Produtor de cinema Daniel Dreifuss, loiro de olhos claros, vesta blusa verde. Na foto, ele olha para a câmera

Daniel Dreifuss deixou BH h� 20 anos para fazer cinema em Los Angeles

Acervo pessoal
H� 20 anos Daniel Dreifuss trocou Belo Horizonte por Los Angeles com o sonho de trabalhar com cinema. Chegou a Hollywood com o passaporte brasileiro, duas malas e nenhum contato na ind�stria. Desde hoje (24/1), Dreifuss, de 44 anos, viu que pode sonhar alto.
 
Nada de novo no front”, filme alem�o (coprodu��o com os EUA e Reino Unido) produzido por ele, recebeu nove indica��es ao Oscar. Entre elas ao pr�mio principal, de melhor filme. As demais s�o: Filme Internacional, Cabelo e Maquiagem, M�sica original, Som, Efeitos Visuais, Roteiro Adaptado, Fotografia e Desenho de Produ��o.
 
Foi Dreifuss quem entendeu que a hist�ria que acompanha um jovem soldado alem�o durante a Primeira Guerra Mundial, baseado nas pr�prias mem�rias do escritor Erich Maria Remarque (1898-1970) no romance hom�nimo, deveria ser contada em seu pa�s de origem.
 
O produtor tamb�m tinha um interesse pessoal na hist�ria. Seu av� paterno, Max Dreifuss, tamb�m lutou naquele conflito. “Ele fez parte da gera��o que, infelizmente, lutou pela Alemanha na Primeira Guerra e que na Segunda foi para o campo de concentra��o”, conta Dreifuss. 
 
Judeu-alem�o da Als�cia, Max Dreifuss foi um dos cinco membros de sua fam�lia que sobreviveu ao Holocausto. Conseguiu fugir para o Uruguai, onde nasceu Ren� Dreifuss (1945-2003), pai de Daniel.
 
Cientista pol�tico e historiador graduado na Universidade de Haifa, em Israel, Ren� fez mestrado na Universidade de Leeds, Inglaterra, e doutorado em Glasgow, na Esc�cia, onde Daniel nasceu.
 
Um jovem com capacete e uma arma olha para trás em imagem do filme 'Nada de novo no front'

Produ��o alem� "Nada de novo no front" concorre a nove Oscars

Netflix/Divulga��o
O produtor tinha um ano e meio quando chegou a Belo Horizonte. O pai, na �poca, foi professor de Ci�ncia Pol�tica na UFMG, onde ficou at� 1985. Foi tamb�m neste per�odo que Ren� lan�ou seu livro mais importante, “1964: A conquista do Estado” (1981), que analisa as articula��es de setores empresariais e militares para derrubar o presidente Jo�o Goulart em 1964.
 
Mesmo com a sa�da do pai de BH, Daniel continuou na cidade, onde at� hoje vive  sua m�e, que � brasileira. Na entrevista a seguir, ele conta como chegou ao projeto de “Nada de novo no front”, e fala da expectativa neste retorno ao Oscar. S�o 20 anos de Estados Unidos e dez desde sua primeira indica��o, como produtor do chileno “No”, de Pablo Larra�n. 
 
As nove indica��es de “Nada de novo no front” chamaram a aten��o. Voc� esperava por isto?
Eu n�o posso esperar nada, posso sonhar, almejar. Em cada departamento do filme a equipe t�cnica foi extraordin�ria, ent�o as indica��es foram uma recompensa, um reconhecimento da ind�stria. Se voc� me perguntasse h� tr�s meses, eu diria que ficaria felic�ssimo se ele fosse indicado a melhor filme internacional. J� seria um presente. Mas quando o filme entrou na shortlist em cinco categorias, depois recebeu 14 indica��es ao Bafta, passei a acreditar que ele poderia sim ir al�m da pr�pria categoria de filme internacional. 
 
