�, pirou? Virou a deusa da fake news? N�o d�! Isso � o �bvio ululante, como diria Nelson Rodrigues", disse o diretor do Teatro Oficina. "Posso ser testemunha em qualquer situa��o. S� o ministro Xand�o pode fazer alguma coisa. � pior do que a amea�a de golpe militar. � uma ode � fake news".
"Roda Viva", a pe�a que incorporou a can��o, aborda a hist�ria de um �dolo popular, Ben Silver, tragado pela engrenagem da sociedade de consumo. "Ela teve problemas de censura e ataques �s mulheres no teatro, inclusive Mar�lia P�ra. Tenho esses documentos da pe�a do Chico. Os censores foram ver os ensaios. Chico estava presente. Ningu�m olhou para a pe�a. Chico era muito jovem e lindo. Ficaram todos olhando para os olhos do Chico", lembra Z� Celso.
O cantor Miltinho, membro do MPB-4, tamb�m se espantou com a decis�o judicial. "Quando eu vi a not�cia achei gra�a. Mas n�o tem gra�a. � rid�culo", diz o artista, que participou da defesa de "Roda Viva" no festival de 1967. "� como dizer que Ary Barroso n�o fez 'Aquarela do Brasil'. Ele disse que fez? Ent�o prove".
O int�rprete menciona o uso amalucado de "C�lice", de Chico Buarque e Gilberto Gil, em um v�deo antidemocr�tico de bolsonaristas. Ele alertou a Vinicius Fran�a, empres�rio de Chico, sobre a distor��o do sentido da m�sica, outra marcante presen�a vocal do MPB-4.
"Acho que a gente nunca deixou de tocar 'Roda Vida' em nenhum show. 'Roda Vida' faz parte da vida do MPB-4. Normalmente, ela encerra o show. Tem uma mensagem que n�o para nunca. Voc� pode pegar pelo vi�s pol�tico, social, de vida, qualquer um. � um hino", acrescenta Miltinho.
No trecho de "Roda Viva" levado ao post de Eduardo Bolsonaro, ainda no ar, o MPB-4 canta "a gente vai contra a corrente/ at� n�o poder resistir".