
Poucos meses ap�s o lan�amento no Disney Plus da vers�o de “Pin�quio” dirigida (ou pior, cometida) pelo outrora competente Robert Zemeckis, surge esta vers�o assinada por Guillermo del Toro para a Netflix.
O filme tem cr�dito de dire��o tamb�m para Mark Gustafson. Para garantir a autoria, Del Toro, tamb�m o produtor, coloca seu nome no t�tulo. Cada �poca tem o Fellini que merece, mas � fato que sua marca � bem evidente por todo o filme.
Como se podia esperar do diretor que assinou “Hellboy”, em 2004, e “O labirinto do fauno”, em 2006, sua vis�o � mais adulta e sombria que a de Zemeckis, o que faz com que seu “Pin�quio” esteja mais distante da adapta��o original de 1940 e mais pr�xima da melhor adapta��o feita at� hoje, a de Luigi Comencini em 1972.
Isto a faz, consequentemente, ficar mais pr�xima, em tom e fidelidade, � hist�ria original de Carlo Collodi (1826-1890). At� mesmo no tra�o, mais pass�vel de transmitir tanto uma paz infantil quanto a gravidade decadentista do fascismo.
It�lia fascista
A ambienta��o da hist�ria na It�lia de Mussollini, por um lado, enfraquece esteticamente o novo filme, que se torna mais �bvio, como numa cena de chacota com Il Duce. Ao mesmo tempo o faz ser uma importante voz de resist�ncia ao avan�o da extrema direita no mundo.
H�, por exemplo, a ideia da manipula��o de mentes ing�nuas por regimes totalit�rios. Pin�quio, mais do que o novo filho de Gepeto, torna-se m�quina de guerra por ter vida eterna. Mais do que um menino de madeira que ganha vida pelo feiti�o de uma fada, torna-se ao mesmo tempo exemplo de rebeldia contra a autoridade paternal e marionete pronta para ser manipulada.
H� ainda maior atra��o pelos aspectos monstruosos, tanto nas figuras mais realistas como nas mais fant�sticas, como a fada azul e sua irm� das profundezas, num n�vel que pode torn�-lo mais interessante para adultos, embora sem perder o encanto infantojuvenil.
O grilo falante, que recebe a voz de Ewan McGregor, parece muito mais um inseto do que sua vers�o bonitinha e barrigudinha da Disney. Procurando uma �rvore para chamar de lar, ele encontra justamente a que vai servir para Gepeto fazer seu boneco. Logo, o grilo faz morada dentro do peito de Pin�quio.
O babu�no Spazziatura, curiosamente dublado por Cate Blanchett, parece um gremlin, o que talvez seja homenagem do diretor-produtor ao filme de Joe Dante. � um personagem interessante que se torna mais nuan�ado conforme a trama progride, tendo papel essencial na aventura.
Ele � subordinado ao Conde Volpe, o empres�rio picareta v� em Pin�quio a oportunidade de enriquecer. A voz de Christoph Waltz d� a esse personagem espessura interessante, tornando-o uma esp�cie de vil�o carism�tico que Hitchcock aprovaria.
Essas escolhas se mostram acertadas e o filme jamais permite que seus momentos baixos sejam predominantes. A for�a na constru��o dos personagens imp�e respeito a uma trama que recebe no geral modifica��es interessantes, mesmo quando sob o risco de facilidade nas solu��es dram�ticas.
Cl�max convincente
De todas as adapta��es, esta � a que melhor acerta em alguns momentos essenciais da trama. O da baleia, por exemplo, que � geralmente onde as outras patinam, ganha tratamento justo na aventura e no drama, ajudando a fazer do cl�max um momento forte do filme, ao contr�rio dos cl�maxes meio frouxos das outras vers�es, incluindo a de Comencini.
Por tudo isso podemos dizer que “Pin�quio” � um dos maiores acertos da carreira de Guillermo del Toro, um daqueles momentos em que reconhecemos sua sensibilidade mesmo por tr�s dos tra�os de uma anima��o. Na batalha do streaming, o diretor de “Hellboy” d� um chap�u na Disney.
"PIN�QUIO POR GUILLERMO DEL TORO"
EUA/M�xico/Fran�a, 2021. Dire��o: Guillermo del Toro. Anima��o, com as vozes de Ewan McGregor, Cate Blanchett e David Bradley. Dispon�vel na plataforma Netflix.