Como “Nada de novo no front” chegou at� voc�?
Recebi o roteiro h� mais ou menos dez anos, logo depois de lan�ar “No”. Na �poca, gostei muito do roteiro, ele tinha mais a��o e era mais focado no �ltimo dia da guerra. Por v�rias raz�es, pois n�o � um filme simples de levantar, ele n�o aconteceu naquele momento. O roteiro passou para outros produtores e diretores mas nunca o esqueci, porque tenho uma conex�o pessoal com ele.
 
Qual seria?
Meu av� (Max Dreifuss, judeu-alem�o da Als�cia) lutou na Primeira Guerra. Na cena que o menino Paul B�umer (Felix Kammerer) vai se alistar, ele mente e diz que nasceu em 1899. Meu av� nasceu, de fato, em 1899 e se alistou em 1917. O primo dele se alistou tamb�m, morreu no final guerra. Queria, ent�o, de alguma forma retornar ao projeto. Quando resolvi buscar o projeto de novo, batalhei pela vers�o que se conhece hoje. N�o iria conseguir fazer o filme do jeito que queria nos EUA. Achei que ele tinha que voltar para a Alemanha, para o idioma original. Levei para um produtor alem�o (Malte Grunert) e o Edward (Berger, diretor) veio com ele. 
 
Ser rodado na Alemanha fez toda a diferen�a, n�o?
Como eu falaria de um momento t�o crucial para um pa�s em ingl�s? Achei que seria interessante ter o ponto de vista dos alem�es. Al�m disto, as audi�ncias do mundo, especialmente nos EUA, j� que no Brasil isto j� era mais comum, est�o mais abertas para filmes e s�ries em outros idiomas (que n�o o ingl�s). ‘Parasita’ � um exemplo disto. As pessoas entenderam que a gente pode contar hist�rias fascinantes em qualquer lugar. O que � preciso � encontrar universalidade do tema em uma hist�ria local. Mas n�o imaginava que quando o filme fosse lan�ado havia outra guerra na Europa. Ent�o ele � muito atual. J� era quando comecei a trabalhar nele por v�rias raz�es, armas que n�o s�o controladas, crian�as mortas em atentados. Com a guerra, a hist�ria se tornou mais atual ainda e passou a reverberar mais.
 
Como foi filme chegou at� a Netflix?
Foram anos de batalha para levantar o filme. � um filme de �poca, triste, quem iria querer esta hist�ria? Quando veio a vers�o em alem�o, a Netflix resolveu bancar o filme. Eles que bancaram (Dreifuss n�o diz o valor do or�amento). Custou muito menos do que as pessoas acharam que foi, mesmo tendo sido um or�amento robusto. O valor seria baix�ssimo para um filme americano. 
 
Como vai ser a campanha para o Oscar a partir de agora?
Vamos nos adequar � segunda fase, com novas regras para promo��o. Mas acho que por sua qualidade o filme tem que falar por ele mesmo. As indica��es d�o uma visibilidade enorme. Este filme e outros como o do Spielberg (‘Os Fabelmans’) e do Martin McDonagh (‘Os Banshees de Inisherin’), s�o intimistas, com hist�rias pessoais. Acho que a lista de indica��es � diversa, com muitas qualidades. Mas espero mesmo que ‘Nada de novo no front’ fale por ele mesmo. Fico feliz que os v�rios departamentos dentro da Academia (de Artes e Ci�ncias Cinematogr�ficas) tenham reconhecido a for�a dele. O conjunto de v�rias categorias em harmonia se traduziu nas indica��es de melhor filme.
 
Acredita que “Nada de novo no front” pode repetir o que ocorreu com “Parasita” (que venceu os Oscars de melhor filme e melhor filme internacional)?
Vale a pena sonhar. O filme existe, � um sonho realizado. A gente tem chance a melhor filme? Por que n�o? Hoje ele j� tem uma carreira que vai muito al�m do que eu poderia imaginar. S� n�o quero minimizar o peso das outras categorias em prol da de melhor filme.